WEIMER, Günter. Arquitetura indígena: sua evolução desde suas origens asiáticas. Porto Alegre: Edigal, 2018.
Eixos de análise abordados:
Conceitos e métodos
Saberes tradicionais e espaço arquitetônico
Território e etnicidade
Dados sobre o autor(es) e obra:
Gunter Weimer é arquiteto e urbanista graduado pela Universidade federal do Rio Grande do Sul (1963), possui mestrado em História da Cultura pela PUCRS (1981) e doutorado em Arquitetura e Urbanismo pela USP (1990). Atua como professor convidado do Programa de pós-graduação em Urbanismo da FAU-UFRGS e tem experiência nos temas da arquitetura popular, história da arquitetura, imigração alemã, açorianos no Brasil e Rio Grande do Sul. Possui uma vasta obra publicada, com mais de 40 livros escritos, organizados ou editados por ele.
Informações obtidas em: http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.do?id=K4783309U4
Sumário obra:
INTRODUÇÃO
OS INDÍGENAS E A AMÉRICA
A ORIGEM DA ARQUITETURA
UM PROBLEMA E SUA SURPREENDENTE SOLUÇÃO
A RÚSSIA ASIÁTICA
OS INDÍGENAS NORTE E CENTRO-AMERICANOS
OS INDÍGENAS SUL-AMERICANOS
ESTRATÉGIAS DE SOBREVIVÊNCIA
CONCLUSÕES
BIBLIOGRAFIA
CRÉDITOS
GLOSSÁRIO DE TERMOS INDÍGENAS UTILIZADOS NA ARQUITETURA DO BRASIL
Resumo :
Esta obra tem como objetivo investigar as possíveis origens da arquitetura indígena e suas evoluções até os dias atuais, desde o sudeste do continente asiático até o extremo sul do continente americano. Como metodologia, Weimer propõe a comparação entre diversas tipologias arquitetônicas, com o intuito de estabelecer graus de parentesco entre elas e verificar a existência de uma origem comum. Esta ficha focaliza os capítulos três e seis da obra, pois são os de maior interesse para o campo da arquitetura popular na América do Sul. No capítulo 3, Weimer defende a tese de que a arquitetura subterrânea dos buracos de bugre existentes no Brasil (habitações indígenas escavadas no solo pelo povo caingangue, no período pré-colombiano) são resultado da migração de uma tipologia arquitetônica desde o norte do Japão e extremo leste da Rússia até o sul do continente americano. As habitações denominadas de buracos de bugre eram compostas por um buraco cilíndrico maior e uma série de buracos menores próximos a ele. Os maiores apresentavam uma profundidade variável, entre um e dois metros, e um diâmetro entre 10 e 20 metros. Já os buracos menores apresentavam uma profundidade entre 30 centímetros e um metro e diâmetro em torno de três metros, além de apresentarem um formato semelhante a uma calota esférica. O autor considera que o uso da terra como material de construção, por sua capacidade de isolamento térmico e como solução para problemas impostos pelo meio, seria um indicativo de que essa tipologia seria originária de locais frios. Em sua pesquisa, Weimer encontrou tipologias adotadas pelo povo aino do Japão e Rússia muito semelhantes às utilizadas pelos caingangues. Propõe então que a migração deste povo asiático para o continente americano, em direção a latitudes cada vez mais baixas, provocou alterações significativas na sua arquitetura, como a gradativa diminuição da profundidade nas escavações e a diminuição ou supressão das camadas de terra que compunham a cobertura. No capítulo seis, Weimer analisa as tipologias arquitetônicas dos grandes grupos linguísticos existentes na América do Sul (aruaque, caribe, macro-jê, pano, quíchua, tucano e tupi-guarani) e de grupos menores, buscando relacioná-las com outras culturas (americanas ou asiáticas). O autor também descreve os contextos histórico, geográfico e linguístico de cada um dos grupos e o capítulo é ricamente ilustrado com desenhos seus. Descreveremos a seguir as tipologias dos grupos que habitam o Brasil. A tipologia mais recorrente entre os aruaques é a casa comunal, contudo, a amplitude da ocupação destes povos ocasionou uma grande variedade de partidos adotados, tanto pela diversidade dos ambientes onde se estabeleceram, quanto pela influência de culturas vizinhas. Os vapixarás, também aruaques, por exemplo, habitam aldeias organizadas por diversas casas de clãs dispostas em torno de um pátio circular. As habitações têm planta-baixa em formato elíptico com paredes contínuas totalmente fechadas (exceto por uma única abertura