VIEIRA, Carolina Nascimento; MOREIRA, Paula Adelaide M.S.; ANDRÉ, Sumaia Boaventura. Taipa de mão no contexto da precariedade habitacional, do saneamento ambiental e das políticas públicas. In: NEVES, Célia et al. Arquitetura e Construção com Terra no Brasil. Tupã, São Paulo: ANAP, 2022, 251 p.: il. – (PPGARQ ; v. especial). cap. 2.6, p. 158-169. ISBN 978-65-86753-59-2. E-book.
Eixos de análise abordados:
Saberes tradicionais e espaço arquitetônico
Tecnologia tradicional no território e na edificação: vigências e usos contemporãneos
Dados sobre o autor(es) e obra:
Carolina Nascimento Vieira possui graduação em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade Federal da Bahia – UFBA (1999), especialização em Arquitectura i Sostenibilitat (2007) pela Fundació Politècnica de Catalanya, mestrado em Arquitectura, Energia i Medi Ambient (2009) pela Universitat Politècnica de Catalunya, doutorado em Arquitetura e Urbanismo, linha de pesquisa Ciência e Tecnologia da Conservação e do Restauro, (2017) pela UFBA e pós-doutorado em Clima Urbano pelo Centro Federal de Educação Tecnológica de Minas Gerais. Atualmente é Professora Adjunta (DE), do Núcleo de Tecnologia, Projeto e Planejamento da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal da Bahia e integrante dos grupos de pesquisa de Clima Urbano de Salvador e Arqpop.
Paula Adelaide Mattos Santos Moreira possui graduação em Arquitetura e Urbanismo e Licenciatura em Desenho e Plástica, ambas pela Universidade Federal da Bahia - UFBA (1998 e 2014, respectivamente), Especialização em Gestão Informatizada em Recursos Hídricos pela UFBA (2001), Mestrado em Geografia pela UFBA (2004) e Doutorado em Arquitetura e Urbanismo pela UFBA (2017). Atua profissionalmente como servidora pública, no cargo de Analista de Reforma e Desenvolvimento Agrário no Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária - INCRA. Participa do grupo de pesquisa GeografAR - A Geografia dos Assentamentos na Área Rural (PósGeo UFBA) e do Grupo de Pesquisa Arqpop (PPGAU UFBA). Faz parte, como colaboradora, do corpo docente da Residência Au+E/ UFBA - Assistência Técnica e Direito à Cidade.
Sumaia Boaventura André Possui graduação em Medicina pela Universidade Federal da Bahia - UFBA (1977), Mestrado em Saúde Comunitária (1982), e Doutorado em Medicina e Saúde (2011), ambos pela UFBA. É Professora Titular do Departamento de Medicina Preventiva e Social, da Faculdade de Medicina da Bahia/Universidade Federal da Bahia. Tem experiência na área de Saúde Coletiva, com ênfase em Politicas de Saúde, atuando principalmente nos seguintes temas: Educação médica, Educação e comunicação em saúde, Planejamento em saúde e Modelos assistenciais, Acidentes.
