Biblioteca Amadeu Amaral do Centro Nacional de Folclore e Cultura Popular, Rio de Janeiro.
Referência bibliográfica:
FREYRE, Gilberto. A Casa Brasileira. Rio de Janeiro: Grifo Edições, 1971.
Eixos de análise abordados:
Saberes tradicionais e espaço arquitetônico
Tecnologia tradicional no território e na edificação: vigências e usos contemporãneos
Construção autogerida em meio urbano: espaços e técnicas
Dados sobre o autor(es) e obra:
Gilberto Freyre (1900-1987), nasceu em Recife-PE, e foi sociólogo e ensaísta. Autor de "Casa Grande & Senzala”, obra vista como a mais representativa sobre a formação da sociedade brasileira, recebeu ao longo de sua vida diversos prêmios em reconhecimento da qualidade de sua obra sociológica. Na Universidade de Baylor, nos Estados Unidos, graduou-se artes liberais e especializou-se em política e sociologia. Fez pós-graduação na Universidade de Colúmbia, Nova Iorque, obtendo o grau de mestre com o trabalho "Vida Social no Brasil em Meados do século XIX", orientado pelo antropólogo Franz Boas, de quem recebeu grande influência intelectual. Entre 1933 e 1937 escreveu três livros voltados para o problema da formação da sociedade patriarcal no Brasil: Casa Grande & Senzala, Sobrados e Mucambos e Nordeste. Lecionou Sociologia na Universidade do Distrito Federal a convite de Anísio Teixeira e foi funcionário do antigo Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (SPHAN), hoje IPHAN, em cuja revista colaborou diversas vezes. O texto em exame foi publicado pela primeira vez em 1937, pelo Ministério da Educação e Saúde na série Publicações do SPHAN.
. Sobre uma singularidade brasileira no estudo de tipos regionais de casa
. A casa como centro da formação social do Brasil
. A propósito do sobrado brasileiro de origem açoriana: sua relação com outros sobrados de residência
. O mucambo do nordeste como expressão brasileira de arquitetura popular de residência
. Casas de residência no Brasil: patriarcal: em tôrno do testemunho de um arquiteto francês
Resumo :
A obra é uma tentativa de síntese de três abordagens preliminares do autor: a antropológica, a histórica e a sociológica. É também uma reunião e desenvolvimento de obras anteriores que versam sobre o tema. A tese central é que a casa – patriarcal e materna, ao mesmo tempo - governou a formação social do Brasil e é ainda atuante na formação do ethos brasileiro, donde a necessidade de incorporar a psicanálise, e até a autoanálise, nesse estudo. O processo de formação do Brasil, segundo Freyre, seria mais de auto-colonização do que de colonização por europeus. Nele, a família – a unidade patriarcal, cristã e escravocrata – teria agido em cooperação com governo e Igreja, em vez de ser subordinada. A casa seria, portanto, local de confluência e de influências culturais – européia, ameríndia, africana - nos valores, higiene, recreação, dança, música, caça, pesca e lavoura. Ao mesmo tempo, seria centro de irradiação da cultura europeia – por meio da catequese, educação e moralização – e laboratório de experimentos na cozinha e na farmacopéia. A casa seria, assim, o centro de uma europeização, em uma ecologia tropical e semitropical, e expressão coletiva e anônima, não de arquitetos eruditos e ou de talentos individuais. Seria ainda característica de uma civilização luso-tropical, estilisticamente à parte das outras grandes civilizações, com artes puras e aplicadas próprias, assim como com uma concepção de tempo específica e com alguma convergência com o mundo hispano-tropical. Singularidade evidente, ao se constatar a flexibilidade maior do português diante dos trópicos quando comparado com o holandês e o inglês. O ápice seria a casa-grande patriarcal: de engenho, fazenda, estância, sítio ou chácara, e sua versão urbana, o sobrado. Este, adaptando-se ao espaço social e geométrico da cidade, teria passando do “privatismo” ao civismo. A casa teria também versões mais simples como a casa do caboclo e o mucambo rural ou urbano. Se a casa-grande era símbolo e espelho da sociedade centrada na família patriarcal, “terratenente” e escravocrata, sua contraparte, o mucambo, era de confluência ameríndia e africana. Na conquista do território, duas espécies de auto-colonização teriam ocorrido: a da casa-grande senhorial, vertical, dominando sesmarias, engenhos, fazendas e estâncias; e a da casa do bandeirante, horizontal, de extrema mobilidade, correspondendo a choças frágeis vividas por homens rijos. O tipo de família patriarcal, com algo de feudal, foi no Império a base da estabilidade social e