central), sustentando uma cobertura cônica. Os caribes, por sua vez, são o povo com o qual os conquistadores europeus estabeleceram seus primeiros contatos e a diversidade dos ambientes onde se instalaram proporcionou uma variedade de tipologias arquitetônicas, sendo as mais recorrentes: a cúpula apontada com um mastro central , a tenda cônica e a habitação de planta retangular, com telhado de duas águas. Segundo Weimer, as cúpulas e as tendas cônicas são uma herança dos indígenas norte-americanos. Essas construções poderiam ser abertas ou fechadas em sua base, com abertura possibilitada pela elevação da cobertura sobre pilares. No caso dos macuxis, subgrupo caribe, eram adotadas duas tipologias: uma tenda cônica elevada sobre uma parede contínua fechada exceto por uma única abertura, destinada ao pernoite, e uma edificação com cobertura de duas águas e planta retangular sem paredes, destinada às atividades diárias. Os macro-jês são um grupo que, em razão da vastidão da área que ocupam, podem ser divididos em setentrionais, centrais e meridionais e, antes da era cristã, chegaram a ocupar metade do território brasileiro. Weimer identifica três tipologias arquitetônicas básicas neste grupo: cúpulas, cones e prismas de base triangular deitados sobre um dos lados. Um dos exemplos analisados pelo autor é o dos xavantes, que viviam em aldeia com um número de casas entre 20 e 30, dispostas em uma forma de ferradura voltada para o rio. As habitações tinham forma de prisma de base triangular deitado sobre um dos lados, com um dos frontões fechado e o outro totalmente aberto. A cobertura de folhas de palmeira era de duas águas, que se apoiavam diretamente sobre o chão, com cumeeira sustentada por dois esteios. As casas xavantes eram implantadas em uma faixa “limpa” e a praça formada pela disposição das casas era coberta com vegetação rasteira. Os carajás, outro povo macro-jê, habitavam aldeias formadas por duas fileiras paralelas de casas, cujas portas permaneciam voltadas para o rio, independentemente das suas posições. Uma “rua” intermediava as duas fileiras e era coberta por vegetação rasteira. As moradias tradicionais dos carajás tinham forma de arco apontado e sua estrutura interna contemplava uma fileira de esteios centrais que sustentavam a cumeeira e esteios secundários para auxiliar no apoio das terças. A cobertura era feita com folhas de buriti e a habitação era fechada, exceto por duas portas localizadas em cada uma das laterais. As aldeias bororos são organizadas em formato circular, com as habitações dispostas ao redor de uma praça central sem vegetação, onde estava edificada uma cabana de dimensões maiores (a “casa dos homens”), destinada à reunião e à realização de cerimônias tribais. As habitações tinham forma de cone ou de prisma triangular deitado sobre um dos lados e a cobertura era feita com palha de palmeira. Os panos, tendo como um de seus exemplos a tribo dos marubos, habitavam uma “casa-aldeia” ou casa comunal, implantada em um terreno limpo e em torno da qual se desenvolviam todas as estruturas da aldeia. A habitação possuía o formato aproximado de um decágono irregular alongado e nela ocorriam as atividades domésticas, os cultos xamânicos, a guarda de alimentos e as demais atividades cerimoniais. Internamente, a casa-aldeia é composta por um espaço central retangular delimitado por oito esteios e destinado aos rituais da tribo, envolto por uma estrutura de 16 esteios menores que apoiam os caibros da cobertura, feita de folhas de jarina. Os “deambulatórios” longitudinais são destinados ao dormitório e a casa é quase toda fechada, exceto por duas portas localizadas em cada uma das extremidades destinadas aos distintos gêneros. A casa-aldeia ocupa o centro de um pátio oval, em cuja periferia estão dispostos diversos jiraus sobre palafitas (usados como depósitos e locais de trabalho), circundados por roças e, por fim, pela floresta. Os tucanos também habitavam, tradicionalmente, casas comunais, embora estas tenham sido substituídas por habitações unifamiliares durante sua catequese. A casa-aldeia tinha a forma (em planta-baixa) de um retângulo somado a um semicírculo em um de seus lados menores. A fachada principal (correspondente ao lado menor do retângulo) ficava