VIEIRA, Carolina Nascimento; MOREIRA, Paula Adelaide M.S.; ANDRÉ, Sumaia Boaventura. Taipa de mão no contexto da precariedade habitacional, do saneamento ambiental e das políticas públicas. In: NEVES, Célia et al. Arquitetura e Construção com Terra no Brasil. Tupã, São Paulo: ANAP, 2022, 251 p.: il. – (PPGARQ ; v. especial). cap. 2.6, p. 158-169. ISBN 978-65-86753-59-2. E-book.
Eixos de análise abordados:
Saberes tradicionais e espaço arquitetônico
Tecnologia tradicional no território e na edificação: vigências e usos contemporãneos
Dados sobre o autor(es) e obra:
Carolina Nascimento Vieira possui graduação em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade Federal da Bahia – UFBA (1999), especialização em Arquitectura i Sostenibilitat (2007) pela Fundació Politècnica de Catalanya, mestrado em Arquitectura, Energia i Medi Ambient (2009) pela Universitat Politècnica de Catalunya, doutorado em Arquitetura e Urbanismo, linha de pesquisa Ciência e Tecnologia da Conservação e do Restauro, (2017) pela UFBA e pós-doutorado em Clima Urbano pelo Centro Federal de Educação Tecnológica de Minas Gerais. Atualmente é Professora Adjunta (DE), do Núcleo de Tecnologia, Projeto e Planejamento da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal da Bahia e integrante dos grupos de pesquisa de Clima Urbano de Salvador e Arqpop.
Paula Adelaide Mattos Santos Moreira possui graduação em Arquitetura e Urbanismo e Licenciatura em Desenho e Plástica, ambas pela Universidade Federal da Bahia - UFBA (1998 e 2014, respectivamente), Especialização em Gestão Informatizada em Recursos Hídricos pela UFBA (2001), Mestrado em Geografia pela UFBA (2004) e Doutorado em Arquitetura e Urbanismo pela UFBA (2017). Atua profissionalmente como servidora pública, no cargo de Analista de Reforma e Desenvolvimento Agrário no Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária - INCRA. Participa do grupo de pesquisa GeografAR - A Geografia dos Assentamentos na Área Rural (PósGeo UFBA) e do Grupo de Pesquisa Arqpop (PPGAU UFBA). Faz parte, como colaboradora, do corpo docente da Residência Au+E/ UFBA - Assistência Técnica e Direito à Cidade.
Sumaia Boaventura André Possui graduação em Medicina pela Universidade Federal da Bahia - UFBA (1977), Mestrado em Saúde Comunitária (1982), e Doutorado em Medicina e Saúde (2011), ambos pela UFBA. É Professora Titular do Departamento de Medicina Preventiva e Social, da Faculdade de Medicina da Bahia/Universidade Federal da Bahia. Tem experiência na área de Saúde Coletiva, com ênfase em Politicas de Saúde, atuando principalmente nos seguintes temas: Educação médica, Educação e comunicação em saúde, Planejamento em saúde e Modelos assistenciais, Acidentes.
O texto discorre sobre a técnica construtiva da taipa de mão no Brasil em três distintos segmentos: o pro-cesso histórico, sobre o qual o texto esclarece que a sua origem no Brasil foi proveniente de Portugal através da técnica, com bom acabamento, denominada Tabique e, de países africanos, através da taipa de mão, em versão mais efêmera e rústica, sem maiores acabamentos ou elementos que garantam sua durabilidade ou salubridade, apesar de a terra ser magistralmente utilizada em edificações nesse continente. Desse modo, no período colonial brasileiro, a depender da cultura construtiva local, esta era realizada com primor ou rústica, sendo associada, então, à moradia de pessoas sem recursos. No século XIX, esse aspecto segregador foi ampliado graças ao contexto histórico de valorização da forma de vida européia e desvalorização da cul-tura local, passando a ser mais utilizada nas zonas menos valorizadas das cidades. Entende-se, desse modo, que, as origens do preconceito em relação à taipa de mão remetem à própria participação desta no processo de formação social do país. Atualmente, as edificações resultantes de seu emprego se materializam no ter-ritório nacional em diversos contextos, mas sobretudo, no contexto rural. Seu uso ocorre aí de forma auto-gerida promovendo grande adaptação a diferentes cenários. Esse tipo de moradia é indicativo também de resistência camponesa relacionada à sua permanência no campo, frente ao aspecto da concentração fundi-ária e à consequente inviabilidade de acesso à terra, realidade predominante no Nordeste brasileiro. Esse tema é então discutido no texto, que trata da predominância dessa tipologia em Acampamentos de Traba-lhadores Rurais e da conveniência de sua efemeridade ao ser atribuída à moradia de posseiros de fazendas, justamente para dificultar a aplicação do direito de posse definitiva da terra por usucapião. O segundo seg-mento abordado pelo texto é de grande relevância no combate à precarização da taipa de mão: a questão da doença de Chagas em seu aspecto ambiental. O enfoque segregador da taipa de mão, socialmente for-mado, está associado à visão de que esta técnica de construção é determinante na propagação da doença de Chagas. Entretanto, o texto deixa claro que esta moléstia, na verdade, é um reflexo da forma equivocada com que a população humana explora e ocupa o ambiente, destruindo ecossistemas e determinando a mi-gração de triatomíneos silvestres infectados para as habitações ou o seu peridomicílio. A configuração de vetores domésticos apenas ocorre onde existem condições favoráveis, tais como frestas em paredes de qualquer material, inclusive em bloco cerâmico e em zonas urbanas. As autoras apontam que as ações de melhorias habitacionais podem não ser uma solução decisiva, visto que o controle dirigido ao vetor não é definitivo. O terceiro segmento abordado no texto transcorre sobre políticas públicas brasileiras de habita-ção rural, as quais desprezam qualquer técnica construtiva que não esteja inserida no ciclo de consumo de materiais industrializados. O texto expõe as formas atuais de políticas públicas de habitação rural e se de-bruça sobre as duas mais representativas, PNHR (Programa Nacional de Habitação Rural) e MHCDCh (Me-lhorias Habitacionais para o Controle da Doença de Chagas) - Funasa, ambas ligadas ao Programa Nacional de Desenvolvimento (PAC), constatando que estas servem-se da precarização da taipa de mão e utilizam mecanismos de atrelamento ao uso de materiais construtivos convencionais, impulsionando interesses do mercado da construção civil. Esses programas também não atendem à toda a demanda habitacional vi-gente, além de oferecer programas arquitetônicos muitas vezes inadequados e limitados à adaptação das famílias rurais à sua realidade. Neste sentido, é possível visualizar que o aprimoramento e o conhecimento popular da técnica, pode tornar a taipa de mão um instrumento eficaz para viabilizar moradias de boa qua-lidade a baixo custo e de forma autônoma, trazendo a independência de sujeitos na promoção de uma melhoria de vida, além do uso de materiais menos poluentes e mais acessíveis.
