Biblioteca da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da UFBA.
Referência bibliográfica:
ABREU, Mauricio de Almeida. Reconstruindo uma história esquecida: origem e expansão inicial das favelas do Rio de Janeiro. In: Escritos sobre espaço e história / organização Fania Fridman, Rogério Haesbaert. – 1. ed. Rio de Janeiro: Garamond, 2014, p. 421-450.
Eixos de análise abordados:
Construção autogerida em meio urbano: espaços e técnicas
Território e etnicidade
Dados sobre o autor(es) e obra:
Maurício de Almeida Abreu (1948-2011) graduou-se em Geografia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (1970), concluiu mestrado (1973) e doutorado (1976) em Geografia pela Ohio State University. Foi professor titular do Departamento de Geografia da Universidade Federal do Rio de Janeiro, onde coordenou o Núcleo de Pesquisas de Geografia Histórica. Sua produção científica foi veiculada no Brasil e no exterior. Em 2011 recebeu a Medalha Pedro Ernesto da Câmara Municipal do Rio de Janeiro, o prêmio Milton Santos da ANPUR e o Prêmio da Academia Brasileira de Letras pelo seu livro "Geografia Histórica do Rio de Janeiro: séculos XVI e XVII". O Instituto Pereira Passos e a ANPEGE concederam seu nome a prêmios de melhor tese. Sua experiência na área de Geografia teve ênfase principal em Geografia Urbana e Geografia Histórica, notadamente no que ser refere à cidade do Rio de Janeiro.
O escrito tem por objetivo recuperar a história da origem e expansão inicial das favelas do Rio de Janeiro, concentrando a atenção no período entre o final do século XIX e as três primeiras décadas do século XX, de modo a resgatar toda uma história de luta pelo direito à cidade. O interesse pelo tema surgiu a partir do desconhecimento em torno dele, dificultado pelo processo laborioso de obtenção de informações, e pela grande difusão que tiveram dois trabalhos publicados nos anos 1960, que sustentam dados equivocados relacionados ao aparecimento dessas ocupações. Segundo o autor, esses trabalhos pecam ao sustentar que esse tipo de ocupação só teria se tornado peça evidente no cenário carioca a partir de 1940; e são eles: “Aspectos humanos da favela carioca”, publicado em 1960 pela Sagmacs (Sociedade de Análises Gráficas e Mecanográficas Aplicadas aos Complexos Sociais); e “Favelas do Rio de Janeiro – evolução, sentido”, de Lucien Parisse, 1969. Essa falha pode ser explicada pelos primeiros momentos de existência das favelas não ter sido acompanhado do seu reconhecimento legal, o que se deu a partir dos anos 40. O presente estudo carece de imagens, contendo apenas um desenho, e teve a imprensa como principal fonte, mas também contou com informações retiradas de arquivos. Ao dar início à explanação da sua tese, o autor aborda o quadro brasileiro e da cidade do Rio de Janeiro no final do século XIX e início do século XX, uma vez que analisar esse período é de fundamental importância para o entendimento do desenvolvimento urbano dessa cidade. Nessa análise temporal, o autor trata dos anos finais do Brasil Império, marcado pelos cortiços, como algo fundamental para a compreensão da história da cidade, e os primeiros anos do Brasil República, marcados pela transição entre sistemas de governo. Esse período de transição deixou como saldo a Reforma Pereira Passos (1903-1906), que esboçou o futuro da cidade. Segundo o autor, para entender o processo de formação das favelas cariocas, é necessário resgatar a relação existente entre essa reforma e o combate aos cortiços realizado no final do século XIX. Na virada do século, o Rio de Janeiro enfrentava constantes epidemias que assolavam a população, e instituições como a Inspetoria de Higiene Pública e a Academia de Medicina defendiam que os cortiços eram os grandes responsáveis por essas chagas, respaldando a guerra às habitações coletivas. O texto traz os argumentos higienistas que na época foram usados para legitimar a retirada dos cortiços do centro da cidade, assim como as consequências desse ato e os interesses que estavam por trás deles, resultando nas primeiras manifestações daquilo que, mais tarde, se consagrou com o termo “favela”. Com isso, o autor demonstra que o aparecimento dessas ocupações se dá anteriormente à Reforma de Pereira Passos. Apesar de já existir uma política de combate às habitações coletivas, foi com essa reforma que ela se concretizou, agravando, de uma vez, o problema da moradia. O autor se dedica então a explorar, em linhas gerais, o processo de expansão das favelas e a razão pela qual elas permaneceram no cenário carioca. Segundo ele, não há dúvidas que foi a partir do Morro da Providência que o termo incorporou-se ao cotidiano da cidade. Há indícios que a ocupação nesse morro iniciou entre 1893 e 1894, logo após a destruição do Cabeça de Porco, um dos cortiços mais populosos da cidade e que se situava no seu sopé. Esse quadro, por sua vez, reflete aquele instaurado nos tempos de cortiço, no qual a população carente da cidade necessitava que a moradia tivesse baixo custo e que se localizasse perto da sua fonte de emprego. Além de analisar a questão socioespacial, o autor explora a luta de resistência das favelas contra as ações do Estado nos anos subsequentes, e os diversos olhares que para elas foram lançados no decorrer do tempo. Nesse ponto, o texto descreve o olhar da imprensa para essas ocupações, que oscilava entre o apoio e a condenação, e também o do modernismo brasileiro, tendo esse último contribuído para sua permanência e sua ressignificação.
OLIVIERI, Alberto F. de Carvalho. O desenho da mudança social na arquitetura de invasão. Salvador: EDUFBA, 1994 (pré-textos).
Eixos de análise abordados:
Saberes tradicionais e espaço arquitetônico
Construção autogerida em meio urbano: espaços e técnicas
Dados sobre o autor(es) e obra:
Alberto Freire de Carvalho Olivieri possui graduação em Licenciatura e Urbanismo - Université de Paris VIII (1977), graduação em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade Federal da Bahia (1974), mestrado em DEA - Urbanismo e Planejamento - Université de Toulouse Le Mirail (1976), mestrado em Artes no Diplôme D'Etudes Approfondies em Artes das Imagens - Université de Paris VIII (2003) e doutorado em Urbanismo e Planejamento - Université de Toulouse Le Mirail (1979). Pós-Doutorado na Faculdade de Arquitetura de Toulouse - Laboratório de Computação Gráfica. Pós-Doutorado na Universite de Paris VIII - Arte das Imagens. Realizou dezenas de conferências no Brasil e no exterior, França, Portugal, Bulgária, Espanha, Turquia e faz parte do corpo editorial da editora l'Harmattan, Paris. Tem experiência na área de Arquitetura e Urbanismo e Desenho Técnico, com ênfase em História da Arte, da Imagem e do Desenho, e em Crítica e História da Arquitetura e do Urbanismo, atuando principalmente nos seguintes temas: arte contemporânea, corpo, arquitetura, desenho e linguagem.
TRAUMAS EM RELAÇÃO À ARQUITETURA NAS IMAGENS DA CIDADE E DA HABITAÇÃO.