voltada para o rio e tinha uma porta principal junto à qual ficava o espaço dos homens. Na extremidade oposta (a semicircular) havia outra porta junto à qual ficava o espaço das mulheres. Três pares de esteios centrais delimitavam um espaço retangular de uso comum (passagem, trabalho, rituais) e o dormitório das famílias ficava nas “naves laterais” sob a parte baixa do telhado. A cobertura, por sua vez, era de duas águas de inclinação acentuada e com beirais. Já entre os tupis-guaranis, a tipologia habitacional mais recorrente era a casa multifamiliar para um clã inteiro (maloca) de planta retangular, dividida internamente em quadrados ou retângulos de quatro a seis metros de lado (ocas) que abrigavam uma família nuclear. Uma fileira de esteios centrais sustentava a cumeeira e duas outras laterais sustentavam as terças sobre as quais se vergavam caibros. Estes, por sua vez, eram fincados no chão e amarrados na cumeeira com cipós. Mãos francesas apoiadas nas bases dos esteios ou vigas horizontais contraventavam as terças, e a cobertura era vedada com capim, junco ou folha de palmeira. As habitações adotavam um partido fechado, com aberturas mínimas no topo do teto (ventilação por exaustão) e, geralmente, duas portas pequenas e baixas. A dos homens voltada para a praça central, e a das mulheres, para os fundos da aldeia. Esta, em geral, era formada por uma praça quadrada com malocas ocupando cada um de seus lados em disposição ortogonal. A praça era um espaço preferencialmente masculino e local das cerimônias tribais. Weimer propõe analisar os grupos com menores números de indivíduos a partir das regiões culturais estabelecidas: a costa noroeste, os Andes setentrionais, a costa norte, o Planalto das Guianas, a Planície Amazônica, o Planalto Brasileiro, o Chaco, a Planície pampeana, os Andes meridionais e o extremo sul. Nesta ficha, analisaremos apenas as regiões que incluem povos brasileiros em seus exemplos. O Planalto das Guianas é ocupado por povos caribe, aruaque e isolados, com maior incidência dos ianomâmi. A tipologia habitacional soberana é a casa-aldeia com planta poligonal de múltiplos lados, de maneira a se assemelhar a um formato circular. Cada lado do polígono, no interior, corresponde ao espaço de uma família nuclear. A estrutura é composta por paredes externas de aproximadamente um metro e meio de altura que sustentam uma cobertura cônica aberta no centro, criando um pátio central aberto no interior da edificação. A Planície Amazônica é a maior região cultural e a que recebeu a menor influência dos conquistadores europeus. A cultura hegemônica é a tupi-guarani, seguida por aruaques e caribes. Um dos grupos exemplificados por Weimer é o dos vitotos, cuja habitação tradicional é uma casa comunitária de grandes dimensões e planta-baixa ortogonal. Em seu centro, um quadrado era delimitado por quatro esteios e neste espaço ocorriam as cerimônias e rituais. Sobre estes esteios centrais, se apoiava um telhado de duas águas, cujo frontão poderia ser levemente vazado ou totalmente devassado. Em torno desta área, estavam dispostos os espaços de moradia das famílias nucleares, cobertos por águas retangulares e triangulares. No Planalto Brasileiro, a cultura hegemônica era a macro-jê. Um dos povos representativos desta região, os tupari, habitavam casas de planta circular e cobertura abobadada, com um esteio central que se sobressaía no topo e sobre o qual se envergavam caibros que na outra extremidade eram fincados no chão. A aldeia tupari era composta por duas habitações desse tipo, de tamanhos distintos (já que este dependia do número de famílias nucleares abrigadas) em torno de uma praça. Junto a ela, ficava um depósito de mantimentos e um galinheiro. Sobre os povos isolados, Weimer apresenta desenhos de algumas tipologias, mas discorre pouco sobre elas e sobre as culturas destes povos, já que eles se distanciaram muito da sociedade neobrasileira. O autor questiona se as semelhanças entre tipologias de diferentes localidades e grupos étnicos seriam meras soluções a questões funcionais impostas pelo meio, ou se seriam resultado de uma tradição milenar que se conservou em meio à dispersão dos grupos em suas rotas migratórias pelo continente americano, hipótese da qual é adepto.