VIEIRA, Carolina Nascimento. Legitimação da precariedade da Taipa de Mão no Brasil por Políticas Públicas de Habitação Rural, entre outros. In: SIACOT, 2018, La Antigua Guatemala. Memorias del 18° SIACOT, 2018. Tema 3 - ARQUITECTURA CONTEMPORÁNEA, Pág. 446 -458.
Eixos de análise abordados:
Saberes tradicionais e espaço arquitetônico
Tecnologia tradicional no território e na edificação: vigências e usos contemporãneos
Dados sobre o autor(es) e obra:
Carolina Nascimento Vieira possui graduação em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade Federal da Bahia – UFBA (1999), especialização em Arquitectura i Sostenibilitat (2007) pela Fundació Politècnica de Catalanya, mestrado em Arquitectura, Energia i Medi Ambient (2009) pela Universitat Politècnica de Catalunya, doutorado em Arquitetura e Urbanismo, linha de pesquisa Ciência e Tecnologia da Conservação e do Restauro, (2017) pela UFBA e pós-doutorado em Clima Urbano pelo Centro Federal de Educação Tecnológica de Minas Gerais. Atualmente é Professora Adjunta (DE), do Núcleo de Tecnologia, Projeto e Planejamento da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal da Bahia e integrante dos grupos de pesquisa de Clima Urbano de Salvador e Arqpop.
Este artigo tem como objetivo resgatar brevemente a origem da taipa de mão no Brasil e sua participação na constituição social do país, demonstrando a formação do preconceito que aflora sobre a mesma. O entendimento da taipa de mão como habitus precário é legitimado até os dias atuais por políticas públicas de habitação de interesse social rural. Esta explanação pretende relacionar a sua precarização à redução do seu uso. Por se tratar de pesquisa que aborda questões de comportamento social, usou-se como base o conceito de habitus fundamentado em autores como Bourdieu e Jessé de Souza. Segundo o texto, essa forma de construir que utiliza a terra foi introduzida no Brasil por Portugal, através de técnica com bom acabamento, denominada Tabique, e por países africanos, através da taipa de mão em versão mais rústica. Atualmente, na zona rural do Nordeste brasileiro, região de maior influência africana, moradias em taipa de mão sem os devidos cuidados técnicos são amplamente utilizadas, acarretando edificações precárias e na consequente redução de seu uso ao longo dos anos, perpetuando o preconceito estabelecido desde a formação social do país, entre o período colonial e o século XIX. No período colonial, a taipa de mão permeava os mais distintos ambientes e classes sociais em diferentes configurações, pois ocorre, na visão de mundo do português, no cruzamento com elementos culturais dos agentes sociais dominados, fazendo surgir uma terceira cultura repleta de influências de povos então considerados inferiores e de seus habitus precarius. No início do século XIX, com a vinda da família real, o estilo de vida europeu passa a receber extrema valorização e esses costumes, alheios à realidade local, se tornam o habitus primário. Este é o momento em que expressivamente é dada a distância social em meio físico, tanto topográfico quanto construtivo, da taipa de mão rústica, que se consolida como habitus precário. O artigo demonstra, então, as relações existentes entre a queda dos números de domicílios construídos com paredes em taipa de mão não revestida nos últimos anos no Brasil e a legitimação, por políticas públicas de habitação rural de interesse social, do preconceito que paira sobre essa técnica construtiva tradicional. Para tanto, através de pesquisa bibliográfica, foram identi-ficados os agentes existentes no cenário social rural brasileiro, especialmente no Nordeste, visando compre-ender a representatividade da taipa de mão rústica no mesmo. Além disso, através do acesso a páginas eletrônicas do Governo Federal ou de instituições específicas, foram investigados o conceito de déficit habi-tacional utilizado nacionalmente e seus números, frente ao objeto de estudo, assim como foram pesquisa-das as diretrizes de dois programas habitacionais de ação no cenário em questão. Os dados dos Censos Demográficos sobre domicílios construídos com paredes em taipa de mão não revestida foram levantados entre 1991 e 2010. Chega-se à conclusão que a inexpressividade de ações informativas governamentais que valorizem técnicas construtivas locais e a atuação de programas habitacionais no meio rural, terminam por fortalecer nos indivíduos uma rejeição à sua tradição construtiva e o desejo de adquirir moradia feita com materiais convencionais. Este fato está relacionado, dentre outras causas, ao desconhecimento do potencial da taipa de mão, ocorrendo uma valorização dos materiais industrializados do mercado da construção civil, os quais são de difícil acesso físico e financeiro para grande parte desta população, que termina por viver em moradias feitas em materiais naturais locais e, conforme tradição construtiva popular, porém de forma inadequada por falta de informação e assistência técnica.
OLIVER, Paul. Built to meet needs: cultural issues in vernacular architecture. Oxford: Architectural Press, 2006. 475 pp.
Eixos de análise abordados:
Conceitos e métodos
Saberes tradicionais e espaço arquitetônico
Tecnologia tradicional no território e na edificação: vigências e usos contemporãneos
Construção autogerida em meio urbano: espaços e técnicas
Território e etnicidade
Dados sobre o autor(es) e obra:
Paul Hereford Oliver nasceu em Nottingham, Inglaterra, em 1927. É historiador da arquitetura e escreve também sobre blues e outras formas de música afro-americana. Foi pesquisador do Oxford Institute for Sustainable Development da Oxford Brooks University e de 1978-1988 e Associated Head of the School of Architecture. É conhecido internacionalmente pelos seus estudos sobre arquitetura vernacular, em especial, como coordenador da Encyclopedia of Vernacular Architecture of the World (1997) e pelo World Atlas of Vernacular Architecture (2005). O livro Built to Meet Needs é uma coletânea, editada pela primeira vez em 2006, que reúne textos, artigos e conferências do autor, elaborados entre os anos de 1980 e 2002.