IDENTIFICAÇÃO DE ASPIRAÇÕES ATRAVÉS DA APRESENTAÇÃO ICONOGRÁFICA
BIBLIOGRAFIA
Resumo :
Neste livro, Olivieri apresenta os resultados de um projeto realizado com uma população em situação de invasão localizada no Jardim da Armação, em Salvador, no ano de 1996. Inicialmente, o trabalho explorou os fatores que levam ao processo de mudança social. Através de enquetes e questionamentos foram definidas as variáveis determinantes para essa mudança, além de indicadores de desenvolvimento social, apresentados como variáveis condicionantes. As variáveis determinantes foram definidas como elementos definidores do desenvolvimento social da família, como por exemplo: renda familiar, o tempo de residência em salvador, o controle da natalidade ou o planejamento familiar, a escolaridade e o grau de especialização. As variáveis condicionantes foram obtidas através do somatório de questões referentes à habitação, aos níveis de higiene e alimentação, aos cuidados infantis, à qualidade da vida conjugal, à relação com familiares e com a vizinhança. Através da superposição dessas variáveis condicionantes e determinantes, foi possível identificar que variáveis determinantes seriam mais responsáveis pelo processo de mudança social. Uma vez obtidos esses dados, foi definido um grupo de famílias potencialmente mais aptas à mudança social para ser comparado com outras que apresentaram maiores índices de desenvolvimento, identificando-se, dessa forma, os fatores que levaram a essa mudança. Dentre as dez famílias com maior potencial em relação às variáveis determinantes, apenas quatro obtiveram os melhores níveis com relação às variáveis condicionantes, demonstrando-se que os fatores de mudança social são muito subjetivos, e que se o grupo social não está inserido na cultura e na produção global, não se pode estudá-lo com os métodos usuais. Partindo dessas observações, o autor adentra em uma análise mais detalhada das variáveis determinantes, e conclui que algumas são mais definidoras que outras em relação à situação de mudança. Alguns entrevistados que obtiveram maior pontuação nas variáveis condicionantes não possuíram as melhores rendas e essa situação aparentemente paradoxal denota que o rendimento não é um fator fundamental e isolado dos outros que influem na qualidade de vida da população de baixa renda. A renda familiar tem peso fundamental se atrelada a um emprego estável, a uma profissão definida e ao nível de escolaridade. Este último fator mostrou um grande poder de mudança, pois as cinco famílias melhor classificadas possuíam os melhores níveis de escolaridade, apesar de uma média salarial abaixo daquela do grupo total de entrevistados. Outro indicador de bons resultados foi o tempo de residência em Salvador, o que reflete a importância do grau de integração com a cultura urbana. Em seguida, o autor explora os processos de marginalização e segmentação do território segundo os interesses do capital e as condições habitacionais da invasão. Ele pontua que a falta de propriedade do solo restringe a melhoria da qualidade habitacional, pois, diante da possibilidade de ser removida a qualquer hora, a população faz uso de materiais com pouca durabilidade. A totalidade das habitações analisadas foi construída com a utilização de barrotes de madeira, de folhas de compensado provenientes, em sua maioria, de restos de outras construções e com cobertura em telha de cimento amianto. Também foi observada durante a aplicação dos questionários, a utilização de objetos decorativos, o que denota uma preocupação com o habitat característica de um grupo nível educacional mais elevado e com maior perspectiva de mudança. As pessoas que tinham os melhores padrões habitacionais com relação ao desenho e à representação espacial da casa também detinham bons níveis de escolaridade. Olivieri aborda também o grau de satisfação em relação ao espaço e às necessidades de realização e aspiração no nível da habitação e em relação ao bairro. Em nenhum caso os entrevistados expressaram vontade de morar em outro lugar, apesar de almejarem melhorias com relação à casa, à insalubridade, à segurança e a serviços como luz elétrica. A boa vizinhança, a facilidade do transporte e a proximidade do trabalho foram identificados como os principais motivos para esse sentimento de permanência. No capítulo, “Traumas em relação à arquitetura nas imagens da cidade e da habitação”, buscou-se a relação dos elementos simbólicos transmitidos pelos diversos tipos de arquitetura com relação ao espaço urbano. Para isso, foram apresentadas aos entrevistados algumas fotografias e, em seguida, questões relativas ao espaço da cidade. Com base nisso, eles deveriam contar uma estória a fim de que fossem detectadas as emoções e reações do indivíduo, tornando possível, assim, se determinar o significado da arquitetura para o habitante da invasão. Ao final do livro o autor compila essas estórias.
Bibliotecas do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional.
Referência bibliográfica:
ANDRADE,Antonio Luiz Dias de. "Aldeia de Carapicuiba". In: MORI,V.H.,SOUZA, M.C.S., BASTOS, R.L e GALLO, H. (orgs) Patrimônio: Atualizando o Debate. São Paulo: 9ª SR/IPHAN, 2006, p. 24-32.
Eixos de análise abordados:
Saberes tradicionais e espaço arquitetônico
Tecnologia tradicional no território e na edificação: vigências e usos contemporãneos
Construção autogerida em meio urbano: espaços e técnicas
Dados sobre o autor(es) e obra:
Antonio Luiz Dias de Andrade (1948-1997) formou-se em Arquitetura na FAU-USP onde também realizou os cursos de mestrado e doutorado e atuou como professor a partir de 1976. Dirigiu a Superintendência do IPHAN em São Paulo de 1978 a 1994, atuando também no período como Conselheiro do Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico Artístico Arquitetônico e Turístico de São Paulo – Condephaat. Pesquisador da arquitetura e das técnicas construtivas, especializou-se em restauração e conservação do patrimônio edificado, tendo realizado vários projetos e obras neste campo, além de publicado trabalhos relativos à preservação do patrimônio cultural e à arquitetura vernacular do Vale do Paraíba. Este artigo é uma reedição.
Sumário obra:
Não se aplica
Resumo :
O estudo dialoga com antiga pesquisa realizada por Luis Saia, em 1938, sobre a Aldeia de Carapicuíba, localidade tombada pelo IPHAN que pertencente ao município de mesmo nome localizado na região metropolitana de São Paulo. Trata-se de estudo arquitetônico de caráter tipológico que contém também uma abordagem histórica e de cunho etnográfico, neste último aspecto, influenciada pelo estudo de Pierre Bourdieu sobre a casa Cabila e pelos de Carlos Lemos relativos ao uso social dos espaços na arquitetura tradicional brasileira. Contém ainda interessante documentação gráfica e fotográfica sobre a arquitetura popular produzida no local. O estudo objetiva mostrar como transformações econômicas, sociais e culturais impactam o espaço arquitetônico e urbano, podendo ser “lidas” através dos traços e estratos que deixam nesses espaços. A Aldeia de Carapicuíba foi escolhida como objeto de estudo por ser o único exemplo de aldeamento jesuítico que manteve por mais tempo padrões pré-estabelecidos de organização social e por existirem dados acessíveis relativos à natureza das atividades aí desenvolvidas. O autor inicia o texto descrevendo a implantação espacial e a situação atual do assentamento, ressaltando a permanência do partido jesuítico baseado na grande praça central circundada por habitações – o terreiro –, tendo em um dos lados, em posição de destaque, a capela. Descreve também as novas ocupações em torno deste núcleo, tanto no que toca às atividades produtivas como habitacionais. Assinala que embora as habitações sejam externamente semelhantes, dois tipos distintos de organização interna prevalecem a despeito da adoção comum da estrutura independente de madeira com vedações de taipa ou pau-a-pique: um que denomina de “erudito” e que identifica como decorrente de uma interpretação popular da casa típica do século XIX, organizada ao longo de um corredor central com distribuição clara de funções; e outro que caracteriza como simples justaposição de cômodos, sem evidência de “plano racional” de organização. Outros traços comuns das casas do terreiro seriam o partido que se acomoda à declividade do terreno e as coberturas em duas águas com cumeeira paralela à testada do lote. O autor comenta ainda o uso dos quintais como locais de serviço domésticos, preparação de alimentos, pequenos cultivos e criação de animais. Sobre as casas de construção mais recente, localizadas em loteamentos próximos do núcleo inicial, ressalta o padrão de implantação distinto do tradicional e caracterizado por cortes no terreno; a organização interna que tem como traço distintivo a sobreposição de funções; e o emprego de sistemas construtivos e materiais de construção variados como alvenaria de tijolos, blocos de concreto, folhas de zinco, placas de fibrocimento e lajes pré-moldadas. Por fim, são descritos os dois tipos de casas isoladas existentes em torno do núcleo central: as casas menores e mais antigas que não diferem das existentes no terreiro da aldeia e as casas maiores construídas mais recentemente em lotes maiores para lazer e recreio. O estudo conclui que a partir de um agenciamento padrão mais antigo, os espaços internos das habitações foram sendo reorganizados conforme as novas ordens sociais que surgem, as diferenças culturais e as disponibilidades econômicas.
BOURDIEU, Pierre. La Maison Kabile ou Le Monde Renversé. In: Echanges et communications – Mélanges offerts à C. Lévi-Strauss l’occasion de son 60e nniversaire.
Paris/La Haye: Mouton, 1970, p. 739-758.
LEMOS, Carlos. Pesquisas sobre habitação popular – 1964-1965. São Paulo: FAU/USP, 1976.
SAIA, Luis. Aldeia de Carapicuíba – original datilografado, 1938.
TURNER, John F. C & FICHTER, Robert. Freedom to Build. New York: Collier Macmillan, 1972.