Neste artigo, Arecchi aborda as perspectivas e ambiguidades que tangem o processo de autoconstrução em países em desenvolvimento no continente africano, focalizando a Argélia. O autor avalia a forma com a qual este processo construtivo têm sido organizado, sendo uma alternativa eficiente e viável na busca pela independência econômica e social de países em desenvolvimento, mas que precisa ser implementado de forma cuidadosa no que diz respeito às políticas públicas, à participação de empresas e organismos internacionais e de técnicos, de modo que a autoconstrução não gere um ciclo de dependência econômica e tecnológica destas comunidades em relação a outrem. Em sociedades ocidentais hiperindustrializadas, a autoconstrução e a bricolagem representam uma alternativa em direção à autossuficiência que permite ao homem controlar seu próprio ambiente construído. Contudo, em países como a Algéria, que ainda não se encontram em um estágio avançado de industrialização, a autoconstrução é muitas vezes vista como um sintoma tradicional de pobreza e a sua proposta como processo construtivo pode soar neocolonialista e antagonista da modernização. Arecchi defende que a autoconstrução é uma maneira de desenvolver consciência e ajuda mútua em uma comunidade, embora, muitas vezes, no continente africano seja difícil de se obter coesão popular devido às diferenças étnicas, religiosas e culturais existentes entre a população. A ajuda mútua, contudo, pode ser observada a partir de três origens distintas descritas pelo autor: a coesão popular atingida mediante oposição comum à opressão de um poder já estabelecido; a participação popular guiada e organizada por empresas e organismos internacionais ou cooperações bilaterais; a proposta governamental de regimes progressistas que veem na autoconstrução e na autossuficiência produtiva uma forma de se atingir o desenvolvimento nacional. Este último, contudo, pode fazer a população se sentir forçada a aceder à autoconstrução ao invés de haver de fato uma mobilização popular em prol de um interesse comum, o que é danoso para a sua implementação enquanto programa governamental. Arecchi defende que a autoconstrução enquanto política deve ser avaliada no que tange seus benefícios sociais e econômicos a partir da consideração da vida do camponês (e sua capacidade de dedicar tempo e força produtiva para trabalhar também em sua própria casa), e a possibilidade de gerar emprego especializado e fonte de renda. Desta maneira, a ampla mobilização social em projetos de autoconstrução promove benefícios sociais e econômicos, com formas de envolvimento e cooperação variadas, sem constituir de mais um fator de exploração das capacidades produtivas da população através de trabalho gratuito e não especializado. O autor também coloca em pauta a relação entre o uso de materiais locais e a autoconstrução, suas conotações e possibilidades tecnológicas. Arecchi defende que o estudo das tecnologias tradicionais permite que a autoconstrução assistida obtenha resultados eficientes que não poderiam ser atingidos pelo que foi chamado de autoconstrução de subsistência. Além disso, o aperfeiçoamento de técnicas tradicionais e materiais que podem ser obtidos no local evita o gasto com a importação de materiais e equipamentos de construção civil de outros países. Contudo, a crença coletiva de que o progresso advém da industrialização (e o consequente status econômico e social desta escolha) impulsiona a preferência pela importação de materiais e técnicas em detrimento das soluções tradicionais. No processo de autoconstrução assistida, uma das maiores dificuldades existentes está na mudança da relação entre técnico e usuário e na adoção de uma linguagem pelos primeiros que possa ser facilmente compreendida e internalizada pelos últimos. Além disso, os projetos devem ser adaptados às condições locais de modo que seja possível a sua administração e manutenção com o mínimo de importações possível, através da capacitação de artesãos e técnicos que saibam aplicar e difundir melhorias tecnológicas. Este sistema de produção local que abrange a elaboração do projeto, o uso de equipamentos, materiais e mão de obra local faz com que o país tenha certa independência dos demais em níveis tecnológicos, sociais e econômicos, além de permitir que as comunidades dominem o processo de produção de seus próprios habitats, o que potencializa o desenvolvimento social do país.
JORGE, Pedro Fonseca. A Arquitetura Popular como Transição entre o Vernáculo e o Erudito – uma tentativa de definição dos diferentes contextos arquitetônicos de raiz não-erudita. In: Actas do 1º Colóquio Internacional de Arquitectura Popular. Arcos de Valdevez: Casa das Artes de Arcos de Valdevez – Município de Arcos de Valdevez, 2013.
Eixos de análise abordados:
Conceitos e métodos
Saberes tradicionais e espaço arquitetônico
Território e etnicidade
Dados sobre o autor(es) e obra:
Pedro Fonseca Jorge é arquiteto, com graduação em 2001 e doutorado em 2012 pela Faculdade de Arquitetura da Universidade do Porto. Foi professor da Escola Superior Gallaecia, de 2012 a 2014, e é atualmente pesquisador da área de Arquitetura e Urbanismo Populares/Rurais no CES – Centro de Estudos Sociais, laboratório associado à Universidade de Coimbra, com o tema “Fenômenos de transformação da arquitetura popular”. O texto analisado foi apresentado no colóquio que consta da referência bibliográfica.