Sumário obra:
Acknowledgements vii
List of illustrations xi
Introduction xxi
Part I: Defining the field
1 - Why study vernacular architecture? (1978) - 3
2 - The importance of the study of vernacular architecture (1993) - 17
3 - Problems of definition and praxis (1999) - 27
Part II: Cultures and contexts
4 - Learning from Asante (2000) - 47
5 - Cultural traits and environmental contexts: Problems of cultural specificity and cross-cultural comparability (1999) - 55
6 - Huizhou and Herefordshire: A comparative study (2001) - 69
7- Tout confort: Culture and comfort (1986) - 87
Part III: Tradition and transmission
8 - Vernacular know-how (1982) - 109
9- Earth as a building material today (1983) - 129
10 - Handed down architecture: Tradition and transmission (1989) - 143
11- Technology transfer: A vernacular view (2003) - 163
Part IV: Cultures, disasters and dwellings
12 - The cultural context of shelter provision (1978) - 185
13 - Earthen housing and cultures in seismic areas (1984) - 197
14 - Factors affecting the acceptability of resettlement housing (1984) - 223
15 - Rebirth of a Rajput village (1992) - 247
Part V: Conservation and continuity
16 - Conserving the vernacular in developing countries (1986) - 267
17 - Re-presenting and representing the vernacular: The open-air museum (2001) - 287
18 - Perfect and plain: Shaker approaches to design (1990) - 315
Part VI: Suburbs and self-builders
19 - Individualizing Dunroamin (1992) - 333
20 - Round the houses (1983) - 349
21 - Kaluderica: High-grade housing in an illegal settlement (1989) - 365
Part VII: Meeting the challenge of the twenty-first century
22 - Tradition by itself (2000) - 383
23 - Ethics and vernacular architecture (2000) - 395
24 - Necessity and sustainability: The impending crisis (2002) - 411
Conferences and publications - 427
Index - 431
Resumo :
Nesta obra o autor ressalta a grande variedade existente de formas construídas no campo da arquitetura vernacular, em decorrência da diversidade dos ambientes, economias, tecnologias, capacidades herdadas, estruturas familiares e sociais, sistemas simbólicos e de crenças das várias sociedades humanas. Essa variedade expressa também as diferentes demandas e valores inerentes a cada cultura. Este livro é uma reunião de artigos, conferências e estudos feitos por Oliver a partir dos anos de 1980, os quais organiza por temas. A obra, contudo, não é uma tentativa de classificar e descrever em detalhe as formas da arquitetura vernacular em todo o mundo como foi feito na Encyclopidia of Vernacular Architecture of the World, também coordenada pelo autor, ou no seu livro Dwellings: The Vernacular House World-Wide, ambos ainda não editados no Brasil. Alguns capítulos deste livro, contudo, são dedicados a certas idéias introduzidas nesses outros livros e que aqui são mais desenvolvidas. O autor declara na Introdução que o principal objetivo dessa publicação é considerar os fatores culturais que sustentam a arquitetura vernacular. O livro está organizado de acordo com os seguintes temas: 1) “Definindo o campo”, onde estão reunidos textos que tratam de questões conceituais como a definição e aplicação do termo “arquitetura vernacular”; 2) “Culturas e contextos”, onde se relacionam traços culturais e aspectos ambientais com as tradições construtivas; 3) “Tradição e transmissão” onde são trabalhadas questões relacionadas à transmissão e à continuidade das tradições construtivas; 4) “Culturas, desastres e moradias” que comenta as atitudes governamentais e da população sobre a questão da moradia diante e em conseqüência de desastres naturais; 5) “Conservação e continuidade”, que aborda as questões culturais relacionadas à continuidade e à conservação da arquitetura vernacular; 6) “Subúrbios e autoconstrutores” que trata das expressões da arquitetura vernacular constituídas pelas manifestações de individualidade que estão presentes na arquitetura dos subúrbios e nas experiências de autoconstrução; 7) “Enfrentando o desafio do século XXI” onde se identifica o lugar e o papel da arquitetura vernacular nas políticas de diminuição do déficit habitacional e se defende a participação das culturas afetadas por essas políticas. Cada uma dessas partes do livro é composta por textos elaborados em períodos distintos. Todos os textos dessa coletânea são fartamente ilustrados com desenhos e fotografias sobre arquitetura popular em todo o mundo, especialmente na África, Ásia e Europa, mas também na América Latina. Para efeito deste guia de fontes, 12 artigos considerados importantes para a abordagem de questões ligadas aos eixos de pesquisa aqui privilegiados foram fichados de modo independente.
Considerando os eixos da pesquisa que orientam a seleção de obras para o Guia de Fontes sobre Arquitetura Popular foram fichados 13 textos, os quais comporão fichas específicas subordinadas e numeradas a partir desta.
ISBN ou ISSN:
13: 978-0-7506-6657-2 ou 10: 0-7506-6657-9
Autor(es):
Paul Hereford Oliver
Onde encontrar:
Disponível em pdf na Internet, em inglês.
Referência bibliográfica:
OLIVER, Paul. “Technology transfer: A vernacular view”. In: OLIVER, P. Built to meet needs: cultural issues in vernacular architecture. Oxford: Architectural Press, 2006, pp. 163-182.
Eixos de análise abordados:
Conceitos e métodos
Tecnologia tradicional no território e na edificação: vigências e usos contemporãneos
Dados sobre o autor(es) e obra:
Paul Hereford Oliver nasceu em Nottingham, Inglaterra, em 1927. É historiador da arquitetura e escreve também sobre blues e outras formas de música afro-americana. Foi pesquisador do Oxford Institute for Sustainable Development da Oxford Brooks University, de 1978 a 1988, e Associated Head of the School of Architecture. É conhecido internacionalmente pelos seus estudos sobre arquitetura vernacular, em especial, como editor da Encyclopedia of Vernacular Architecture of the World (1997) e pelo World Atlas of Vernacular Architecture (2005). A enciclopédia reúne pesquisas e estudos sobre arquitetura vernacular em todas as regiões do mundo, sendo a principal referência sobre o tema com esta abrangência até o momento. O texto em exame é datado de 1982 e está publicado na coletânea em referência na parte que trata da transmissão das técnicas construtivas tradicionais.