econômica, fornecendo chefes políticos no interior, parlamentares, estadistas, ministros e diplomatas, que ainda mantinham vínculos com a terra, como o Barão de Penedo, o Barão de Cotegipe, o Visconde de Camaragipe. Tal “familismo” passaria ainda à República. Freyre acredita que haveria correlação entre os traços característicos das personalidades ou das figuras mais ilustres da época e os tipos sociais e regionais das casas em que cresceram, prolongando-se no estudo de Joaquim Nabuco, Eça de Queirós e Ramalho Ortigão. A seguir, estuda o sobrado brasileiro de origem açoriana, no Rio Grande do Sul, e assinala a necessidade de identificar a intensidade e extensão de tal origem e de sua adaptação ao Brasil. Como a eliminação da chaminé grande, simplificação que já vinha ocorrendo nas ilhas e em Portugal, e que poderia ser explicada sociologicamente, pelo fato de as casas serem habitadas por casais de hábitos de poupança e sobriedade, e psicologicamente, por serem pioneiros desdenhosos de conforto. Registra a presença da “pombinha”, como proteção contra forças sobrenaturais, e a necessidade de estudo, com compilação e comparação, da sobrevivência das práticas profiláticas. Quanto às similaridades entre Norte e Sul do país, aponta que o mobiliário doméstico dos fidalgos, da aristocracia da banha, é similar aos da casa-grande e sobrados nordestinos. Freyre estuda em seguida a casa popular, o “mucambo”, ressaltando os preconceitos contra os mesmos. Salienta os seus valores eminentemente funcionais, como a adaptação climática superior e a higiene, e mesmo os valores estéticos, por meio de sua sobriedade e da beleza dos trançados. Apesar de arcaísmo nas grandes metrópoles, o mucambo ainda teria, segundo ele, seu lugar no restante do país e, adaptado como vinha sendo a novas funções e mediante a absorção de materiais industriais, tornara-se pós-moderno. O mucambo estaria atrelado à vegetação, sendo, mais que matéria-prima, um verdadeiro complexo cultural, podendo-se identificar sua presença em quatro grandes zonas: da carnaúba, do buriti, da barriguda e do coqueiro da índia. Por último, Freyre fala do testemunho do engenheiro e arquiteto francês Louis Leger Vauthier, que esteve no Brasil de 1840 a 1846, sobre a arquitetura doméstica a partir de correspondências, diários, relatórios e artigos publicados. O seu testemunho confirmaria as teses do autor, como a influência moura, a relação das plantas das casas com a vida patriarcal e escravocrata e as semelhanças entre habitações nobres do Sul e do Norte, tais como a continuidade da varanda como comunicação perimetral protegida. Contemporâneo das mudanças técnicas e estéticas das habitações e das cidades, Vauthier teria estudado com simpatia a arquitetura tradicional e assimilado os seus valores.
Biblioteca Amadeu Amaral do Centro Nacional de Folclore e Cultura Popular, Rio de Janeiro.
Referência bibliográfica:
FREYRE, Gilberto. Mucambos do Nordeste: algumas notas sobre o tipo de casa popular mais primitivo do nordeste do Brasil. 2.ed. rev. e pref. pelo autor. Recife: Instituto Joaquim Nabuco de Pesquisas Sociais, Imprensa Universitária, 1967.
Eixos de análise abordados:
Saberes tradicionais e espaço arquitetônico
Tecnologia tradicional no território e na edificação: vigências e usos contemporãneos
Construção autogerida em meio urbano: espaços e técnicas
Dados sobre o autor(es) e obra:
Gilberto Freyre (1900-1987), nasceu em Recife-PE, e foi sociólogo e ensaísta. Autor de "Casa Grande & Senzala”, obra vista como a mais representativa sobre a formação da sociedade brasileira, recebeu ao longo de sua vida diversos prêmios em reconhecimento da qualidade de sua obra sociológica. Na Universidade de Baylor, nos Estados Unidos, graduou-se artes liberais e especializou-se em política e sociologia. Fez pós-graduação na Universidade de Colúmbia, Nova Iorque, obtendo o grau de mestre com o trabalho "Vida Social no Brasil em Meados do século XIX", orientado pelo antropólogo Franz Boas, de quem recebeu grande influência intelectual. Entre 1933 e 1937 escreveu três livros voltados para o problema da formação da sociedade patriarcal no Brasil: Casa Grande & Senzala, Sobrados e Mucambos e Nordeste. Lecionou Sociologia na Universidade do Distrito Federal a convite de Anísio Teixeira e foi funcionário do antigo Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (SPHAN), hoje IPHAN, em cuja revista colaborou diversas vezes. O texto em exame foi publicado pela primeira vez em 1937, pelo Ministério da Educação e Saúde na série Publicações do SPHAN.