O autor menciona a idealização da arquitetura real a partir do Inquérito à Arquitectura Regional, publicado em 1961 com título Arquitectura Popular em Portugal. Em especial, quanto à arquitetura “não contaminada” por influências externas. A arquitetura contaminada não pertenceria nem à Arquitetura Erudita, nem à Arquitetura Sem Arquitetos. Muitos dos tipos caracterizados no Inquérito não se encontram mais na paisagem edificada portuguesa. O pressuposto se cumpriu – era um legado arquitetônico em extinção. O autor confronta os dados do Inquérito em Alcobaça, em 1961, período daquela investigação. Na região estudada, encontrou-se um tipo específico de habitação unifamiliar rural, constituído por caixa retangular, com cobertura de duas águas, orientada para a estrada, com uma entrada axial ladeada por duas janelas simétricas. No licenciamento feito nesta área à mesma época, porém, apareceram dois tipos: a casa simétrica e outro diametralmente oposto, implantado perpendicularmente à estrada, com o plano de uma das janelas mais avançado, cobertura orientada para os lados e um corredor longitudinal distribuindo cômodos de dimensões diferentes. A área e a posição dos cômodos revelam o que era quarto, sala, cozinha, etc. Estas obras licenciadas não são eruditas, pois não nascem da reflexão sobre o habitar e a forma em um “contexto acadêmico e prático”. São a apropriação e adaptação de outros modelos, talvez de origem erudita, a hábitos e modos de vida rurais. A ausência deles no Inquérito se deu por dois motivos. Um, relaciona-se ao fato de que a investigação objetivara registrar o que estava em desaparição, o que não era o caso dos tipos identificados no licenciamento. Dois, que eram consideradas malfeitorias, importação de uma arquitetura citadina, não adequadas ao local, que não se coadunavam com a imagem pretendida pelos arquitetos modernistas. A sua existência exige categorias conceituais que as definam, visto não se encaixar com facilidade nem na definição de erudito, nem na de popular. Se a arquitetura moderna (erudita) buscou se alimentar da popular, caberia o percurso contrário de uma arquitetura popular que se alimente da erudita. O autor acredita encontrar uma saída com o conceito de vernacular – relativo a construções identificadas com um local específico – e na investigação sobre como funciona a tradição na arquitetura. O tipo arquitetônico é de evolução ou sucessão lenta. As atualizações são diminutas, porém inexoráveis, fruto da experiência e da prática. A restrição da circulação de informação em uma zona específica, contribui para a quase permanência do tipo. A tradição não é a imutabilidade, mas a mudança sem radicalismo. O espaço físico e intelectual onde é produzida é limitado, sem uma cisão evidente. Os novos tipos que surgem são, assim, incorporados aos valores vigentes, e os valores do tipo anterior que permanecem são aqueles que ainda são pertinentes.
JORGE, Pedro Fonseca. A arquitetura popular como transição entre o vernâculo e o erudito: uma tentativa de definição dos diferentes contextos arquitetónicos de raiz não-erudita. Actas do 1º Colóquio Internacional Arquitectura Popular, Arcos de Valdevez Portugal, 2016.
Eixos de análise abordados:
Conceitos e métodos
Saberes tradicionais e espaço arquitetônico
Dados sobre o autor(es) e obra:
Pedro Fonseca Jorge é formado em Arquitetura pela FAUP, (Faculdade de Arquitetura da Universidade do Porto), onde concluiu igualmente o Mestrado em Intervenção em Patrimônio e o Doutoramento em Habitação. Colaborou no Gabinete do Arquiteto Francisco Barata Fernandes e participou na execução dos projetos urbanos para o Porto 2001. Possui atelier desde 2001, por meio do qual realizou diversos projetos de habitação, serviços e recuperações. Escreve e publica regularmente sobre os temas do habitar e da recuperação arquitetônica.