Resumo :
Oliver comenta aqui a transferência de tecnologia para os países em desenvolvimento e questões relacionadas à inovação e à difusão tecnológica. Questiona a necessidade de transferência tecnológica do “ocidente” para esses países e a falta de consideração com as culturas afetadas, ressaltando o quanto a transferência é tributária de relações de poder e dominação. Os principais fenômenos de difusão tecnológica decorreriam de conquistas, colonização e imigração. A circulação de especialistas que difundem detalhes construtivos, ornamentos e formas e a inveja e a admiração por outras culturas também levam à adoção de processos e produtos. Mas a maior parte da transferência tecnológica ou da introdução de inovações se deu historicamente por meio de trocas culturais, contatos e nomadismo. Para o estudo da arquitetura vernacular Oliver considera mais importante, contudo, discutir a difusão tecnológica e a disseminação e assimilação cultural. Ressalta que todas as culturas são híbridas e que a disseminação cultural ou tecnológica é um fenômeno espacial. Mas observa que, por razões culturais ou religiosas, algumas inovações não são incorporadas independentemente do avanço que possam significar. Assim, seria fundamental entender também os processos de assimilação/rejeição de inovações. Para tanto, Oliver menciona a distinção feita pelos antropólogos entre difusão intracultural ou “primária” e difusão intercultural ou entre culturas. Esta última, freqüentemente, carrega uma maior carga de mudança ou transformação e ocorrendo historicamente por meio das rotas, dos vales e pela passagem adiante de objetos, e também de modo territorialmente descontínuo. Já a resistência à inovação pode vir da tradição, mas, em geral, decorre da falha em se adequar aos padrões de utilidade e de comportamento do grupo receptor. Consciência da necessidade, utilidade evidente e melhorada, viabilidade econômica e compatibilidade cultural seriam então os fatores que influenciam a aceitação de inovações, além do desejo de status. Na arquitetura vernacular nenhuma inovação “ocidental” foi mais difundida ou aceita do que a folha metálica galvanizada e corrugada. Mesmo sendo climaticamente desconfortável, é barata, fácil de fixar, mais eficiente do que a palha, protege bem da chuva e vem em tamanhos que se adaptam bem ao tamanho dos cômodos. Juntamente com as latas e tambores de óleo alisadas, são bastante usadas no mundo dos pobres. Oliver não recomenda sua estética, mas acha que esse tipo de reciclagem pode ser melhor do que comprar materiais e equipamentos caros. A difusão intracultural, por sua vez, freqüentemente se irradia a partir de um centro de poder, caindo de intensidade na periferia ou limites externos de uma cultura. Pode também ocorrer entre culturas contíguas onde a língua não é uma barreira e onde circunstâncias sociais e ambientais são compatíveis. Mas as inovações ocorrem mais por intrusão ou intervenção do que por difusão. Podem ter impactos positivos se respeitam as culturas nas quais são introduzidas, suas necessidades, costumes, economia. Oliver ressalta o caráter “ecológico” da maior parte da arquitetura vernacular, mas admite a introdução de novas tecnologias quando recursos esgotados e não renováveis possam ser substituídos por outros e num processo acompanhado por treinamento e transmissão do seu uso na construção, garantindo-se sua sustentabilidade futura.
OLIVER, Paul. “Earth as a building material today”. In: OLIVER, P.Built to meet needs: cultural issues in vernacular architecture. Oxford: Architectural Press, 2006, pp. 129-142.
Eixos de análise abordados:
Tecnologia tradicional no território e na edificação: vigências e usos contemporãneos
Dados sobre o autor(es) e obra:
Paul Hereford Oliver nasceu em Nottingham, Inglaterra, em 1927. É historiador da arquitetura e escreve também sobre blues e outras formas de música afro-americana. Foi pesquisador do Oxford Institute for Sustainable Development da Oxford Brooks University, de 1978 a 1988, e Associated Head of the School of Architecture. É conhecido internacionalmente pelos seus estudos sobre arquitetura vernacular, em especial, como editor da Encyclopedia of Vernacular Architecture of the World (1997) e pelo World Atlas of Vernacular Architecture (2005). A enciclopédia reúne pesquisas e estudos sobre arquitetura vernacular em todas as regiões do mundo, sendo a principal referência sobre o tema com esta abrangência até o momento. O texto em exame é datado de 1982 e está publicado na coletânea em referência na parte que trata da transmissão das técnicas construtivas tradicionais.
Resumo :
Neste texto Oliver defende a importância da construção em terra para os países pobres e ressalta a apropriação estética e ornamental que vem sendo feita dessa arquitetura em contraste com as avaliações de sua fragilidade em face de desastres naturais, especialmente terremotos. Observa que embora a arquitetura de terra seja ainda o principal método construtivo no mundo todo, apesar da presença das técnicas ocidentais de construção, entende que seu abandono e as políticas que a destroem decorrem do baixo status que lhe é conferido e também da exposição de suas fragilidades em contextos de desastres naturais. Seus méritos, contudo, seriam muitos: não tem custo e sua matéria-prima se encontra, em teoria, no sítio da construção; não requer técnicas sofisticadas e equipamentos especiais e emprega mão de obra de modo intenso com treinamento relativamente modesto. Assim, é acessível aos pobres, seu suprimento é vasto e produz um material reciclável. A terra trabalha bem à compressão, mas tem pouca possibilidade de vencer vãos e constituir coberturas. Mas em sociedades que dominam essa técnica, soluções foram encontradas para a construção de domos com adobe, como nos bazares do Irã. Oliver menciona também as técnicas para conferir mais reforço, resistência e flexibilidade, como as que combinam armações de madeira ou de caniço com o barro e as que lhe adicionam esterco, assim como os elementos que conferem durabilidade a essa arquitetura em zonas tropicais como os grandes beirais. O adobe seria o método de construção mais comum, tendo suas raízes na cultura árabe. A terra socada, misturada com pedregulhos e compactada com o uso de uma fôrma de madeira também é citada como outro método muito utilizado e que aparece em países tão distantes como França, Marrocos, Índia, China e Inglaterra, neste último, numa variedade denominada “cob walling”. As propriedades térmicas das construções em terra são ressaltadas, assim como sua adequação aos climas quentes. Sua diversidade de tipos e métodos faz com que sejam as construções mais comuns no mundo todo, estimando-se a existência de milhões. Embora sejam construções arriscadas em áreas sujeitas a terremotos e inundações, Oliver considera possível desenvolver formas de tornar a construção em terra mais segura. Para ele, o principal entrave ao uso mais extensivo dessas construções estaria na mente burocrática dos governantes e na associação dessas técnicas com o subdesenvolvimento. Muitas vezes prefere-se a importação de cimento, aço e outros materiais “modernos”, por questões de imagem e daí a importância de mudar a imagem negativa da casa de terra como forma de assegurar sua continuidade no futuro. Oliver fornece vários exemplos de uso contemporâneo da arquitetura de terra, ressaltando as experiências com adobe realizadas nos EUA e a obra de Hassan Fathy, arquiteto egípcio, que nos anos de 1940 e 50 foi responsável pelo projeto de Nova Gourna – estrutura desenhada para abrigar 900 famílias que usou a construção em terra, promoveu o treinamento de artesãos e o desenvolvimento de habilidades locais.
OLIVER, Paul. “Vernacular know-how”. In: OLIVER, P. Built to meet needs: cultural issues in vernacular architecture. Oxford: Architectural Press, 2006, pp. 109-127.
Eixos de análise abordados:
Conceitos e métodos
Tecnologia tradicional no território e na edificação: vigências e usos contemporãneos
Construção autogerida em meio urbano: espaços e técnicas
Dados sobre o autor(es) e obra:
Paul Hereford Oliver nasceu em Nottingham, Inglaterra, em 1927. É historiador da arquitetura e escreve também sobre blues e outras formas de música afro-americana. Foi pesquisador do Oxford Institute for Sustainable Development da Oxford Brooks University, de 1978 a 1988, e Associated Head of the School of Architecture. É conhecido internacionalmente pelos seus estudos sobre arquitetura vernacular, em especial, como editor da Encyclopedia of Vernacular Architecture of the World (1997) e pelo World Atlas of Vernacular Architecture (2005). A enciclopédia reúne pesquisas e estudos sobre arquitetura vernacular em todas as regiões do mundo, sendo a principal referência sobre o tema com esta abrangência até o momento. O texto em exame é datado de 1982 e está publicado na coletânea em referência na parte que trata da transmissão das técnicas construtivas tradicionais.