Eixos de análise abordados:
Conceitos e métodos
Construção autogerida em meio urbano: espaços e técnicas
Dados sobre o autor(es) e obra:
John Turner (1927) nasceu em Londres e estudou na Architectural Association School of Architecture, graduando-se em 1954. Viveu no Peru entre 1957 e 1965, trabalhando para o governo peruano na promoção e formatação de ações comunitárias para a implantação de programas habitacionais baseados na autogestão e na autodeterminação em assentamentos populares e invasões urbanas. Viveu de 1965 a 1973 nos EUA, quando se associou ao MIT, em Cambridge, Massachussetts, EUA. Foi também pesquisador associado da Universidade Harvard. De volta a Londres, foi conferencista da Architectural Association and the Development Planning Unit, University College of London, até 1983. Mudou-se de Londres para a cidade de Hastings, em 1989, localizada na costa sul da Inglaterra, quando tornou-se o administrador do Hastings Trust, uma organização não-governamental dedicada ao desenvolvimento sustentável dessa cidade. Escreveu vários livros e artigos sobre habitação e assentamentos populares na América Latina, EUA, Ásia, África e Oriente Médio. Turner é uma das principais referências mundiais sobre o tema da habitação popular. A obra fichada é, segundo o próprio autor, precursora de outro livro de sua autoria, publicado em 1977, denominado Housing by People. Trata-se de coletânea de textos de vários autores e um trabalho pioneiro que mostra que, quando os moradores estão no controle, suas casas são melhores e mais baratas do as produzidas por programas governamentais ou grandes corporações.
Não foram encontradas informação biográficas sobre Robert Fichter na internet.
Sumário obra:
Sem acesso por meio do John Turner Archive.
Resumo :
Esta ficha corresponde à síntese dos capítulos 6 e 7 da obra Freedom to Build, ambos escritos por Turner e intitulados “The Reeducation of a Professional” e “Housing as a Verb”. No primeiro, o autor defende a tese de que embora as construções mudem de lugar para lugar, a “atividade básica de produção habitacional” não mudaria. Sua estrutura básica seria, portanto, universal, invariável e constante e, a fim de demonstrar esta tese, Turner descreve três projetos no Peru, de cujo desenvolvimento participou entre 1957 e 1962: um conjunto escolar construído em Tiabaya; um projeto de autoconstrução assistida (ou mutirão) em Arequipa e uma experiência de crédito habitacional na barriada de Huascarán, em Lima. No primeiro caso, um projeto convencional do Ministério da Educação foi substituindo por outro a ser realizado com técnicas construtivas e materiais locais, o que permitiria obter mais espaço com custo menor. Embora o conselho local tenha concordado com esta proposta, iniciou a construção em concreto e tijolos, o que inviabilizou sua execução devido ao alto custo final. Turner conclui que este malogro resultou de uma imposição, já que, para os locais, a técnica tradicional significava a pobreza e o atraso do qual queriam sair, devendo a escola ser um símbolo do progresso. O projeto de mutirão, por sua vez, gerou uma administração pesada por parte da agência pública encarregada e a necessidade de envolvimento de muitos atores públicos e privados com pouco resultado. A experiência, contudo, levava em conta as necessidades da população e o modo progressivo de construir nas invasões peruanas. O objetivo era diminuir o tempo de conclusão das habitações de 10 para 2 anos. Turner avalia que, neste caso, o erro foi a crença de que o staff profissional sabia produzir casas melhor do que as pessoas, o que tirou o controle da operação e as decisões cruciais das mãos dos “clientes”. Defende então o incentivo às “formas autônomas de organização” e observa que essas duas experiências lhe ensinaram que se deve trabalhar “com” as pessoas e não “para” elas. A experiência de Huascarán, por fim, demonstra as vantagens das ideias de autogestão e autonomia na produção habitacional, por meio da provisão de assistência técnica, da supervisão e da concessão de empréstimos a juros subsidiados. Os custos de operação para a agência pública, neste caso, caíram para 4%, contra os 8 ou 7 % das contratações diretas e os 15 a 25 % dos mutirões. Turner conclui que este método e aquele no qual o poder público fornece o material são mais produtivos do que a construção de conjuntos habitacionais e projetos em mutirão. Conclui também que, diante do crescimento demográfico dos países em desenvolvimento, suas migrações e pequenos orçamentos governamentais, seria impossível para a autoridade pública assumir a responsabilidade da provisão em massa de habitações, pois, nesse sistema, as decisões são verticais e a operação é inflexível. Por fim, Turner avalia que a “autoridade profissional” pode reduzir a capacidade de ouvir e de aprender com quem de fato sabe. No capítulo 7, Turner contrapõe a ideia de habitação como um produto pronto, à noção de habitar como um processo. Advoga o abandono dos padrões de completude da habitabilidade, em favor da avaliação do valor que as habitações têm para as pessoas. Na produção habitacional os problemas seriam definidos em termos de padrões materiais e os valores julgados pela qualidade do produzido. Turner entende que esses padrões poderiam ser, no máximo, indicadores do que se pode fazer pelas pessoas, cabendo a elas a verdadeira avaliação dos produtos. Como os principais atores econômicos, sociais e psicológicos da atividade habitacional, os usuários deveriam ter o poder de decisão. Demonstra então, ao longo do texto, as desvantagens das decisões centralizadas e padronizadas e as vantagens das locais, mais adaptadas e flexíveis. Considerando os componentes básicos da produção habitacional - terreno, ferramentas e materiais, trabalho especializado, administração e sistema de troca que permita se obter o necessário - a pessoa poderia, no sistema local, combinar esses componentes acordo com suas posses e o que for permitido. Os sistemas governamentais ou privados hierarquizados não permitiriam essa variedade de combinação, induzindo a decisões limitadas. Para Turner, a produção habitacional deve ser um “sistema aberto” no qual o usuário controla o projeto, a construção e a administração, pois isso reduz em até 50% o custo das construções. Ademais, a casa autoproduzida geraria mais satisfação e desenvolvimento pessoal e social, pois seu valor estaria não em suas propriedades físicas, mas na capacidade de suprir as necessidades do usuário. Definir “habitar” como ação deve então incluir os atores, suas ações, conquistas, motivações e expectativas, além de um número significativo de variáveis que podem afetar seus resultados. Uma delas seria a demanda, que depende dos meios que os atores possuem e desejam investir. Quanto mais baixo o nível de renda, melhor deve ser a relação entre demanda e processo habitacional. A localização seria também uma variável, tão importante quanto o padrão material da casa. Além disso, o tipo de posse e a segurança material, financeira e emocional. A variedade de escolhas então é grande e para entende-las e antecipa-las seria preciso identificar as funções humanas e existenciais não quantificáveis que o processo de habitar pode ter. Se localização, posse e abrigo são funções essenciais da casa, elas podem adquirir formas específicas de acordo com a ordem de prioridades de cada segmento social e conforme o contexto. Assim, para uma ação habitacional viável seria preciso identificar essas necessidades básicas e específicas, ter informações sobre os recursos habitacionais disponíveis nos setores comerciais, privados e públicos, bem como sobre os possuídos pelos usuários. Esse conjunto de fatores e sua variabilidade leva Turner a concluir pela impossibilidade de uma ação habitacional consistente por parte de estruturas centralizadas públicas ou privadas. Nas economias de escassez, as pessoas mais pobres possuem o núcleo dos recursos para a ação habitacional por meio de suas pequenas poupanças e capacidades coletivas empresariais e artesanais, que ultrapassariam muito a capacidade dos grandes sistemas. Entende que diante dessas circunstâncias, o curso correto da ação pública seria garantir o suprimento de terrenos, materiais, ferramentas e capacidades para os usuários, juntamente com o crédito para que possam compra-los, num sistema aberto cujo resultado seria produto do diálogo entre os que regulam e os que fazem. O correto seria então trabalhar de modo não autoritário, separando funções legislativas e reguladoras daquelas de provisão de serviços econômicos e sociais, do seu uso e da função executiva. Assim, cada combinação pode ser única e adaptada à cada