Informações obtidas em: http://www.pedrofonsecajorge.com/bio/
Sumário obra:
Não se aplica
Resumo :
O artigo propõe uma definição dos termos arquitetura vernacular e arquitetura popular, de modo a lhes atribuir significado e desmitificar a ideia de verossimilhança entre eles. A arquitetura vernacular, segundo o autor, seria aquela que se limita a um local específico, não seria contaminada por influências externas e, claramente, se compatibilizaria com os fatores geográficos e físicos locais, e com o seu contexto sociológico. Logo, fica claro que a arquitetura vernacular possuiria um tipo arquitetônico único para cada ambiente e que proviria da tradição e da cultura de um grupo restrito. Esta arquitetura implicaria o uso de materiais de construção disponíveis no local e passíveis de adequar-se a agentes físicos atuantes na região. A arquitetura vernacular apresentaria, ainda, a característica de permanência do seu tipo arquitetônico, possuindo uma evolução tardia ou uma lenta sucessão do seu tipo, o que, praticamente, excluiria a expansão de suas técnicas e conhecimentos para além de suas fronteiras, bem como, a possibilidade de importação de novas técnicas. O tipo arquitetônico vernacular seria sempre estabelecido a partir de tradições ligadas a memórias romantizadas de um passado, próximo ou longíquo. Este tipo pode, segundo o autor, admitir mudanças, geralmente associadas a uma necessidade da população, mas essas mudanças não ocorreriam de maneira brusca, pois se trata de um ambiente de espaço físico e intelectual delimitado. Por vezes são atribuídos à arquitetura vernacular alguns falsos parâmetros, segundo o autor, sendo o primeiro a noção de primitivo e o segundo é a de ruralidade. Criar-se-ia, assim, a imagem de que a Arquitetura Vernacular é primitiva, em virtude da sua associação à tradição, contudo, a tradição admite evolução, ainda que lenta, porém que não equivaleria a uma estagnação. A ruralidade também seria, segundo Jorge, frequentemente associada à arquitetura vernacular, e isto se deveria à maior facilidade de se identificar um tipo arquitetônico bem definido no meio rural, no qual a sua evolução é gradual e sutil. Já na cidade, local de intensas trocas e de uma intensa comunicação, tornar-se-ia difícil o estabelecimento de um tipo arquitetônico dessa natureza. A arquitetura popular, por sua vez, seria aquela construída pelo povo, para o povo, construída, democraticamente, segundo o gosto do povo, dependente de uma escolha e realizada sem que haja a oposição de terceiros. Aquela, em suma, que herda sinais exteriores da cultura onde é gerada. Diferentemente, da arquitetura vernacular, a arquitetura popular não se baseia na tradição, não seria passível de ser identificada por uma fonte única ou por um período específico. Seria uma arquitetura que pode utilizar-se de “modas” ou tendências passageiras trazidas pela arquitetura erudita, ou seja, pela arquitetura moderna e contemporânea que se utiliza de características em vigor e de estrangeirismos, nascida de uma reflexão sobre o habitar e sobre a forma num contexto acadêmico e prático. A arquitetura popular, contrariamente à vernacular, se utilizaria de materiais novos, não propriamente locais e, ainda, de técnicas de trabalho mais elaboradas. Seria, portanto, uma arquitetura livre para adotar novas tipologias, lembrando o autor que não poderia ser classificada como erudita já que não importa signos dessa arquitetura, e sim lhe copiaria aspectos estéticos a fim de associar-se a um escalão social. O autor conclui que seria a diversidade tipológica a maior diferença existente entre as duas arquiteturas.
OLIVER, Paul. Built to meet needs: cultural issues in vernacular architecture. Oxford: Architectural Press, 2006. 475 pp.
Eixos de análise abordados:
Conceitos e métodos
Saberes tradicionais e espaço arquitetônico
Tecnologia tradicional no território e na edificação: vigências e usos contemporãneos
Construção autogerida em meio urbano: espaços e técnicas
Território e etnicidade
Dados sobre o autor(es) e obra:
Paul Hereford Oliver nasceu em Nottingham, Inglaterra, em 1927. É historiador da arquitetura e escreve também sobre blues e outras formas de música afro-americana. Foi pesquisador do Oxford Institute for Sustainable Development da Oxford Brooks University e de 1978-1988 e Associated Head of the School of Architecture. É conhecido internacionalmente pelos seus estudos sobre arquitetura vernacular, em especial, como coordenador da Encyclopedia of Vernacular Architecture of the World (1997) e pelo World Atlas of Vernacular Architecture (2005). O livro Built to Meet Needs é uma coletânea, editada pela primeira vez em 2006, que reúne textos, artigos e conferências do autor, elaborados entre os anos de 1980 e 2002.