O texto discorre sobre a técnica construtiva da taipa de mão no Brasil em três distintos segmentos: o pro-cesso histórico, sobre o qual o texto esclarece que a sua origem no Brasil foi proveniente de Portugal através da técnica, com bom acabamento, denominada Tabique e, de países africanos, através da taipa de mão, em versão mais efêmera e rústica, sem maiores acabamentos ou elementos que garantam sua durabilidade ou salubridade, apesar de a terra ser magistralmente utilizada em edificações nesse continente. Desse modo, no período colonial brasileiro, a depender da cultura construtiva local, esta era realizada com primor ou rústica, sendo associada, então, à moradia de pessoas sem recursos. No século XIX, esse aspecto segregador foi ampliado graças ao contexto histórico de valorização da forma de vida européia e desvalorização da cul-tura local, passando a ser mais utilizada nas zonas menos valorizadas das cidades. Entende-se, desse modo, que, as origens do preconceito em relação à taipa de mão remetem à própria participação desta no processo de formação social do país. Atualmente, as edificações resultantes de seu emprego se materializam no ter-ritório nacional em diversos contextos, mas sobretudo, no contexto rural. Seu uso ocorre aí de forma auto-gerida promovendo grande adaptação a diferentes cenários. Esse tipo de moradia é indicativo também de resistência camponesa relacionada à sua permanência no campo, frente ao aspecto da concentração fundi-ária e à consequente inviabilidade de acesso à terra, realidade predominante no Nordeste brasileiro. Esse tema é então discutido no texto, que trata da predominância dessa tipologia em Acampamentos de Traba-lhadores Rurais e da conveniência de sua efemeridade ao ser atribuída à moradia de posseiros de fazendas, justamente para dificultar a aplicação do direito de posse definitiva da terra por usucapião. O segundo seg-mento abordado pelo texto é de grande relevância no combate à precarização da taipa de mão: a questão da doença de Chagas em seu aspecto ambiental. O enfoque segregador da taipa de mão, socialmente for-mado, está associado à visão de que esta técnica de construção é determinante na propagação da doença de Chagas. Entretanto, o texto deixa claro que esta moléstia, na verdade, é um reflexo da forma equivocada com que a população humana explora e ocupa o ambiente, destruindo ecossistemas e determinando a mi-gração de triatomíneos silvestres infectados para as habitações ou o seu peridomicílio. A configuração de vetores domésticos apenas ocorre onde existem condições favoráveis, tais como frestas em paredes de qualquer material, inclusive em bloco cerâmico e em zonas urbanas. As autoras apontam que as ações de melhorias habitacionais podem não ser uma solução decisiva, visto que o controle dirigido ao vetor não é definitivo. O terceiro segmento abordado no texto transcorre sobre políticas públicas brasileiras de habita-ção rural, as quais desprezam qualquer técnica construtiva que não esteja inserida no ciclo de consumo de materiais industrializados. O texto expõe as formas atuais de políticas públicas de habitação rural e se de-bruça sobre as duas mais representativas, PNHR (Programa Nacional de Habitação Rural) e MHCDCh (Me-lhorias Habitacionais para o Controle da Doença de Chagas) - Funasa, ambas ligadas ao Programa Nacional de Desenvolvimento (PAC), constatando que estas servem-se da precarização da taipa de mão e utilizam mecanismos de atrelamento ao uso de materiais construtivos convencionais, impulsionando interesses do mercado da construção civil. Esses programas também não atendem à toda a demanda habitacional vi-gente, além de oferecer programas arquitetônicos muitas vezes inadequados e limitados à adaptação das famílias rurais à sua realidade. Neste sentido, é possível visualizar que o aprimoramento e o conhecimento popular da técnica, pode tornar a taipa de mão um instrumento eficaz para viabilizar moradias de boa qua-lidade a baixo custo e de forma autônoma, trazendo a independência de sujeitos na promoção de uma melhoria de vida, além do uso de materiais menos poluentes e mais acessíveis.
Biblioteca da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da UFBA.
Referência bibliográfica:
ROSSETTI, Eduardo Pierrotti. “Tensão Moderno/Popular em Lina Bo Bardi: nexos de arquitetura”. In: Cadernos PPG-AU/FAUFBA/Universidade Federal da Bahia. Faculdade de Arquitetura e Urbanismo. Ano 1 n.1. Salvador: EDUFBA, 2003, p. 11-26.
Eixos de análise abordados:
Conceitos e métodos
Tecnologia tradicional no território e na edificação: vigências e usos contemporãneos
Dados sobre o autor(es) e obra:
Arquiteto graduado pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Pontifícia Universidade Católica de Campinas (1999), Mestre em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade Federal da Bahia (2002), Doutor em Arquitetura e Urbanismo pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (2007). Pós-Doutorado junto à Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de Brasília (2008-2010), com Bolsa PDJ/CNPq. Destaca-se o interesse por história, teoria e projeto, investigando: arquitetura moderna, Brasília, patrimônio, arquitetura contemporânea, a varanda e o morar brasileiro.
Este artigo é baseado na sua dissertação de mestrado, defendida em 2002 no PPG-AU/FAUFBA, sob a orientação do prof. Pasqualino Romano Magnavita.
Essas informações foram retiradas do próprio artigo e do link (acesso: 15/02/2016 às 21:50): http://lattes.cnpq.br/1218180830143253
Sumário obra:
Não se aplica.