contexto e capacidade.Esta ficha corresponde à síntese dos capítulos 6 e 7 da obra Freedom to Build, ambos escritos por Turner e intitulados “The Reeducation of a Professional” e “Housing as a Verb”. No primeiro, o autor defende a tese de que embora as construções mudem de lugar para lugar, a “atividade básica de produção habitacional” não mudaria. Sua estrutura básica seria, portanto, universal, invariável e constante e, a fim de demonstrar esta tese, Turner descreve três projetos no Peru, de cujo desenvolvimento participou entre 1957 e 1962: um conjunto escolar construído em Tiabaya; um projeto de autoconstrução assistida (ou mutirão) em Arequipa e uma experiência de crédito habitacional na barriada de Huascarán, em Lima. No primeiro caso, um projeto convencional do Ministério da Educação foi substituindo por outro a ser realizado com técnicas construtivas e materiais locais, o que permitiria obter mais espaço com custo menor. Embora o conselho local tenha concordado com esta proposta, iniciou a construção em concreto e tijolos, o que inviabilizou sua execução devido ao alto custo final. Turner conclui que este malogro resultou de uma imposição, já que, para os locais, a técnica tradicional significava a pobreza e o atraso do qual queriam sair, devendo a escola ser um símbolo do progresso. O projeto de mutirão, por sua vez, gerou uma administração pesada por parte da agência pública encarregada e a necessidade de envolvimento de muitos atores públicos e privados com pouco resultado. A experiência, contudo, levava em conta as necessidades da população e o modo progressivo de construir nas invasões peruanas. O objetivo era diminuir o tempo de conclusão das habitações de 10 para 2 anos. Turner avalia que, neste caso, o erro foi a crença de que o staff profissional sabia produzir casas melhor do que as pessoas, o que tirou o controle da operação e as decisões cruciais das mãos dos “clientes”. Defende então o incentivo às “formas autônomas de organização” e observa que essas duas experiências lhe ensinaram que se deve trabalhar “com” as pessoas e não “para” elas. A experiência de Huascarán, por fim, demonstra as vantagens das ideias de autogestão e autonomia na produção habitacional, por meio da provisão de assistência técnica, da supervisão e da concessão de empréstimos a juros subsidiados. Os custos de operação para a agência pública, neste caso, caíram para 4%, contra os 8 ou 7 % das contratações diretas e os 15 a 25 % dos mutirões. Turner conclui que este método e aquele no qual o poder público fornece o material são mais produtivos do que a construção de conjuntos habitacionais e projetos em mutirão. Conclui também que, diante do crescimento demográfico dos países em desenvolvimento, suas migrações e pequenos orçamentos governamentais, seria impossível para a autoridade pública assumir a responsabilidade da provisão em massa de habitações, pois, nesse sistema, as decisões são verticais e a operação é inflexível. Por fim, Turner avalia que a “autoridade profissional” pode reduzir a capacidade de ouvir e de aprender com quem de fato sabe. No capítulo 7, Turner contrapõe a ideia de habitação como um produto pronto, à noção de habitar como um processo. Advoga o abandono dos padrões de completude da habitabilidade, em favor da avaliação do valor que as habitações têm para as pessoas. Na produção habitacional os problemas seriam definidos em termos de padrões materiais e os valores julgados pela qualidade do produzido. Turner entende que esses padrões poderiam ser, no máximo, indicadores do que se pode fazer pelas pessoas, cabendo a elas a verdadeira avaliação dos produtos. Como os principais atores econômicos, sociais e psicológicos da atividade habitacional, os usuários deveriam ter o poder de decisão. Demonstra então, ao longo do texto, as desvantagens das decisões centralizadas e padronizadas e as vantagens das locais, mais adaptadas e flexíveis. Considerando os componentes básicos da produção habitacional - terreno, ferramentas e materiais, trabalho especializado, administração e sistema de troca que permita se obter o necessário - a pessoa poderia, no sistema local, combinar esses componentes acordo com suas posses e o que for permitido. Os sistemas governamentais ou privados hierarquizados não permitiriam essa variedade de combinação, induzindo a decisões limitadas. Para Turner, a produção habitacional deve ser um “sistema aberto” no qual o usuário controla o projeto, a construção e a administração, pois isso reduz em até 50% o custo das construções. Ademais, a casa autoproduzida geraria mais satisfação e desenvolvimento pessoal e social, pois seu valor estaria não em suas propriedades físicas, mas na capacidade de suprir as necessidades do usuário. Definir “habitar” como ação deve então incluir os atores, suas ações, conquistas, motivações e expectativas, além de um número significativo de variáveis que podem afetar seus resultados. Uma delas seria a demanda, que depende dos meios que os atores possuem e desejam investir. Quanto mais baixo o nível de renda, melhor deve ser a relação entre demanda e processo habitacional. A localização seria também uma variável, tão importante quanto o padrão material da casa. Além disso, o tipo de posse e a segurança material, financeira e emocional. A variedade de escolhas então é grande e para entende-las e antecipa-las seria preciso identificar as funções humanas e existenciais não quantificáveis que o processo de habitar pode ter. Se localização, posse e abrigo são funções essenciais da casa, elas podem adquirir formas específicas de acordo com a ordem de prioridades de cada segmento social e conforme o contexto. Assim, para uma ação habitacional viável seria preciso identificar essas necessidades básicas e específicas, ter informações sobre os recursos habitacionais disponíveis nos setores comerciais, privados e públicos, bem como sobre os possuídos pelos usuários. Esse conjunto de fatores e sua variabilidade leva Turner a concluir pela impossibilidade de uma ação habitacional consistente por parte de estruturas centralizadas públicas ou privadas. Nas economias de escassez, as pessoas mais pobres possuem o núcleo dos recursos para a ação habitacional por meio de suas pequenas poupanças e capacidades coletivas empresariais e artesanais, que ultrapassariam muito a capacidade dos grandes sistemas. Entende que diante dessas circunstâncias, o curso correto da ação pública seria garantir o suprimento de terrenos, materiais, ferramentas e capacidades para os usuários, juntamente com o crédito para que possam compra-los, num sistema aberto cujo resultado seria produto do diálogo entre os que regulam e os que fazem. O correto seria então trabalhar de modo não autoritário, separando funções legislativas e reguladoras daquelas de provisão de serviços econômicos e sociais, do seu uso e da função executiva. Assim, cada combinação pode ser única e adaptada à cada contexto e capacidade.
TURNER, John F. C. Housing by People: towards autonomy in building environments. New York: Pantheon Books, 1977.
Eixos de análise abordados:
Conceitos e métodos
Construção autogerida em meio urbano: espaços e técnicas
Dados sobre o autor(es) e obra:
John Turner (1927) nasceu em Londres e estudou na Architectural Association School of Architecture, graduando-se em 1954. Viveu no Peru entre 1957 e 1965, trabalhando para o governo peruano na promoção e formatação de ações comunitárias para a implantação de programas habitacionais baseados na autogestão e na autodeterminação em assentamentos populares e invasões urbanas. Viveu de 1965 a 1973 nos EUA, quando se associou ao MIT, em Cambridge, Massachussetts, EUA. Foi também pesquisador associado da Universidade Harvard. De volta a Londres, foi conferencista da Architectural Association and the Development Planning Unit, University College of London, até 1983. Mudou-se de Londres para a cidade de Hastings, em 1989, localizada na costa sul da Inglaterra, quando tornou-se o administrador do Hastings Trust, uma organização não-governamental dedicada ao desenvolvimento sustentável dessa cidade. Escreveu vários livros e artigos sobre habitação e assentamentos populares na América Latina, EUA, Ásia, África e Oriente Médio. Turner é uma das principais referências mundiais sobre o tema da habitação popular. Na introdução a esta edição americana (1a edição: London, Marion Boyars Publishers, 1976), Turner informa que o precursor deste livro é a coletânea de artigos intitulada Freedom to Build, organizada por ele e Robert Fichter (New York: Macmillan Publishers, 1972). Esta edição conta ainda com um prefácio de Colin Ward, outro importante estudioso do tema.