Prefácio do Diretor do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional à 1ª Edição, de Rodrigo Melo Franco de Andrade
Prefácio do Autor à 2ª Edição, de Gilberto Freyre
Mucambos do Nordeste
Resumo :
A obra é bem ilustrada, por meio de pinturas. Ao abordar o mucambo, Gilberto Freyre observa que se a influência portuguesa, enriquecida pela moura, foi dominante na arquitetura doméstica mais nobre até o século XIX, na construção popular, a influência maior foi a africana ou a indígena, com algumas introduções européias, como portas e janelas de madeira. O mucambo, definido como o tipo de casa popular mais primitivo do nordeste, varia com a diversidade da vegetação e serviria como ilustração dos processos ecológicos do homem com o meio, tanto no sentido mais imediato, de obtenção de sua matéria-prima, como no sentido dado pela Escola Sociológica de Chicago, ou seja, em sua relação com fenômenos tais como competição, seleção, mobilidade e recesso. Identifica e delimita quatro grandes zonas – as da carnaúba, do buriti, da barriguda e do coqueiro da índia – onde o tipo de mucambo acompanharia a presença de tais espécies. Existem ainda mucambos feitos com coqueiro tucum e palha de cana na cobertura, mas sem área abrangente. Tal relação entre espécies e moradia corresponderia a verdadeiros complexos culturais. A carnaúba fornece não apenas o material da casa (armação, tapume, cobertura), como a esteira da vida cotidiana, a corda, a vassoura e chapéus. O buriti, por sua vez, também é empregado para a construção de balsas, verdadeiros mucambos flutuantes, usadas como habitação durante as longas viagens pelo rio Parnaíba. Nos mucambos feitos a partir do coqueiro da índia, pelo contrário, as paredes são de barro ou massapé, comparecendo o coqueiro na cobertura de palha e nos trançados de folhas das portas e janelas, que se repetem nos balaios, esteiras e chapéus. Nas construções mais primitivas, sem pregos, o cipó ou corda vegetal junta os componentes. O mucambo, segundo Freyre, teria várias qualidades. A iluminação e ventilação se davam por aberturas na empena, melhor do que por meio de janelas, o que, somado ao isolamento térmico da cobertura, lhe daria superioridade no desempenho climático. E, esteticamente, seria artisticamente honesto, com linhas simples e economia de ornamentos. Mesmo sua pequenez teria algo de encanto, além de favorecer a monogamia. Freyre observa estar havendo mudanças no material empregado nos mucambos. A cobertura vegetal, em vez de palha, cada vez mais emprega o capim-açu, mais barato e vendido já preparado para cobertura, nos mercados do Recife. Aponta também casos de troca da palha por telhas de zinco, como parte da absorção gradual de elementos da técnica europeia e do material industrial. No Prefácio do Autor à 2ª Edição, Freyre assinala o pioneirismo da obra e defende o mucambo contra o que chama de “mucambofobia”. Argumenta que os males que lhes são atribuídos têm outras causas, pois não só não seria anti-higiênico, como apresentaria melhor relação entre aeração e insolação do que as construções de alvenaria. Seus arquitetos anônimos seriam funcionais, mas sem desprezar a arte que estaria presente nos rebuscados trançados feitos com a palha. E se seria um arcaísmo nas paisagens urbanas do Nordeste, não seria no Nordeste como um todo. Ao contrário, seria a resposta ao problema da fixação do homem no espaço tropical, como construção vegetal que mescla tradições européias, ameríndias e africanas no âmbito do processo de destribalização e de ajustes à vida “civilizada”. Observa, por fim, a curiosa persistência das formas onde substâncias e funções se alteraram.