Sumário obra:
Acknowledgements vii
List of illustrations xi
Introduction xxi
Part I: Defining the field
1 - Why study vernacular architecture? (1978) - 3
2 - The importance of the study of vernacular architecture (1993) - 17
3 - Problems of definition and praxis (1999) - 27
Part II: Cultures and contexts
4 - Learning from Asante (2000) - 47
5 - Cultural traits and environmental contexts: Problems of cultural specificity and cross-cultural comparability (1999) - 55
6 - Huizhou and Herefordshire: A comparative study (2001) - 69
7- Tout confort: Culture and comfort (1986) - 87
Part III: Tradition and transmission
8 - Vernacular know-how (1982) - 109
9- Earth as a building material today (1983) - 129
10 - Handed down architecture: Tradition and transmission (1989) - 143
11- Technology transfer: A vernacular view (2003) - 163
Part IV: Cultures, disasters and dwellings
12 - The cultural context of shelter provision (1978) - 185
13 - Earthen housing and cultures in seismic areas (1984) - 197
14 - Factors affecting the acceptability of resettlement housing (1984) - 223
15 - Rebirth of a Rajput village (1992) - 247
Part V: Conservation and continuity
16 - Conserving the vernacular in developing countries (1986) - 267
17 - Re-presenting and representing the vernacular: The open-air museum (2001) - 287
18 - Perfect and plain: Shaker approaches to design (1990) - 315
Part VI: Suburbs and self-builders
19 - Individualizing Dunroamin (1992) - 333
20 - Round the houses (1983) - 349
21 - Kaluderica: High-grade housing in an illegal settlement (1989) - 365
Part VII: Meeting the challenge of the twenty-first century
22 - Tradition by itself (2000) - 383
23 - Ethics and vernacular architecture (2000) - 395
24 - Necessity and sustainability: The impending crisis (2002) - 411
Conferences and publications - 427
Index - 431
Resumo :
Nesta obra o autor ressalta a grande variedade existente de formas construídas no campo da arquitetura vernacular, em decorrência da diversidade dos ambientes, economias, tecnologias, capacidades herdadas, estruturas familiares e sociais, sistemas simbólicos e de crenças das várias sociedades humanas. Essa variedade expressa também as diferentes demandas e valores inerentes a cada cultura. Este livro é uma reunião de artigos, conferências e estudos feitos por Oliver a partir dos anos de 1980, os quais organiza por temas. A obra, contudo, não é uma tentativa de classificar e descrever em detalhe as formas da arquitetura vernacular em todo o mundo como foi feito na Encyclopidia of Vernacular Architecture of the World, também coordenada pelo autor, ou no seu livro Dwellings: The Vernacular House World-Wide, ambos ainda não editados no Brasil. Alguns capítulos deste livro, contudo, são dedicados a certas idéias introduzidas nesses outros livros e que aqui são mais desenvolvidas. O autor declara na Introdução que o principal objetivo dessa publicação é considerar os fatores culturais que sustentam a arquitetura vernacular. O livro está organizado de acordo com os seguintes temas: 1) “Definindo o campo”, onde estão reunidos textos que tratam de questões conceituais como a definição e aplicação do termo “arquitetura vernacular”; 2) “Culturas e contextos”, onde se relacionam traços culturais e aspectos ambientais com as tradições construtivas; 3) “Tradição e transmissão” onde são trabalhadas questões relacionadas à transmissão e à continuidade das tradições construtivas; 4) “Culturas, desastres e moradias” que comenta as atitudes governamentais e da população sobre a questão da moradia diante e em conseqüência de desastres naturais; 5) “Conservação e continuidade”, que aborda as questões culturais relacionadas à continuidade e à conservação da arquitetura vernacular; 6) “Subúrbios e autoconstrutores” que trata das expressões da arquitetura vernacular constituídas pelas manifestações de individualidade que estão presentes na arquitetura dos subúrbios e nas experiências de autoconstrução; 7) “Enfrentando o desafio do século XXI” onde se identifica o lugar e o papel da arquitetura vernacular nas políticas de diminuição do déficit habitacional e se defende a participação das culturas afetadas por essas políticas. Cada uma dessas partes do livro é composta por textos elaborados em períodos distintos. Todos os textos dessa coletânea são fartamente ilustrados com desenhos e fotografias sobre arquitetura popular em todo o mundo, especialmente na África, Ásia e Europa, mas também na América Latina. Para efeito deste guia de fontes, 12 artigos considerados importantes para a abordagem de questões ligadas aos eixos de pesquisa aqui privilegiados foram fichados de modo independente.