Resumo :
O texto aborda o tema das técnicas construtivas e nele Oliver explicita outra definição: “arquitetura vernacular – ou abrigo – engloba todo o campo da construção tribal, folclórica, camponesa, popular e dos setores urbanos informais” (p. 109). Situa a tecnologia vernacular no vasto território cognitivo que inclui a totalidade do conhecimento necessário tanto para a construção e como para o assentamento humano. Inclui os conhecimentos sobre os recursos naturais e materiais, sobre como utilizá-los, cultivá-los ou repô-los, a confecção e a seleção de ferramentas para o trabalho, o que implicaria a produção de métodos, técnicas e o aprendizado de habilidades específicas e especializadas. Embora possa conter processos enriquecedores de especialização, a tecnologia vernacular não é vista pelo autor como uma forma de superar dificuldades, mas como modo de lidar com as dificuldades e limitações com as quais o artesão trabalha. Seriam características dessa construção: o baixo uso de técnicas de conversão de energia e o uso de energia muscular ou muscular assistida. Ressalta que os equipamentos mecânicos usados na construção de palácios e catedrais não foram utilizados na construção doméstica e a que a tração animal, o vento e a água, tradicionalmente utilizados para o transporte de materiais pesados e como fonte de energia para moer grãos, jamais foram usados para objetivos de construção. Atribui esse fato às necessidades mais urgentes de sobrevivência. Observa que a tecnologia vernacular resulta de um processo longo de tentativa e erro, de adaptação aos materiais disponíveis e às condições do ambiente, que sempre chega a uma solução que funciona, ainda que não seja sofisticada ou perfeita. Portanto, tem méritos e falhas. Falhas como a facilidade de apodrecimento e de proliferação de insetos, dentre outras, explicariam, por exemplo, a substituição de coberturas de palha por telhas metálicas corrugadas na arquitetura vernacular, material que já seria característico do “vernacular moderno” na África e na América Latina. Contudo, identifica o uso do concreto armado na construção vernacular como “perigoso”, pois o construtor não dominaria seus princípios construtivos e não poderia se apoiar na tradição de longa duração das técnicas tradicionais. No meio urbano, o vernacular adquiriria um novo know how: ao invés de tirar os materiais de construção da terra e da natureza, retira-o da própria cidade. Para Oliver a arquitetura das barriadas e favelas é um “vernacular emergente” que corresponde à construção de um novo know how adequado ao modo de vida e às condições urbanas. A tecnologia vernacular não seria, portanto, um fenômeno único e deve ser abordada sem preconceitos, segundo a cultura que a produz e utiliza e segundo sua eficiência. Mais do que preservar algo que está desaparecendo, o valor do estudo da arquitetura vernacular estaria na possibilidade de contribuir para a solução do déficit habitacional no mundo, o qual seria impossível resolver apenas com meios “modernos”. Assim, estudar os méritos e as falhas da construção vernacular seria importante para que se possa ampliar o uso dessa tecnologia e realizar de modo consistente e não destrutivo a transferência de know how.
LOPES MARCELO, Manuel Martins. Moinhos da Baságueda – Comunidades rurais: saberes e afectos. 2ed. Coimbra: Alma Azul, 2003.
Eixos de análise abordados:
Tecnologia tradicional no território e na edificação: vigências e usos contemporãneos
Dados sobre o autor(es) e obra:
Manuel Martins Lopes Marcelo (1949), português, licenciou-se em economia pelo Instituto Superior de Economia, de Castelo Branco. Ainda estudante, iniciou em 1970, a atividade de docente no 2º Ciclo quando participou também da Associação Académica e do Centro de Ação Social Universitário, promovendo atividades culturais em bairros desfavorecidos de Lisboa. Em 1983, tornou-se docente na Universidade da Beira Interior até 1985, ano em que iniciou a atividade como Professor convidado nas Escolas Superior Agrária e de Gestão e Educação, que manteve até recentemente. Em 1993, culminando vários anos de estudo e pesquisa na região, publicou o livro Beira Baixa: a memória e o olhar, em que propõe uma revisitação da matriz histórica e cultural de Portugal. A partir de 1994, orientou um projeto cultural visando o estudo e a divulgação da cultura e tecnologia tradicional da moagem, tendo como território de referência, os moinhos da Baságueda, e publicando, em 1999, o livro em exame nesta ficha. Além desta obra, o autor publicou vários outros estudos sobre a cultura rural da região da Beira Baixa.
Tecnologia do Sistema de Moagem: caracterização dos subsistemas
O Engenho e a Arte da Construção do Rodízio
Território de Afectos
Histórias da Sabedoria e Vivência Populares
Actividades Produtivas
Usos, Costumes e Tradições
Da Aldeia ao Moinho
Do Apelo das Raízes aos Desafios da Modernidade
Linguagem Popular Corrente de Uso Local
Glossário de Termos e Expressões Populares Referênciados ao Longo do Texto
Bibliografia
Resumo :
O livro aborda os Moinhos da Ribeira da Baságueda, hoje situados na Reserva Natural de Serra da Malcata, em Portugal, e, conjuntamente, a Vila de Penamacor e a freguesia de Aranhas, ambas do Concelho de Penamacor no distrito de Castelo Branco, de onde provêm os moleiros. Apesar de rica em fotos e desenhos, muito hábeis e precisos, falta uma estrutura sistemática à obra, tanto na apresentação, quanto no foco. Em parte, é um registro etnográfico abrangente que mescla-se com um trabalho etnográfico mais específico, centrado nos Moinhos, os quais ganham uma atenção que nenhum outro tópico possui. E, ainda, surge como um livro de memórias que faz a apologia da vida campestre nessa região. A obra tem início com a enumeração do patrimônio cultural de Penamacor e Aranhas: seus edifícios, indumentária característica e ritos mais importantes. Depois descreve o clima, fauna e flora da região. Carece, contudo, da visão holística que possuem os trabalhos clássicos de Geografia e Antropologia portugueses sobre o assunto. Ao falar da Ribeira da Baságueda e de seus moinhos, o autor apresenta uma visão extremamente acurada desses engenhos de água e de seus subsistemas, bem como dos artesãos responsáveis por sua fabricação e manutenção. Esta parte do livro é ilustrada com desenhos primorosos e farta em fotografias. Segue-se, de modo irregular, a apresentação dos ciclos da vida rural, das crianças e jovens e sua relação com a faina e o mundo natural (os coelhos, as perdizes, as trovoadas, etc.), além de seus brinquedos e folguedos. O autor descreve a atividade agrícola: o plantio, colheita, moagem do grão e preparo do pão; as uvas e o preparo do vinho e aguardentes; o linho; o cultivo da azeitona e o preparo do azeite. Descreve também a atividade pecuária, os cuidados e aspectos alimentares decorrentes da criação suína, assim como a produção e usos do mel. Ademais, trata das caçadas e pescarias e de atividades produtivas como a fabricação de telhas, embora de modo superficial. Aborda, por fim, matizes da religiosidade popular, tais como rezas e curas; a farmacopéia da região; lendas, provérbios e expressões; o cancioneiro e os festejos. Conclui com um histórico de sua própria família nesta região.