Resumo :
O artigo aborda a maneira pela qual a arquitetura de Lina Bo Bardi dialoga com a cultura popular ao pensar o espaço e a materialidade de um projeto moderno, manifestada através da tensão moderno/popular. Para isso, são estabelecidas três instâncias que qualificam essa tensão, que são: materialidade e invenção do projeto; espaço moderno e uso popular; e transformação das escalas de produção. Antecede essa análise uma breve introdução sobre o contexto vivenciado (o debate intelectual do final dos anos 50 e início dos anos 60 sobre a função política do povo, e o contato de Lina com a produção manufatureira do Nordeste), as bases que estruturavam sua abordagem acerca da cultura popular (situada entre as preocupações da esquerda brasileira e aspectos do discurso de Antonio Gramsci), e como a historiografia da arquitetura moderna brasileira organizou-se entorno do tema (aparentemente em torno de um só argumento, o de Lucio Costa). Nesse momento, também são apresentados os conceitos formulados por Lina, o “folclore”, o “artesanato”, e, posteriormente, o “pré-artesanato”, os quais visavam proteger a cultura popular, e, consequentemente, sua arquitetura das possíveis apropriações ilegítimas. Em “materialidade e invenção do projeto” busca-se explorar como o popular se apresenta nas expressividades plásticas dos seus projetos. Segundo o autor, a cultura popular é por ela entendida como exemplo de simplificação de processos, e essa referência se apresenta em sua arquitetura pelo procedimento de uso, fusão e justaposição dos materiais, por seu modo de cruzar referências locais e externas livremente. Também é citada a maneira como a arquiteta projetava. Ao usar tecnologias novas trabalhava as soluções diretamente no canteiro, pois entendia que apesar de a mão-de-obra não estar treinada adequadamente, ela possuía um conhecimento sobre a matéria, e esse era o meio de ajustar o descompasso técnico e social. Em “espaço moderno e uso popular”, a importância imaterial contida nas manifestações populares é vinculada ao uso popular dos espaços projetados por Lina, em que espaços e lugares com pouca significação eram transformados em referências urbanas. Por fim, em “transformação das escalas de produção” são expostas as iniciativas que foram desenvolvidas pela arquiteta a fim de debater a questão do desenho industrial. Segundo o autor, o projeto mais completo de Lina que estrutura essa preocupação é a Escola de Desenho Industrial e Artesanato, planejada em 1962 para funcionar no Solar do Unhão, sede do Museu de Arte Popular de Salvador. Essa Escola foi concebida como parte das atividades inerentes ao referido museu, o qual ainda contava com a proposta de criação do Centro de Documentação Artesanal do Nordeste, também planejado por Lina e encarregado de inventariar as diversas manifestações da manufatura popular da região. A iniciativa da Escola apresentava como objetivo eliminar a diferença entre os que projetavam e aqueles que executavam objetos manufaturados a fim de integrá-los ao processo industrial. Contudo, ela acabou permanecendo no plano das ideias. Ainda sobre a Escola, o autor analisa as relações existentes entre esse plano e as propostas de Walter Gropius para a Bauhaus. O texto finaliza questionando e alertando sobre a velocidade e a maneira como a cultura popular pode ser tomada hoje, e assim tornar-se somente mais uma referência massiva, programadamente descartável em meio a uma aparente cultura mundializada que instaura novas referências constantemente.
LIMA JÚNIOR, Genival Costa de Barros. Arquitetura Vernacular Praieira. Recife, 2007.
Eixos de análise abordados:
Saberes tradicionais e espaço arquitetônico
Tecnologia tradicional no território e na edificação: vigências e usos contemporãneos
Dados sobre o autor(es) e obra:
Genival da Costa de Barros Lima Júnior é arquiteto formado pela Universidade Federal de Pernambuco, em 1996. É chefe da Barros Lima Arquitetura, com projetos de urbanização para ZEIS em Recife – PE e vários outros. O Projeto Arquitetura Vernacular Praieira, que consistiu em pesquisa, registro e análise arquitetônica e urbanística de vilas de pescadores no litoral nordestino, foi aprovado pelo Programa Petrobrás Cultural, dando origem ao livro resenhado.