Considerando os eixos da pesquisa que orientam a seleção de obras para o Guia de Fontes sobre Arquitetura Popular foram fichados 13 textos, os quais comporão fichas específicas subordinadas e numeradas a partir desta.
ISBN ou ISSN:
13: 978-0-7506-6657-2 ou 10: 0-7506-6657-9
Autor(es):
Paul Hereford Oliver
Onde encontrar:
Disponível em pdf na Internet, em inglês.
Referência bibliográfica:
OLIVER, Paul. “Handed down architecture: Tradition and transmission”. In: OLIVER, P. Built to meet needs: cultural issues in vernacular architecture. Oxford: Architectural Press, 2006, pp. 143-162.
Eixos de análise abordados:
Conceitos e métodos
Dados sobre o autor(es) e obra:
Paul Hereford Oliver nasceu em Nottingham, Inglaterra, em 1927. É historiador da arquitetura e escreve também sobre blues e outras formas de música afro-americana. Foi pesquisador do Oxford Institute for Sustainable Development da Oxford Brooks University, de 1978 a 1988, e Associated Head of the School of Architecture. É conhecido internacionalmente pelos seus estudos sobre arquitetura vernacular, em especial, como editor da Encyclopedia of Vernacular Architecture of the World (1997) e pelo World Atlas of Vernacular Architecture (2005). A enciclopédia reúne pesquisas e estudos sobre arquitetura vernacular em todas as regiões do mundo, sendo a principal referência sobre o tema com esta abrangência até o momento. O texto em exame é datado de 1982 e está publicado na coletânea em referência na parte que trata da transmissão das técnicas construtivas tradicionais.
Resumo :
Neste artigo, Oliver ressalta a importância da transmissão da tradição e também da sua mudança na produção da arquitetura vernacular, embora sejam raros os estudos sobre o tema. Para ele, contudo, não haveria “construção tradicional” ou um campo mais amplo da “arquitetura tradicional”: o que existiria seriam edificações que englobam ou comportam tradições, mas incluem também inovações e mudanças. Mudanças que podem ocorrer de modo súbito e brutal como nos casos de conquista militar, conversão religiosa, édito real ou introdução de nova tecnologia, ou, mais comumente, de modo lento e decorrente de processos de empréstimo e troca entre sociedades vizinhas, portanto, por difusão no espaço. No primeiro caso, apesar dos conflitos com as tradições existentes, as mudanças súbitas também tendem a se tornar, elas mesmas, tradições aceitas. Para o autor, entretanto, é mais importante entender como a tradição tem continuidade do que o que ela é. Avalia que sua transmissão é freqüentemente oral e que sempre envolve contato humano. Critica a idéia de que a transmissão de se dê apenas por meio da oralidade e informa que pouco se estudou sobre seus mecanismos, extensão e tipos. Cita então os estudos de Jan Vansina, historiador e antropólogo belga, que propõe uma tipologia do processo de transmissão oral baseada em critérios que incluem objetivo, significância, forma e maneira de transmissão. Além disso, divide esse tipo de transmissão em cinco categorias: Fórmulas, Poesia, Listas, Contos e Comentários, algumas com subcategorias e todas com um certo número de tipos. Embora o próprio Vansina considere sua categorização um esboço, Oliver acha que serve para demonstrar a diversidade de tipos de transmissão e que cada um tem sua utilidade e fornece um tipo específico de informação, embora não sejam os únicos meios de transmissão oral. De todo modo, considera-os pertinentes para o entendimento dos tipos de transmissão oral envolvidos na construção de edificações e no seu uso e, para demonstrar isso, cita alguns exemplos. Critica, por fim, a idéia de geração associada à transmissão, pois a geração que transmite difere muito de acordo com idade, gênero, papel e função e ressalta que, na transmissão, a ocasião também é significativa; algumas tradições são transmitidas em segredo, outras em circunstâncias formais ou rituais. Ressalta, por fim, que a transmissão de tradições não se dá somente por meio da oralidade, mas também por meio de mímicas, músicas, canções, gestos, pinturas, entalhes e modelos reduzidos. Algumas dessas formas teriam especial importância para a passagem de conhecimentos sobre construção, decoração, ocupação e uso. No seu estudo se deve levar em conta o ambiente, os recursos e a economia, além dos padrões de assentamento, a localização, a organização espacial, a estrutura social e o tipo de família, território e patrimônio.