MOURA, Armando Reis. Espigueiros de Portugal. Parque Natural da Ria Formosa/Instituto da Conservação da Natureza, 1993.
Eixos de análise abordados:
Saberes tradicionais e espaço arquitetônico
Tecnologia tradicional no território e na edificação: vigências e usos contemporãneos
Dados sobre o autor(es) e obra:
Armando Reis Moura (1931-), português, formado em Ciências Pedagógicas, Ciências Geológicas e Ciências Biológicas, é geólogo e biólogo, além de investigador do patrimônio marítimo. Foi diretor do Departamento de Ciências Biológicas do Instituto de Investigação Científica de Moçambique, e foi professor da Universidade de Aveiro, no Departamento de Biologia. Possui várias obras publicadas sobre fósseis e animais marinhos, e algumas sobre arqueologia naval, embarcações tradicionais e espigueiros.
Informações obtidas na própria obra.
Sumário obra:
Espigueiros
I. Apresentação
II. Prefácio
III. Diretoria
IV. Introdução
V. Panorama bibliográfico
VI. O milho
VII. Definições
VIII. Origens
IX. Evolução dos Espigueiros
X. Estrutura dos Espigueiros
XI. Tipologia dos Espigueiros
XII. Distribuição geográfica dos Espigueiros
XIII. Que futuro?
XIV. Glossário dos Espigueiros
XV. Iconografia
XVI. Bibliografia
XVII. Índice Geográfico do Noroeste de Portugal
XVIII. Índice Iconográfico
XIX. Índice Geral
O Autor
Dados Biográficos
Lista dos Trabalhos
Lista dos Trabalhos
Resumo :
Livro farto em fotos, com glossário minucioso, farta bibliografia e mapa com distribuição dos tipos gerais. Realiza também um panorama bibliográfico, com destaque para autores como Ernesto Veiga de Oliveira e Fernando Galhano. Como tipo geral, o espigueiro é uma construção para armazenamento de grãos que se distribui do Mar Negro à Península Ibérica, em cujo noroeste existe em maior quantidade e diversidade. Sua distribuição apresenta estreita coincidência com a linha de 1000 mm de precipitação anual, que vai de Portugal às Astúrias. Em Portugal, encontram-se nas terras altas do Minho e Douro Litoral, na parte ocidental de Trás-os-Montes e nas Beiras setentrionais e ocidentais. O espigueiro está vinculado à cultura dos cereais – em particular, a do milho – e ao complexo rural, junto com a eira e a sequeira ou alpendre. O ponto de parte é a chegada do milho grosso ou “maiz” em Portugal, entre 1515 e 1525, já presente nos campos do Mondego e, em 1531, em Lamego, no que Orlando Ribeiro chama de “revolução do milho”. O milho maiz substituiu o milho miúdo no Minho, Douro e Beiras, dada a sua maior produtividade e ao uso de sua palha como forragem. Tal mudança implicou em mudanças na quantidade, forma e tipo dos espigueiros. Em Portugal, as propriedades se constituíam de pequenas parcelas, com uso intensivo e regadio, com uma população numerosa e dispersa em aldeias autossuficientes. As casas possuíam anexos ligados à produção de grãos - eira, alpendre, ou sequeiro, e o espigueiro – com a função de secar e guardar o grão como alimento para entressafra e como sementes para o próximo cultivo. Nesse armazenamento, se fazia necessário o combate contra a umidade, problema recorrente na região das culturas de regadio, e contra insetos, aves granívoras e roedores. A sequeira corresponde a uma grande construção de estrutura dispendiosa, junto às eiras, com portadas grandes para abrir em dias de sol, viradas para o Sul, e parte posterior ripada, para circulação de ar. Já o espigueiro, geralmente em forma de paralelepípedo, é uma construção elevada, com pés com mós, ou mesas, para impedir a ascensão de roedores, faces laterais com ripado estreito para impedir a entrada de aves granívoras e garantir ventilação, telhado de duas ou quatro águas e porta instalada no topo. Moura especula sobre suas possíveis origens, sugerindo que vieram de antigos canastros, de “cestaria dura”, feitos de varas de castanheiro, salgueiro e outras plantas, provavelmente já elevados antes da vinda dos Romanos. A primeira representação gráfica de um espigueiro aparece no séc. XIII e a primeira descrição, em castelhano, no final do séc. XVII. Esboça, ainda, uma evolução dos espigueiros galaico-portugueses. Os primeiros seriam grandes cestos, de forma circular, com paredes inclinadas para fora, de cestaria ou cestaria dura, usados desde o neolítico e chegando até nossos dias. Menciona ainda os “cabaços”, de formato oblongo ou retangular, recentemente desaparecidos. A romanização, no séc. II a.C, trouxe cereais mais produtivos de outros recantos do Império e levou ao uso da madeira e a adoção da forma retangular, com exemplares que também sobreviveram. A “petrificação”, ou substituição da madeira pelo granito, é etapa incerta e, atualmente, registram-se espigueiros em tijolo e concreto armado. Em seguida, Moura descreve, em linhas gerais, a estrutura dos espigueiros que é constituída de “assento” e “corpo”. O assento possui: alicerces, ou “socos”, com fundações enterradas ou não; “pés”, para expor ao vento e afastar os grãos da umidade e dos animais, dispostos em pontaletes e pares ou como muros transversais; e “mesas” ou “mós”, respectivamente peças retangulares ou circulares, para bloquear a ascensão de animais. O corpo é composto por: “base”, formada por duas peças de pedra ou madeira, únicas ou ementadas, e “grade” ou “soalho”, também de pedra ou madeira; “esqueleto”, estrutura composta por colunas, prumos, lintéis, padieiras da porta e frechais; “paredes”, que são de pedra, de madeira, em ripados diversos (horizontal, vertical ou oblíquo), ou outros materiais modernos; “portas” e “postigos”; “escoras”; e “telhado”, com duas ou quatro águas, de palha de centeio, telha de todos os tipos ou de pedra que, por sua vez, pode ser lousa, micaxisto, piçarra ou granito. O autor estabelece ainda uma tipologia, dividindo os espigueiros em estreitos, largos, altos, de tijolo e cimento e incorporados. Os espigueiros estreitos, unidirecionais, são divididos naqueles de parede vertical e de parede inclinada, e subdivididos naqueles em pedra, em pedra e madeira ou somente de madeira, com ripado vertical e com ripado horizontal (podendo ter ou não cárpea e guarda-vento). Os espigueiros largos, por sua vez, possuem planta quadrada e, embora com cobertura única, têm dois compartimentos retangulares e corredor central. São também divididos nos de paredes verticais (de pedra e madeira ou exclusivamente de madeira) e nos de paredes inclinadas. Os espigueiros altos, já desaparecidos, se desenvolvem em altura, sobre uma base precária. Cada um desses tipos se desenvolve em outros tipos nomeados a partir de localidades, a exemplo dos de Gondomar, Um aspecto fundamental é que a presença ou ausência de certos materiais não são condicionantes para as escolhas construtivas ou para a adoção dos tipos.