Considerações Iniciais sobre Arquitetura Vernacular Praieira
Pesquisa de Campo
Arquitetura
A Casa
A Planta
Fachadas
Divisões Internas
Materiais
Taipa
Madeira aparelhada
Madeira roliça
Palha
Alvenaria
Outros materiais
O Relacionamento com o Meio
Considerações Finais
Resumo :
Obra com grande fartura de imagens, embora quase sem elaboração gráfica, obtidas a partir de jornada realizada pelo autor no litoral compreendido entre as divisas do Maranhão com o Pará e da Bahia com o Espírito Santo. Lima Jr. elaborou o livro a partir de observações, entrevistas, conversas e convívio, dispensando maiores referências bibliográficas e mesmo sem atenção para com o conceito de “vernacular”, empregando-o a partir de definições de dicionários e de citações de Paul Oliver. Enfoca as comunidades litorâneas – cerca de 40 vilas – mais isoladas, menos tocadas pelo turismo ou “corrompidas” pela cidade, partindo-se da constatação da desaparição da cultura pesqueira artesanal. Observa-se que nessas comunidades o meio ambiente é o fator determinante da arquitetura, dado os baixos recursos financeiros e construtivos, as difíceis formações geográficas (como falésias e restingas) e empecilhos como as grandes propriedades e as condições do meio, especialmente, a areia fina e móvel, o vento constante e erosivo, as chuvas e tempestades e o regime das marés. Além disso, as restrições postas pelo ciclo da fauna pescada e coletada, pelo acesso à água potável e ao mar e pela qualidade da madeira e do barro empregados como materiais de construção. Tais fatores levam à decisão de onde construir, como morar e ainda definem a duração dos edifícios. Existem os abrigos de trabalho, que o autor chama de “masculinos”. São os “ranchos” para a vigília dos currais ou, se situados no mar ou nos rios maranhenses, para descanso e proteção nas tempestades. Sendo de uso coletivo, cada usuário precisa deixar o abrigo em bom estado para o próximo. Essas moradas temporárias, dedicadas ao trabalho, são mais austeras, às vezes, apenas uma cobertura, geralmente, com vão único e mobiliário escasso. A pesca em jangada é atividade exclusivamente masculina, cabendo à mulher a mariscagem e a pesca de linha. As casas “femininas” são então aquelas em que a família reside. Com perenidade maior, são mais complexas e asseadas. Nelas, o trabalho mescla-se à vida familiar. Há aquelas de vão único, com o parco mobiliário definindo uso do espaço. A casa ganha divisões internas com o crescimento dos filhos e seu casamento. Nesse caso, é a varanda que concentra a convivência do trabalho, da família e da comunidade. O banheiro fica fora da casa e tem fossa simples, cavada no chão. A cozinha também fica fora, em uma construção mais simples e de material inferior. Explicam os pescadores que ela “empesteia” a casa, atraindo insetos e pequenos animais, além da fumaça e fuligem, e do odor do tratamento do peixe e do marisco. Em alguns lugares, a pia é um “jirau” que facilita o descarte. Quando incorporada à casa, a cozinha possui acesso para o exterior, para facilitar a exaustão, e é comum que possua uma varanda anexa para alimentação coletiva. Nem sempre há quintal. Quando surge, é voltado para o mar e entendido como local de trabalho, voltado para o trato do pescado, guarda da jangada e reparo do material da pesca. A formação dos assentamentos é marcada pelas distâncias pessoais e familiares, além de fatores como a existência de cursos d´água, linhas de maré e outros. Embora haja recém-chegados, o mais usual é que cresçam com o aumento das famílias, o que acarreta a partilha de espaços e instalações, como quintais e banheiros. De um modo geral, as casas estão sempre abertas, assim como os quintais, que só são fechados quando há criação de pequenos animais – galinhas, porcas, cachorros –, necessidade de guarda de material de trabalho ou nos casos de prosperidade econômica e ostentação. Elementos sutis, como móveis e apetrechos indicam o uso de cada área. As casas são retangulares, com