O livro é um libelo contra as políticas centralizadas (em termos de elaboração, execução e administração) de produção de habitacional que Turner denomina de “heterônomas” ou contrárias à autonomia. Segundo ele, essas políticas geram disfunções econômicas, materiais e sociais, com resultados contraproducentes. As principais referências teóricas do autor são Patrick Geddes, Bertalanffy e Lewis Mumford. Do primeiro adota modelos de interpretação da interação entre organismos, funções e ambiente, adaptando-os ao processo de produção habitacional. Critica as políticas habitacionais capitalistas e do bloco comunista, mas mantém um viés socialista ligado ao pensamento de Thomas More, John Ruskin e William Morris, de onde vem sua crítica à sociedade industrial, às suas grandes organizações, bem como sua defesa de uma economia baseada no aproveitamento de recursos locais e na iniciativa individual e grupal. Sua metodologia se apoia no estudo de casos empíricos e na identificação de padrões, a partir dos quais explicita conceitos básicos, princípios e métodos que considera fundamentais para a revisão dessas políticas de produção habitacional. Sua revisão se pauta na rearticulação e redistribuição de papéis entre atores sociais, privados e governamentais, com vistas: a favorecer a autonomia e a autodeterminação pessoal e local; a facilitar o acesso aos recursos básicos da produção habitacional (crédito, terreno ou imóveis com localização adequada e preço acessível, ferramentas, materiais e pessoal adequados) e a promover a autogestão do processo por parte dos beneficiários. Turner advoga, portanto, que as decisões relativas à habitação sejam tomadas por quem as habita, por associações ou empresas locais porque isso geraria mais riqueza em proporção à renda dos beneficiários. No primeiro capítulo, trata-se a decisão sobre a habitação como uma questão central, apontando as diferenças entre os sistemas de produção autônomos e heterônomos. “Autonomia” com relação ao ambiente construído significa, neste contexto, autodeterminação e autogestão no nível local, mas o conceito não se reduz às ideias de autoconstrução ou mutirão, pois, para Turner, essas modalidades de provisão habitacional colocam para o beneficiário uma carga excessiva em termos de energia e tempo pessoal. No segundo capítulo, são trabalhadas as disfunções econômicas, financeiras e sociais resultantes dos esquemas habitacionais das grandes organizações centralizadas, ou “heterônomas”, em comparação com o resultado eficiente, e gerador de riqueza, que seria obtido nos esquemas individuais ou cooperativos ligados ao plano local. Nos capítulos 3, 4 e 5, Turner elabora um diagnóstico da situação vigente no Peru e no México a partir de alguns estudos de caso, em relação aos quais discute os valores humanos e econômicos ligados à habitação e as instâncias decisórias relacionadas à produção habitacional. Neste exame, identifica dois aparentes paradoxos gerados pelas políticas governamentais: a habitação melhor em termos físicos, em geral, não é a melhor para as pessoas, e os pobres da América Latina, com seus próprios meios, suprem melhor suas necessidades habitacionais do que o governo. Nos capítulos 6 a 8, o autor apresenta uma “teoria do ambiente construído” em termos dos seus princípios, aspectos práticos e modalidades de participação com vistas a uma produção habitacional positiva em termos sociais, culturais e econômicos. No capítulo 9, por fim, apresenta as bases para a implantação um programa de pesquisa e ação neste campo. Para Turner, os princípios que devem governar programas de ação no campo habitacional são: (1) autogestão (permitindo uma ampla variedade de soluções); (2) uso de tecnologias habitacionais apropriadas ao uso dos recursos locais disponíveis; (3) planejamento habitacional regulado, decorrente de uma ação central que põe limites à ação privada e garante acesso e distribuição equitativa dos recursos disponíveis. A colocação em prática desses princípios apontaria três problemas práticos relativos ao planejamento de estratégias efetivas, à identificação dos instrumentos da política e ao estabelecimento de objetivos realistas. O planejamento de estratégias efetivas implicaria reconhecer a melhor combinação entre os níveis de ação e de autoridade que permita estabelecer um quadro institucional adequado. Turner avalia que ações como provimento de infraestrutura, serviços públicos, abastecimento de água, financiamento e controle fundiário são melhor organizadas, em larga escala, pelos níveis regional, nacional ou mesmo internacional. Quanto aos instrumentos práticos da política, defende instrumentos tecnológicos voltados para um uso mínimo de recursos não-renováveis, já que os renováveis seriam acessíveis às pessoas e instâncias locais que teriam, inclusive, capacidade de usá-los e manipulá-los na construção e manutenção predial. Os instrumentos gerenciais adequados teriam a ver com a possibilidade de combinar apropriadamente as pessoas, seu ambiente e sua contribuição com o valor dos serviços que elas podem ter/alcançar. Sobre a questão central de quem participa em qual decisão, Turner conclui que a melhor combinação é aquela em que as autoridades centrais asseguram o acesso pessoal e local aos recursos essenciais da provisão habitacional e em que os cidadãos participam do planejamento dos recursos e da infraestrutura necessária. Avalia, contudo, que é preciso distinguir entre dois tipos básicos de controle: o que coloca especificações sobre o que deve ser feito e determina procedimentos que devem ser seguidos, e o que coloca limites ao que pode ser feito e deixa o ator livre para encontrar seu caminho. Turner opta por essa segunda via e conclui o livro defendendo a implementação de um programa de ação e pesquisa que contenha as seguintes propostas: (1) implantação de rede de comunicação internacional que amplie o acesso a informações e reduza o risco de exploração local por parte dos poderes centralizados; (2) implantação de centros de informação interconectados para coleta, indexação e disponibilização de casos referenciais; (3) instituição de “escola do ambiente construído” que reconheça as experiências positivas das invasões e assentamentos informais, dos pequenos grupos e organizações; (4) elaboração de legislação capaz de gerar formas autogovernadas de produção habitacional.
VAZ, Lilian Fessler. Contribuição ao Estudo da Produção e Transformação do Espaço da Habitação Popular - As Habitações Coletivas no Rio Antigo. Dissertação de Mestrado em Ciências (Planejamento e Urbanismo Regional) – Universidade Federal do Rio de Janeiro, 1985.
Eixos de análise abordados:
Conceitos e métodos
Saberes tradicionais e espaço arquitetônico
Dados sobre o autor(es) e obra:
Lílian Fessler Vaz possui graduação no Curso de Arquitetura e Urbanismo da UFRJ (1967), mestrado em Planejamento Urbano e Regional pela UFRJ (1985), doutorado em Arquitetura e Urbanismo pela USP (1994) e pós-doutorado na Fondation Maison des sciences de l’ homme (MSH), de Paris (2002). Atualmente é professora colaboradora voluntária do Programa de Pós-Graduação em Urbanismo PROURB/FAU/UFRJ, consultora do CNPq, da CAPES e de outras instituições. Foi coordenadora do PROURB (gestão 2008-2009 e 1998-2000), membro da diretoria da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Planejamento Urbano e Regional - ANPUR (gestão 2011-2013 e 1998-1999), da comissão editorial da Revista Brasileira de Estudos Urbanos e Regionais da ANPUR, coordenadora de convênios CAPES/DAAD e ProCultura CAPES/MinC e membro de convênios internacionais CAPES/COFECUB e CAPES/DAAD. Tem experiência na área de Planejamento Urbano, Arquitetura e Urbanismo, com ênfase em Cultura Urbana, Habitação e História da Cidade e do Urbanismo, atuando principalmente nos seguintes temas: urbanismo, história urbana, cultura urbana, habitação e Rio de Janeiro.
A autora investiga o espaço da habitação popular na cidade do Rio de Janeiro, no século XIX, num período de transição econômica e social marcado pela intensificação da divisão social do trabalho, o que gerou transformações profundas no espaço arquitetônico e urbano. A pesquisa tem como objeto a habitação popular coletiva, ou cortiço, que é analisado quanto à sua arquitetura, significados, conteúdos, evolução e determinações incidentes. O cortiço é abordado como tema da história do Rio de Janeiro, assinalando-se o desprezo com que foi tratado pela história da arquitetura. Uma das intenções deste estudo é resgatar as características desta habitação popular, para além das que foram apontadas pelos médicos e sanitaristas. Para tanto, foram investigados aspectos comumente não abordados da moradia popular e sua estreita ligação com as transformações urbanas. A dissertação descreve o contexto histórico do Rio, o funcionamento da cidade, como espaços foram surgindo e como as habitações foram se modificando e propiciando transformações no sentido do habitar, em termos formais, funcionais, técnicos e estéticos. Antes de analisar o cortiço, a autora aborda as várias tipologias existentes de habitação popular: térreas e sobrados, habitações coletivas, estalagens, casas de cômodos e a “avenida” de casas enfileiradas. Descreve o uso, a permanência, a disposição dos espaços e as mudanças que foram ocorrendo nessas habitações populares tradicionais e mostra em desenhos como era o seu uso. O surgimento das habitações coletivas é descrito e aponta-se que a tipologia assume vários nomes, correspondendo a diferentes formas arquitetônicas, sendo o mais comum o cortiço, que também é visto como símbolo do século XIX. Textos da época que conceituam o cortiço são mencionados e são feitas comparações entre o cortiço e a senzala, pontuando-se suas diferenças. São ainda ressaltadas as semelhanças e diferenças entre estalagem e cortiço e detalhado o surgimento de outras denominações e modalidades ou variações de habitações coletivas, como a casa de cômodos e a “avenida”. Segundo a autora, para se estudar as habitações coletivas que existiam no Rio de Janeiro, é preciso considerar o próprio nome dado à habitação, que indica, por um lado, o grupamento de moradores e, por outro, o uso coletivo de uma série de equipamentos. O cortiço, a estalagem, a casa de cômodos e as“avenidas” podem também ser vistos como resistências às transformações em curso, especialmente à especialização funcional da área central de negócios do Rio de Janeiro e à segregação social no espaço.