PEREIRA, Benjamim. Sistemas de Serração de Madeiras. Lisboa: INIC – Instituição Nacional de Investigação Científica/ Centro de Estudos de Etnologia, 1990.
Eixos de análise abordados:
Saberes tradicionais e espaço arquitetônico
Tecnologia tradicional no território e na edificação: vigências e usos contemporãneos
Dados sobre o autor(es) e obra:
Benjamim Enes Pereira (1928), antropólogo português, fez parte da equipe fundadora Museu Nacional de Etnologia. Autor de obras indispensáveis ao conhecimento da cultura material tradicional portuguesa, em particular as que resultaram das linhas de investigação do Centro de Estudos de Etnologia e do Museu Nacional de Etnologia, o seu percurso profissional é também marcado pela importância que cedo conferiu ao uso da imagem, fotográfica e em movimento, na documentação das realidades sociais, especialmente com vista ao seu uso em contexto museológico. Dentre suas obras, destaca-se a Bibliografia Analítica da Etnografia Portuguesa, editada em 1965 pelo Instituto de Alta Cultura.
Obra farta em fotos e ilustrações de Fernando Galhano e Manuela Costa que trata das técnicas tradicionais de serração de madeira. Começa-se reconhecendo a proeminência da madeira, como material privilegiado, na História. Entre suas vantagens, assinala-se as grandes dimensões de suas peças, a sua abundância em várias partes do globo, o trabalho (corte, talho, preparo) e o transporte (rolagem e flutuação) fáceis. Assim, era material primordial da era eotécnica, base dos principais instrumentos de caça, da tecnologia agrícola, dos meios de transporte (barcos, trenós e carros), de pontes e fortificações, crucial nos processos mecânicos de transformação – em moinhos e motores, equipamentos têxteis, tornos e prensas – além de seu importante papel no universo ritualístico, na estatuária e em máscaras. Tão versátil que ainda estava presente quando da ascensão da metalurgia, no séc. XIX. Duas seriam as formas de construção em madeira encontradas na Europa. Uma, com estrutura em esqueleto com montantes e traves, onde havia florestas abertas e luminosas de árvores de folhagem na Alemanha, Suíça, França, Inglaterra e sul da Escandinávia. Outra, com paredes autoportantes de toros ou pranchões horizontais, onde havia densas florestas de coníferas como na Rússia, Finlândia, Escandinávia, Europa Central e Alpes. Ao sul da Europa, com árvores mais escassas, apareceria outro tipo de construção. Portugal apresenta três áreas florestais, com predomínio de distintos tipos de árvore. O pinheiro bravo domina no oeste atlântico, em área delimitada ao norte pelo rio Minho e, ao sul, pela embocadura do Sado, avançando para o interior pela vertente ocidental da cadeia montanhosa do centro do país. Árvores de folha caduca, carvalhos e castanheiros, predominam nas terras altas, Serra Minhota, Trás-os-Montes, Beiras Interiores, até as serras de São Mamede, Sintra e Monchique. No Sul, no Alentejo e no sudeste da Beira Baixa, seria a área do Quercus, de folha perene, montados de sobreiro e azinheiro. Tais zonas florestais teriam correspondência arquitetônica. No sul, apelou-se ao emprego de abóbadas e chãos ladrilhados, enquanto nas regiões ricas em madeira, nortenhas, despontou uma arquitetura em madeira, com uso amplo em pavimentos, armação de telhados, portas e janelas. Após uma rápida história das serras a partir da Idade da Pedra, mostrando-se modelos históricos e interpretando-se a iconografia existente, aborda-se a situação em Portugal. As Grandes Navegações foram a grande demanda que definiram a serração no país, inclusive com políticas reais para fornecimento e trato da madeira. Para abastecimento dos estaleiros, recorreu-se, principalmente, aos Pinhais de Leiria, grande mata nacional cuja serração atraiu e fixou gente, propiciando mesmo sua especialização nessa tarefa. O transporte da madeira se dava em geral pelos rios, mas também em, alguma medida, por meio de carros de bois. Em seguida, e este é o cerne da obra, descreve-se as três formas de serração tradicional: braçal, hidráulica e eólica. A serração braçal era preponderante até a aparição das serras em fita de efeito contínuo, dada a fragilidade dos sistemas mecânicos tradicionais e as limitações da rede viária. Executava-se por pares de indivíduos – unidade laboral chamada “serra” – que se embrenhava nas florestas, em trabalho itinerante e imprevisível, vivendo temporariamente em abrigos elementares, de costaneiras e ramos de árvores. O trabalho se desempenhava no local da derrubada, com corte em toras, descascamento e alinhamento, necessitando de sincronia, força e experiência, onde o papel de comando era, também, o de maior esforço. Os engenhos de serração hidráulica, por sua vez, aparecem em documentos do início do séc. XV, com rápida difusão, propagando-se para as ilhas atlânticas, em especial o arquipélago da Madeira, que tinham abundância de madeiras boas e de veios d´água aproveitáveis. Estão especialmente localizados entre os rios Douro e Minho, no Noroeste do país – dotado de excepcional rede hidrográfica e intensas manchas de arvoredo junto de rios ou ribeiros. Com frequência, ficavam ao lado da casa do proprietário, em geral, numa construção em pedra, de planta triangular, com rodas alimentadas por desvios dos rios ou por meio de açudes. Estas construções são pequenas, ao alcance de qualquer um, com maquinário elementar e de fácil construção. O modelo de organização do empreendimento é simples, onde um só indivíduo podia mantê-lo operando. Com produção de baixo nível econômico, não há sucesso da técnica em quadro de exploração capitalista. Ao contrário, é empregada em exploração do tipo familiar, com pluriemprego, sempre subsidiária de outras operações, como instalações de moagem, e com emprego de pouco capital. Seu manuseio é realizado pelo proprietário ou criado e, em alguns casos, por diaristas. Quanto aos engenhos de serração eólica, há menção a um exemplar apenas, montado por técnicos holandeses no tempo de D. João V, sem muita informação a respeito do exemplar, embora com registros que dão conta de uma estrutura técnica e administrativa complexa. A coexistência de tais sistemas nem sempre foi pacífica. Ao contrário, as medidas legais se davam sempre em detrimento da serração braçal, com proteção às serrações mecânicas. Apesar da chegada tardia em Portugal, a serração mecânica industrial foi responsável pela extinção dos sistemas tradicionais.