cobertura em duas águas com 10 a 20° de inclinação. Em geral, inicia-se pela sala, seguida dos quartos e da cozinha ao fundo, todos acedidos por circulação lateral. Aspecto fundamental é a proteção contra o sol e, principalmente, o vento com areia fina. A orientação da sala e dos quartos evita então o mar. Há poucas portas e janelas, com divisões internas em meias-paredes que permitem a ventilação por cima. Além dos beirais nas varandas, não raro aparecem anteparos verticais e o cascalho no piso ao redor da casa auxilia a fixar a areia fina. As fachadas são simples e, em muitos casos, sem janelas. Estas aparecem com folhas duplas de madeira, com dobradiças, ou com vedações em palha trançada, içadas como persianas. As portas, com “saia e blusa”, em certos lugares, são elevadas para não entrarem os animais, ou rebaixadas, em decorrência do tamanho do telhado que assume, assim, proporções “indígenas”. Nas casas “masculinas”, as portas são do tamanho da embarcação e as divisões internas são do mesmo material das paredes exteriores. Em alguns casos, são suspensas do piso, permitindo aeração por baixo. A taipa de mão é empregada do Ceará à Bahia e, não raro, tendo a palha como revestimento e grandes beirais para proteger das chuvas e ventos. Encontrou-se o emprego, localizado, de lama do mangue na argamassa do pau a pique. A madeira pode ser roliça ou aparelhada com ripas vazadas ou com mata-juntas, por dentro ou por fora, pregadas, amarradas ou apoiadas com forquilhas. A palha, de coqueiro ou de buriti, é mais usada nos “ranchos”. Embora mais adaptada ao meio, degrada-se rapidamente. Nas construções em alvenaria e mesmo solo-cimento, vê-se já a assimilação de técnicas e tipos exógenos. Na entressafra, muitos pescadores vão trabalhar na pecuária e em pequenas plantações, absorvendo assim outros arranjos tipológicos. O autor finaliza destacando o mérito da relação dessa arquitetura com o meio. Por um lado, resignação, diante das dunas móveis, e respeito, ao evitar a derrubada de árvores e se inserir na paisagem. No entanto, o autor observa que os pescadores vêm sendo expulsos desse litoral pela invasão do turismo, pela competição com a pesca mecanizada e pela carência de serviços básicos.
Biblioteca Amadeu Amaral do Centro Nacional de Folclore e Cultura Popular, Rio de Janeiro.
Referência bibliográfica:
FREYRE, Gilberto. Mucambos do Nordeste: algumas notas sobre o tipo de casa popular mais primitivo do nordeste do Brasil. 2.ed. rev. e pref. pelo autor. Recife: Instituto Joaquim Nabuco de Pesquisas Sociais, Imprensa Universitária, 1967.
Eixos de análise abordados:
Saberes tradicionais e espaço arquitetônico
Tecnologia tradicional no território e na edificação: vigências e usos contemporãneos
Construção autogerida em meio urbano: espaços e técnicas
Dados sobre o autor(es) e obra:
Gilberto Freyre (1900-1987), nasceu em Recife-PE, e foi sociólogo e ensaísta. Autor de "Casa Grande & Senzala”, obra vista como a mais representativa sobre a formação da sociedade brasileira, recebeu ao longo de sua vida diversos prêmios em reconhecimento da qualidade de sua obra sociológica. Na Universidade de Baylor, nos Estados Unidos, graduou-se artes liberais e especializou-se em política e sociologia. Fez pós-graduação na Universidade de Colúmbia, Nova Iorque, obtendo o grau de mestre com o trabalho "Vida Social no Brasil em Meados do século XIX", orientado pelo antropólogo Franz Boas, de quem recebeu grande influência intelectual. Entre 1933 e 1937 escreveu três livros voltados para o problema da formação da sociedade patriarcal no Brasil: Casa Grande & Senzala, Sobrados e Mucambos e Nordeste. Lecionou Sociologia na Universidade do Distrito Federal a convite de Anísio Teixeira e foi funcionário do antigo Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (SPHAN), hoje IPHAN, em cuja revista colaborou diversas vezes. O texto em exame foi publicado pela primeira vez em 1937, pelo Ministério da Educação e Saúde na série Publicações do SPHAN.