TURNER, John F. C. “The fits and misfits of peoples housing”. In: Freedom to Build, RIBA Journal, No. 2, February, 1974, páginas não numeradas.
Eixos de análise abordados:
Conceitos e métodos
Construção autogerida em meio urbano: espaços e técnicas
Dados sobre o autor(es) e obra:
John Turner (1927) nasceu em Londres e estudou na Architectural Association School of Architecture, graduando-se em 1954. Viveu no Peru entre 1957 e 1965, trabalhando para o governo peruano na promoção e formatação de ações comunitárias para a implantação de programas habitacionais baseados na autogestão e na autodeterminação em assentamentos populares e invasões urbanas. Viveu de 1965 a 1973 nos EUA, quando se associou ao MIT, em Cambridge, Massachussetts, EUA. Foi também pesquisador associado da Universidade Harvard. De volta a Londres, foi conferencista da Architectural Association and the Development Planning Unit, University College of London, até 1983. Mudou-se de Londres para a cidade de Hastings, em 1989, localizada na costa sul da Inglaterra, quando tornou-se o administrador do Hastings Trust, uma organização não-governamental dedicada ao desenvolvimento sustentável dessa cidade. Escreveu vários livros e artigos sobre habitação e assentamentos populares na América Latina, EUA, Ásia, África e Oriente Médio. Turner é uma das principais referências mundiais sobre o tema da habitação popular. A obra fichada corresponde ao número 8 da Revista Architectural Design, o qual foi organizado por Turner e trata exclusivamente da questão habitacional na América do Sul.
O artigo é um depoimento de Turner sobre sua experiência na América Latina e uma oportunidade que cria, a partir dos exemplos que evoca, de demonstrar suas ideias sobre o papel das agências governamentais, planejadores e arquitetos na produção habitacional e na construção popular autogerida em países em desenvolvimento. Para tanto, cita exemplos brasileiros como os Alagados, em Salvador - BA, e os conjuntos habitacionais do BNH nos anos 1960. Define o assentamento dos Alagados como um “ecossistema” e os conjuntos habitacionais como um “antissistema”. Nos Alagados, o meio de vida dos seus habitantes (então ainda majoritariamente pescadores e catadores) articula-se ao modo como constroem suas casas em palafitas e como aproveitam o lixo da cidade serve para, ao mesmo tempo, produzir terreno e alimentar os porcos que criam. Com as economias geradas por esse “ecossistema”, os habitantes melhoram suas habitações, substituindo palafitas de madeira por casas de alvenaria em terreno firme. Além disso, mantêm-se próximos de suas áreas de trabalho. Já os conjuntos habitacionais constituiriam um sistema desequilibrado e disfuncional que drena recursos públicos e não resolve o problema das pessoas, já que parte considerável da renda dos moradores é transferida para o pagamento das prestações dessas operações custosas e socialmente pouco significativas. Assim, os conjuntos habitacionais serviriam mais para promover dirigentes políticos do que para melhorar a vida dos pobres. Com base nesses exemplos, Turner explicita suas teses. Na primeira afirma que o assentamento popular construído pelos próprios habitantes é social, cultural e economicamente melhor do que os programas habitacionais governamentais. A segunda tese é que nem sempre o que é julgado bom, belo ou adequado pelo topo da pirâmide social, é também para os mais pobres. Turner defende então a mudança do conceito de padrão habitacional estabelecido por uma ótica estética e higienista, por outro baseado no que de fato é capaz de melhorar a vida das pessoas. Enfim, propõe que se substitua essa abordagem pelo reconhecimento do valor existencial e de uso das coisas. A terceira tese que Turner defende neste artigo é a de que autonomia gera economia e que a produção habitacional de baixa renda deve ficar sob o controle do morador/proprietário, cabendo ao governo o papel de apoiador, coordenador e financiador dos esforços populares. A quarta tese diz respeito aos sistemas centralizados e governamentais de produção habitacional que, a seu ver, não funcionam e são economicamente disfuncionais porque não lidam com uma demanda habitacional efetiva e atuam num contexto em que os mais pobres já controlam grande parte dos meios para a produção habitacional, realizando-a de modo mais eficiente do que os sistemas profissionais. Turner finaliza o artigo questionando os conceitos de centro e periferia, já que nesta última e no seio das classes populares, grandes lições estariam sendo dadas aos modelos e modos de pensar produzidos no centro.
TURNER, John F. C. “Dwelling Resources in South America”. Architectural Design 8, August 1963.
Eixos de análise abordados:
Conceitos e métodos
Saberes tradicionais e espaço arquitetônico
Construção autogerida em meio urbano: espaços e técnicas
Dados sobre o autor(es) e obra:
John Turner (1927) nasceu em Londres e estudou na Architectural Association School of Architecture, graduando-se em 1954. Viveu no Peru entre 1957 e 1965, trabalhando para o governo peruano na promoção e formatação de ações comunitárias para a implantação de programas habitacionais baseados na autogestão e na autodeterminação em assentamentos populares e invasões urbanas. Viveu de 1965 a 1973 nos EUA, quando se associou ao MIT, em Cambridge, Massachussetts, EUA. Foi também pesquisador associado da Universidade Harvard. De volta a Londres, foi conferencista da Architectural Association and the Development Planning Unit, University College of London, até 1983. Mudou-se de Londres para a cidade de Hastings, em 1989, localizada na costa sul da Inglaterra, quando tornou-se o administrador do Hastings Trust, uma organização não-governamental dedicada ao desenvolvimento sustentável dessa cidade. Escreveu vários livros e artigos sobre habitação e assentamentos populares na América Latina, EUA, Ásia, África e Oriente Médio. Turner é uma das principais referências mundiais sobre o tema da habitação popular. A obra fichada corresponde ao número 8 da Revista Architectural Design, o qual foi organizado por Turner e trata exclusivamente da questão habitacional na América do Sul.
Não foram encontradas informações biográficas sobre Catherine S. Turner, Patrick Cook e William Manguin na internet.