DIAS, Jorge e GALHANO, Fernando. Aparelhos de Elevar a Água de Rega – contribuição para o estudo do regadio em Portugal. Lisboa: Publicações Dom Quixote, 1986.
Eixos de análise abordados:
Saberes tradicionais e espaço arquitetônico
Tecnologia tradicional no território e na edificação: vigências e usos contemporãneos
Dados sobre o autor(es) e obra:
Fernando Galhano (1904-1995) foi etnógrafo, desenhista e pintor português, além de um dos fundadores do Museu de Etnologia de Lisboa. Em colaboração com Jorge Dias, Ernesto Veiga de Oliveira, Benjamim Pereira e outros, participou em diversos trabalhos sobre arquitetura popular, alfaia agrícola, sistemas de transporte, cestaria, olaria, tecnologia têxtil, sistemas de moagem e pesca.
António Jorge Dias (1907-1973), etnólogo português, realizou seu doutorado na Universidade de Munique. Foi professor catedrático do Instituto Superior de Ciências Sociais de Lisboa, e diretor da secção de etnografia do Centro de Estudos de Etnologia Peninsular. Notabilizou-se por trabalhos na área de Antropologia Cultural que partem da integração da vida material e espiritual, enquadrada no seu meio natural e cultural.
A obra em exame foi publicada pela primeira vez em 1953, pela Junta de Província do Douro-Litoral, cidade do Porto.
Portugal, como o restante do sul da Europa, embora na faixa seca do planeta e sob a influência desértica do Saara, tem tal aridez mitigada pela grande superfície de evaporação do Mediterrâneo. Ainda que Portugal situe-se na área úmida da Península Ibérica, pela ação dos ventos atlânticos, possui verões com condições climáticas mediterrâneas. Nesse país, até 10% do território é irrigado, sem grandes obras, a partir da iniciativa particular, com pequenas nascentes ou poços e, nelas, alguns sistemas de distribuição de águas comuns por meio de velhas organizações comunitárias. A presença maior é na área mais chuvosa do país, o Noroeste, onde há condições para ação individual. São, portanto, as técnicas de irrigação ou “rega” de Portugal que este livro pretende estudar, com fartura de fotos e desenhos ilustrativos dos maquinismos, além de mapas que indicam os casos e sua distribuição. Distingue-se, inicialmente, os perfis gerais das formas de rega. Há as “águas de lima”, onde se mantém uma película permanente de água para irrigar e evitar os danos das geadas. Há a “rega pelo pé”, com valas abertas a enxada, no momento da irrigação, com água vinda de ribeiros ou represas. E, por fim, a “rega à manta”, com a água alastrando-se naturalmente pelo terreno. A rega se divide ainda naquelas de “abundância”, onde se reforçam os agentes naturais metereológicos, como no cultivo europeu dos fenos, e as de “carência”, que visam captar e reter as águas para regar hortas, pomares e campos no verão e são comuns na bacia do Mediterrâneo e no Oriente. O regadio sem aparelhos é a forma mais antiga, aproveitando nascentes naturais. Com água pouco abundante, usam-se pequenas represas, de pedra ou mesmo terra, abertas uma vez alcançado o volume. Nas ilhas de Madeira aparece um sistema de rega de magnitude excepcional, com canais de pedra, as levadas, e, nestas, aquelas de uso comunitário – as levadas do povo – controladas pelo juiz de levada. Este é análogo a outras figuras semelhantes em Portugal que derivam de formas de gestão coletiva originárias do idiossincrático direito consuetudinário sobre o uso das águas de cada comunidade. As barragens do Alentejo usam os mesmos princípios da rega nortista, com maior arrojo nas construções, já que, se no norte havia nascentes naturais ou de mina pelos solos graníticos, no sul não ocorre isso e as chuvas são mais escassas, captadas no inverno para abastecer no verão. Na captura das águas com uso de aparelhos, há a diferença de sua força motriz por meio de agentes naturais, animais e homens. Nos aparelhos movidos por agentes naturais, lança-se mão do vento e da própria água. O aproveitamento do vento se dá por moinhos, com maior concentração no sul de Portugal – com uso de barrotes para captar o vento, com ou sem velas, com ou sem pás de madeira. Menos eficiente do que as noras, são porém mais baratos. O aproveitamento da água se dá, em sua maioria, por “rodas hidráulicas”, onde a mesma água que irriga os campos é a que movimenta o aparelho. De maior freqüência ao norte, em alguns casos, se canaliza a água que alimenta a roda por “calhões” e “sobrecalhões”. As rodas hidráulicas são descritas exaustivamente, por tipos de rodas e seus alcatruzes. Outros aparelhos que usam a água como força motriz são os “engenhos de copos” e os “estanca-rios”. Entre os aparelhos movidos por animais, os autores identificam quatro tipos: “noras de alcatruzes, noras de sarilhos, rodas de alcatruzes e engenhos de bucha”. Identificam, ainda, sucessivos tipos e subtipos, considerando o material, o tipo de eixo e outros pormenores. Observam ainda sobre as adaptações, a construção e o reparo dos engenhos, as formas modernas de ferro fundido e os abrigos feitos para proteger os maquinismos, em geral telheiros. Os aparelhos movidos pelo homem são mais diversos, empregados em pequenas áreas – hortas e pequenos campos – ou em lugares carentes de agentes naturais e animais. Os tipos são muito variados: “noras de copos manuais, engenhos de buchas manuais, roldanas, sarilhos, picotas ou cegonhas, bombas de rebiço, bombas de tear, rodas de tirar água, rodas de ferro, pontarias de pé, cegonhos, e ainda cabaços, garabatos e cestos de vime”. A obra não se propõe a ser um inventário sistemático de tais técnicas em Portugal, mas há a preocupação, recorrente nesse tipo de estudo antropológico, de assinalar a distribuição das técnicas ao longo do país e, por meio de pesquisa bibliográfica, inferir a origem de cada modalidade técnica, com maior ou menor êxito em cada caso.