Prefácio do Diretor do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional à 1ª Edição, de Rodrigo Melo Franco de Andrade
Prefácio do Autor à 2ª Edição, de Gilberto Freyre
Mucambos do Nordeste
Resumo :
A obra é bem ilustrada, por meio de pinturas. Ao abordar o mucambo, Gilberto Freyre observa que se a influência portuguesa, enriquecida pela moura, foi dominante na arquitetura doméstica mais nobre até o século XIX, na construção popular, a influência maior foi a africana ou a indígena, com algumas introduções européias, como portas e janelas de madeira. O mucambo, definido como o tipo de casa popular mais primitivo do nordeste, varia com a diversidade da vegetação e serviria como ilustração dos processos ecológicos do homem com o meio, tanto no sentido mais imediato, de obtenção de sua matéria-prima, como no sentido dado pela Escola Sociológica de Chicago, ou seja, em sua relação com fenômenos tais como competição, seleção, mobilidade e recesso. Identifica e delimita quatro grandes zonas – as da carnaúba, do buriti, da barriguda e do coqueiro da índia – onde o tipo de mucambo acompanharia a presença de tais espécies. Existem ainda mucambos feitos com coqueiro tucum e palha de cana na cobertura, mas sem área abrangente. Tal relação entre espécies e moradia corresponderia a verdadeiros complexos culturais. A carnaúba fornece não apenas o material da casa (armação, tapume, cobertura), como a esteira da vida cotidiana, a corda, a vassoura e chapéus. O buriti, por sua vez, também é empregado para a construção de balsas, verdadeiros mucambos flutuantes, usadas como habitação durante as longas viagens pelo rio Parnaíba. Nos mucambos feitos a partir do coqueiro da índia, pelo contrário, as paredes são de barro ou massapé, comparecendo o coqueiro na cobertura de palha e nos trançados de folhas das portas e janelas, que se repetem nos balaios, esteiras e chapéus. Nas construções mais primitivas, sem pregos, o cipó ou corda vegetal junta os componentes. O mucambo, segundo Freyre, teria várias qualidades. A iluminação e ventilação se davam por aberturas na empena, melhor do que por meio de janelas, o que, somado ao isolamento térmico da cobertura, lhe daria superioridade no desempenho climático. E, esteticamente, seria artisticamente honesto, com linhas simples e economia de ornamentos. Mesmo sua pequenez teria algo de encanto, além de favorecer a monogamia. Freyre observa estar havendo mudanças no material empregado nos mucambos. A cobertura vegetal, em vez de palha, cada vez mais emprega o capim-açu, mais barato e vendido já preparado para cobertura, nos mercados do Recife. Aponta também casos de troca da palha por telhas de zinco, como parte da absorção gradual de elementos da técnica europeia e do material industrial. No Prefácio do Autor à 2ª Edição, Freyre assinala o pioneirismo da obra e defende o mucambo contra o que chama de “mucambofobia”. Argumenta que os males que lhes são atribuídos têm outras causas, pois não só não seria anti-higiênico, como apresentaria melhor relação entre aeração e insolação do que as construções de alvenaria. Seus arquitetos anônimos seriam funcionais, mas sem desprezar a arte que estaria presente nos rebuscados trançados feitos com a palha. E se seria um arcaísmo nas paisagens urbanas do Nordeste, não seria no Nordeste como um todo. Ao contrário, seria a resposta ao problema da fixação do homem no espaço tropical, como construção vegetal que mescla tradições européias, ameríndias e africanas no âmbito do processo de destribalização e de ajustes à vida “civilizada”. Observa, por fim, a curiosa persistência das formas onde substâncias e funções se alteraram.
BARDI, Lina Bo. Tempos de Grossura: o Design no Impasse. São Paulo: Instituto Lina Bo e P. M. Bardi, 1994.
Eixos de análise abordados:
Conceitos e métodos
Dados sobre o autor(es) e obra:
Lina Bo Bardi (1914-1992), arquiteta italiana nascida em Roma, formou-se em arquitetura na Università degli Studi di Roma em 1939, prestando exame de habilitação profissional no Instituto Superiore de Archittetura de Veneza no mesmo ano. Casou-se com Pietro Maria Bardi em 1946, ano em que veio com ele para o Brasil onde participou da reforma do prédio que primeiro abrigou o Museu de Arte de São Paulo. O livro foi preparado em 1980, mas publicado depois em 1994. Entre 1948 e 51 fundou com Pietro Maria Bardi a empresa Palma – Studio de Arte e Arquitetura onde desenvolveu onde atuou nas áreas de desenho de interiores e design. Naturalizou-se brasileira em 1953 e sua obra de arquitetura é uma das mais importantes e conhecidas do Brasil, tendo assinado projetos como a sua residência em São Paulo, conhecida como Casa de Vidro (1951), a sede do MASP na Av. Paulista (1969) e o conjunto do SESC-Pompéia (1986), ambos em São Paulo, entre outros. Entre 1959 e 1965, realizou diversos projetos importantes em Salvador, Bahia, como a restauração e revitalização do conjunto do Solar do Unhão e a reforma do teatro Castro Alves. Nos anos de 1980, realizou também nesta cidade, entre outros, os projetos da Casa do Benin, do conjunto da Ladeira da Misericórdia, do Teatro Glauber Rocha e da sede do Olodum, todos no centro histórico de Salvador. Lina Bardi dedicou também parte de sua visa ao estudo do design e da arte popular. O livro fichado foi elaborado em 1980 primeiro como depoimento por Lina Bo Bardi sobre a experiência realizada na Bahia, e interrompida pelo regime militar em 1964. Em 1994, o Instituto Lina Bo e P.M. Bardi concluíram o livro, conforme informa a Nota Prévia da obra.