Sumário obra:
Não se aplica
Resumo :
A maior parte do material apresentado neste número da Revista Architectural Design é inédito e trata de experiências de produção habitacional na América do Sul. Pretende ser também uma contribuição à discussão do papel de arquitetos, planejadores e executivos nesses contextos de subdesenvolvimento. O pressuposto básico orientador da organização dos textos é que “o melhoramento e o desenvolvimento do ambiente da família e da comunidade local - casas, ruas, praças, locais de encontro – é parte integral e necessária do desenvolvimento econômico”. Dai emergem três questões que os autores buscam responder: quais são as funções e responsabilidades dos profissionais envolvidos e que políticas as agências especializadas devem perseguir? Que formas essas políticas devem adotar? Como essas formas podem ser implementadas e que procedimentos e métodos devem ser empregados? Além de Turner, participam do número Catherine S. Turner, Patrick Crook e William Mangin. O artigo deste último autor, Urbanisation case history in Peru, reconstitui, através de vida de um casal pobre, o processo de invasão de terrenos, construção de casas e organização comunitária nas “barriadas” de Lima, Peru. O texto demonstra o benefício econômico e social desse processo para a família retratada, bem como a capacidade de organização das comunidades envolvidas nessas invasões. Mostra também os sacrifícios e o longo tempo requerido para que cada família, sem nenhuma ajuda governamental, conclua sua casa e como esse esforço coletivo não é levado em conta por quem cuida da questão habitacional. Os demais artigos tratam de iniciativas e programas que são vistos pelos autores como exemplares pelos métodos utilizados e resultados obtidos. No primeiro programa descrito, desenvolvido pela divisão anti malária do Ministério da Saúde Pública da Venezuela, aponta-se o mérito de, ao invés de focalizar a construção maciça de casas populares, investir em educar, orientar e capacitar as pessoas para melhorar suas casas com uso de materiais locais, baratos e facilmente transportáveis. O próximo artigo de interesse para o estudo da arquitetura popular, “Lima barriadas today”, coloca esses assentamentos como o processo real de urbanização de áreas periféricas e solução social e quantitativamente adequada para o problema da urbanização acelerada do Peru nos anos 1960. Ressalta a falta de equipamentos, serviços urbanos e infraestrutura, com alto custo para os habitantes. Aponta-se, contudo, a melhoria da situação das famílias com a segurança vinda de uma propriedade de fato, mais salubre do que a que tinham, além da possibilidade de poupar e investir. O próximo texto trata do momento em que o governo peruano, após estudos realizados em 1958, substituiu a política de resistência às invasões por outra de reconhecimento e integração desses “assentamentos marginais” à cidade. A Lei de “Remodelação, Saneamento e Legalização de Assentamentos Marginais”, de 1961, incitou a implementação de um programa, com investimentos públicos e do BID, para dotar essas áreas de provimento de água, esgoto e eletricidade, transformando-as em distritos urbanos. Outro amplo programa foi também iniciado para ajudar na conclusão das casas, por meio de empréstimos em torno de 500 dólares para execução de cobertura, portas, janelas e instalações, concedidos de acordo com cada fase da construção. O artigo seguinte mostra a evolução dessa política de integração em barriadas recentes por meio de programa voltado para a implantação de embriões de casas com vistas ao seu desenvolvimento posterior por parte dos moradores. O apoio equivale à construção de muro em volta do terreno ocupado e da “fachada” que, depois, corresponderá à parede posterior da casa definitiva, além da provisão de água potável em bicas. Os três artigos seguintes tratam de experiências em Valparaíso, no Chile, na Colômbia e em Cuidad Guyana, na Venezuela. A primeira dá conta dos resultados positivos de um programa de produção habitacional por mutirão, através de cooperativa apoiada financeiramente por fundação privada. A segunda conta a trajetória do Instituto de Crédito Territorial da Colômbia (ICT) e de suas conquistas na área de produção habitacional nos anos 1960, quando abandona uma atuação baseada na contratação direta em favor da ajuda direta aos proprietários-construtores para a construção de embriões. A experiência seguinte trata do planejamento da Cidade Guyana, na Venezuela, onde a preocupação com aparência e padrões habitacionais surge como secundária e definida como primordial a localização e o traçado do assentamento. No final da revista, os autores concluem que uma política habitacional consistente deve estar baseada nos seguintes pontos: (1) participação dos habitantes, reconhecimento dos seus próprios recursos e reunião de outros para apoiá-los de várias maneiras; (2) governo com papel de coordenador/promotor de agentes e recursos disponíveis, provedor do capital-inicial e de assistência técnica, abandonando a ação unilateral e o papel de construtor/financiador; (3) redefinição do problema habitacional não mais como déficit relacionado a um padrão de habitação ideal, mas como um problema de tensão e equilíbrio entre demanda insatisfeita e recursos disponíveis cuja mobilização, coordenação e orientação é a chave para ações consistentes; (4) a forma do programa proposta pelo planejador e a da casa pelo arquiteto devem ser adequadas aos recursos disponíveis, às rápidas mudanças e dinâmicas do meio urbano e à busca de soluções arquitetônicas em etapas e negociadas com o proprietário/construtor. Assim, políticas exemplares seriam as que dão liberdade às pessoas, antecipam e respeitam a sequência em que suas construções são feitas e suas prioridades, provendo a segurança da posse da terra, o fornecimento de água potável e, por vezes, eletricidade. Os autores apontam o erro, contudo, de se apostar em projetos do tipo “faça-você-mesmo”, com oferecimento de materiais, pois, na maioria das vezes, o dono da casa contrata ou mobiliza pessoas para construir, compra ou arranja material, atuando muito mais como organizador/administrador. Essa seria então a grande capacidade popular, como mostrariam as enormes cidades construídas pelo povo. Todos os artigos são fartamente ilustrados com fotografias, desenhos, plantas e ilustrações. Muitos mostram a regularidade e a ortogonalidade do traçado das barriadas peruanas, o que, de um lado, pode ter facilitado sua integração à cidade e, de outro, indica uma possível influência da urbanística espanhola colonial no meio popular.
SANTOS, Carlos Nelson Ferreira dos. Movimentos Urbanos no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1981.
Eixos de análise abordados:
Conceitos e métodos
Construção autogerida em meio urbano: espaços e técnicas
Dados sobre o autor(es) e obra:
Carlos Nelson Ferreira dos Santos (1943-1989) foi arquiteto, antropólogo e urbanista. Carioca, graduou-se pela Faculdade Nacional de Arquitetura da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), realizou seu mestrado em Antropologia Social pelo Museu Nacional da UFRJ e o doutorado em arquitetura e urbanismo pela Universidade de São Paulo. Foi pesquisador visitante do Massachusetts Institut of Technology (MIT), Chefe do Centro de Pesquisas do IBAM e professor do Departamento Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal Fluminense. Muito atuante no campo do urbanismo no Rio de Janeiro, Carlos Nelson foi um dos pioneiros da ação em prol da urbanização de favelas. Escreveu diversos livros sobre este tema, sobre movimentos sociais urbanos, processo de urbanização e metropolização no Brasil. A obra fichada é vista por especialistas como uma das suas mais importantes e corresponde à publicação de sua pesquisa para a dissertação de mestrado que defendeu em 1979 junto ao Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social do Museu da Nacional da UFRJ, com o título de Três Movimentos Sociais Urbanos no Rio de Janeiro. A edição em foco é a primeira desta obra.