Discurso Sobre a Significação da Palavra Artesanato
Por Que o Nordeste?
Arte Popular e Pré-Artesanato Nordestino
A Arte Popular Nunca é Kitsch
Civilização do Nordeste
A Arte dos Pobres Apavora os Generais, por Bruno Zevi
O Artesanato no Ceará, por Lívio Xavier
A Arte e a Vida Urbana no Brasil, por Flávio Motta
Texto de Abelardo da Hora
Carta de Celso Furtado
Nordeste, por Glauber Rocha
Nordeste Painel Bahia, por Paulo Gil Soares
Sertão da “Acauã”, por Ariano Suassuna
Conclusão
Resumo :
O livro faz um balanço sobre os estudos de Antropologia Cultural realizados pela autora sobre a Arte Popular nordestina e que fundamentaram a Exposição Bahia, na V Bienal de São Paulo; a exposição Civilização do Nordeste, realizada em novembro de 1963, no Museu do Unhão, e a exposição Nordeste do Brasil, cuja presença na Galeria de Arte Moderna de Roma, em 1965, foi cancelada pelo governo brasileiro. Apresenta textos da própria autora de 1963 e 1980 e de outros autores sobre as referidas exposições: Jorge Amado (1959), Abelardo da Hora (1963), Lívio Xavier (1963), Paulo Gil Soares (1964), Glauber Rocha (1964), Bruno Zevi (1965), Celso Furtado (1967) e Flávio Motta (1970). Lina Bo Bardi entende que é necessário fazer um balanço da civilização brasileira “popular” para, ali, assentar as bases verdadeiras para um design nacional – e não “nacionalista”, o que ela distingue a partir de Antonio Gramsci –, diante da veloz investida dos gadgets do processo de industrialização que o Brasil vivia naquele momento, o que configuraria um processo de “desculturação”. Esse mesmo processo, que levara séculos em outros países e poucos anos no Brasil, havia dissolvido a estrutura coletivista das corporações de ofício. Na Europa, o artesão já seria um mero resquício do ofício medieval, mantido artificialmente por exigências turísticas e pelo apreço aos produtos manuais como de qualidade superior. No Brasil, a situação seria bastante diferente: nunca teria havido artesanato, entendido como corpo social e forma de agremiação responsável por toda a produção popular do passado, inclusive a da Antiguidade clássica. O retorno a esse artesanato seria não somente regressivo, mas falso, na medida em que esse passado nunca existiu no Brasil. Ao contrário, o que existiria era um pré-artesanato doméstico esparso. No entanto, ainda que carente de sedimentação histórica, essa era a base da civilização brasileira. Próxima que estava da necessidade, pronta a ser abandonada na primeira oportunidade de melhor remuneração, essa produção material escapava da alienação. Lina Bo Bardi entendia que não se devia recair no afã do primitivismo e, sobretudo, evitar o folklore, na medida em que este era a petrificação da produção popular, e sua orientação exógena para fins turísticos. O que estava em jogo não era conservar formas e materiais, e sim explorar as possibilidades criativas originais dessa produção que fazia do próprio lixo sua matéria-prima, dinamizando o que no folclórico seria estático. Assim, o estudo orientou-se não pela Arte, mas pela Antropologia Cultural, evitando registrar atividades que já haveriam sido tomadas pelo viés “folclorizante” – como a literatura de cordel e a cerâmica de Caruaru. Os objetos são então aqueles da vida cotidiana, como roupas feitas de sobras e ex-votos. Bo Bardi recusava, também, a pecha de kitsch, entendendo que este era um fenômeno diferente: uma produção burguesa que, ao fim, revelava apenas o medo da morte. A produção popular que examina passaria muito ao largo da cultura de massa moderna.