Sumário obra:
Introdução
Brás de Pina
Morro Azul
Catumbi
Conclusões
Bibliografia
Resumo :
O autor dedica-se nesta obra a construir uma teoria sobre movimentos sociais urbanos com base na etnografia de três movimentos dessa natureza ocorridos no Rio de Janeiro, entre os anos 1960 e 1970, em consequência de programas de erradicação de favelas e de renovação urbana. Debate, ainda, e desconstrói, com base nessas experiências, o conceito apresentado por Manuel Castells, no livro Movimientos Sociales Urbanos (Madrid: Siglo Veintiuno Eds, 1974) e o “mito”, então corrente, da existência de “comunidades faveladas”. Aponta o caráter transitório e derivado de momentos de crise que fundamenta a ação coletiva dos favelados e sua integração, em nível individual e coletivo, à lógica capitalista que preside a produção do espaço urbano, inclusive no que toca à apropriação de seus símbolos arquitetônicos e urbanísticos de status, por ocasião da implementação de planos de reurbanização. Assim, o tema da arquitetura e do assentamento popular não são os focos principais dessa obra, embora informações interessantes a esse respeito surjam no bojo dos trabalhos de campo desenvolvimentos nas três localidades examinadas: a favela de Brás de Pina, próxima à Av. Brasil; a favela do Morro Azul, no Flamengo, e o bairro do Catumbi, próximo ao centro da cidade. Essas informações encontram-se principalmente nos capítulos relativos a Brás de Pina e Morro Azul e tratam da história dessas ocupações, sua formação inicial e desenvolvimento dos espaços dos “barracos” – que ainda predominavam nas favelas cariocas – e do surgimento de uma arquitetura popular em alvenaria no âmbito dos planos de urbanização implementados ou idealizados. Sobre Brás de Pina, o autor assinala o esforço dos moradores na construção do terreno do assentamento, a partir do aterramento progressivo de uma área pantanosa. Assinala que as melhores casas e os espaços com melhor infraestrutura localizavam-se nas áreas ocupadas a mais tempo, mas sem relação direta com a renda dos moradores. Composto basicamente de barracos de madeira, muitos dos quais sobre palafitas, o assentamento possuía algumas ruas retilíneas e largas como prolongamentos de outras do bairro vizinho, sendo as demais, becos tortuosos que, na maioria, constituíam vias sem saída. A experiência de Brás de Pina adquiriu notoriedade por ter sido a primeira a advogar e realizar um plano de reurbanização, em reação à então vigente política de remoção. Foi conduzida, apesar dos problemas e contradições surgidos, de modo a promover a participação dos moradores, admitindo-se “padrões não convencionais para os materiais e espaços de moradia”, o que permitiu que os habitantes desenhassem ou escolhessem o desenho de suas casas nos novos lotes delimitados. Contudo, não eram obrigados a construí-las por ocasião da transferência para os novos lotes, mas apenas um banheiro ligado à rede de esgoto, podendo-se remontar os barracos no fundo, deixando-se a frente do lote livre para a nova construção. O autor aponta como traços principais das casas desenhadas ou escolhidas pelos moradores, a divisão em sala, cozinha, banheiro, área de serviço e dois quartos e a proposição de pequenas varandas e corredores – elementos, em geral, inexistentes nos barracos. Conclui que havia nas casas desenhadas pelos moradores uma tendência de “imitar” apartamentos cujas plantas são anunciadas nos jornais, incorporando-se também seus signos de status. O autor assinala ainda o surgimento, na implementação do plano de urbanização, de ações especulativas como a venda de “direitos” de permanência por parte de moradores que não tinham condições de construir, além da construção de espaços para aluguel. Com isso, ressalta a lógica capitalista de produção do espaço que também ocorre nesses casos, advogando que, ao invés de serem contidos ou ignorados, se busque aprender com eles. O assentamento de Morro Azul, por sua vez, é descrito como um “típico aglomerado irregular de moradia em encosta”, formado majoritariamente por barracos de madeira construídos em torno de becos íngremes. Embora numa escala muito menor do que em Brás de Pina, no Morro Azul a maioria dos moradores optou por construir suas casas segundo seus próprios desenhos, mas aí também não houve muita divergência entre estes e os resultantes de apoio técnico especializado. Devido à declividade do terreno, houve o aproveitamento do desnível para um porão ou cômodo de aluguel, mas o modelo de casa com sala, dois quartos, corredor, banheiro e cozinha foi o predominante. O autor classifica essas plantas como “racionalistas” e relacionadas às formas correntes de morar na cidade, o que também poderia ser dito sobre as casas de Brás de Pina. Estabelece uma comparação entre essas casas e os barracos existentes em Morro Azul, os quais tinham dimensões entre 4 e 35 m2 e divisões internas muito variadas, sendo o cômodo mais constante a cozinha. Nos casos em que existiam, os quartos eram mínimos e o corredor foi detectado em apenas um barraco. Os interiores desses barracos são descritos como atravancados, com móveis utilizados como divisórias, e circulação interna feita por cima deles ou a partir do recolhimento de camas e colchões durante o dia. Para o autor, a presença de sala e corredor constituiria um traço distintivo entre barraco e casa de alvenaria. No relato dessas experiências de urbanização, o autor questiona a prática do mutirão, observando que, sempre que possível, os moradores contrataram os serviços de construção, dedicando-se pessoalmente a ela apenas no fim de semana. O livro é ilustrado com desenhos e fotografias dos assentamentos comentados.
Referências bibliográficas citadas e de interesse para o estudo da arquitetura e do assentamento popular:
MEDINA, Carlos Alberto. “A favela como uma estrutura atomística: elementos descritivos e construtivos”. In: América Latina, 12, n° 3, Rio de Janeiro, 1969.
SALMEN, Lawrence. “Housing alternatives for the carioca working class: a comparison between favelas and casas de cômodos”. In: América Latina. Rio de Janeiro, 1970.
SANTOSA, Carlos Nelson F. dos. “Some considerations about possibilities of squatter settlement development plans”. Cambridge, Massachusetts: MIT, documento xerox.
TURNER, John. «Habitação de baixa renda no Brasil: políticas atuais e oportunidades futuras”. In: Revista de Arquitetura. Rio de Janeiro, 1968.
Autor(es):
Carlos Lemos
Onde encontrar:
Acervo da Biblioteca da Faculdade de Arquitetura da UFBA.
Referência bibliográfica:
LEMOS, Carlos A. C. Cozinhas, etc. São Paulo: Editora Perspectiva. 1978.
Eixos de análise abordados:
Conceitos e métodos
Saberes tradicionais e espaço arquitetônico
Dados sobre o autor(es) e obra:
Carlos Lemos é arquiteto e artista plástico. Considerado um dos principais historiadores da arquitetura brasileiros, fez parte da primeira turma de estudantes de arquitetura da Universidade Mackenzie, em 1946, em fase anterior à criação da FAUUSP, graduando-se em 1950. Nos primeiros anos de sua atuação profissional, foi membro da equipe de desenvolvimento do projeto do Parque do Ibirapuera e, de 1952 a 1957, dirigiu o escritório de Oscar Niemeyer em São Paulo, tendo sido o responsável pela conclusão de uma das principais obras deste arquiteto nesta cidade: o edifício Copan. Atuando como professor e pesquisador do Departamento de História da Arquitetura e Estética do Projeto da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAUUSP), também desempenhou papel de aguerrido defensor do patrimônio cultural brasileiro. Dentre suas outras obras publicadas, destacam-se os seguintes títulos: Arquitetura Brasileira (Editora Melhoramentos / EDUSP, 1987), História da Casa Brasileira (Editora Contexto, 1989), Alvenaria Burguesa(Editora Studio Nobel, 1989) e Casa paulista (Editora EDUSP, 1999). A obra em exame já teve várias edições, sendo a primeira de 1976 pela Editora Perspectiva.
Sumário obra:
Abreviaturas
Introdução
A Chaminé e a Fonte
O Pote, o Jirau e a Farinha
O Clima
Os Velhos Quintais e a Cozinha Antiga
A Varanda e o Açúcar
O Café e as Cidades
A Vida Urbana entre os dois Armistícios ou um Depoimento Pessoal
O Apartamento
A Habitação Popular, ou Melhor, a Casa Operária
Resumo Conclusivo
Bibliografia
Tabelas
Resumo :
Embora intitulado “Cozinhas, etc.”, Carlos Lemos deixa claro na Introdução a sua preocupação prioritária com a questão das moradias populares. Ou seja, a grande importância dada a um possível estudo da evolução histórica da moradia no Brasil, aqui, tem como objetivo a compreensão da “casa popular autêntica”, dentro do panorama da sociedade brasileira atual. Neste sentido, o autor vai buscar, inicialmente, definir o que seria efetivamente uma “casa popular ou operária”, entendo-a como aquela em que, diferentemente das habitações de outras classes sociais, encontra-se uma “superposição de quase todas as funções habitacionais”. Comentando acerca das dificuldades em desenvolver o estudo de modo aprofundado, abarcando toda a complexidade da realidade brasileira, o autor faz opção por apenas buscar entender “o que há de paulista na casa paulistana”. Ainda levando em conta a grande complexidade do campo da pesquisa, o autor também defende, como uma estratégia para o seu desenvolvimento, a opção de restringir ainda mais o seu campo de estudos, limitando-o à “análise das zonas de serviço de nossas casas e de suas funções principais, com respectivas superposições no espaço e consequentes implicações arquitetônicas”. No primeiro capitulo, intitulado “A Chaminé e a Fonte”, Lemos dedica-se a tecer considerações acerca das influências ibéricas e do seu processo de adaptação à realidade dos trópicos, particularizando no segundo capítulo – “O Pote, o Jirau e a Farinha” – as contribuições indígenas ao mesmo processo. Após abordar, no terceiro capítulo (O Clima), alguns aspectos relacionados às influências do clima nas lógicas de apropriação dos espaços da habitação tradicional, o autor, nos cinco capítulos subsequentes, toma como referências aspectos mais particulares da história e da realidade paulistas, dedicando-se a analisá-los quase que de modo cronológico: “Os Velhos Quintais e a Cozinha Antiga” (cap. 4), “A Varanda e o Açúcar” (cap. 5), “O Café e as Cidades” (cap. 6), “A Vida Urbana entre os dois Armistícios ou um Depoimento Pessoal” (cap.7) e “O Apartamento” (cap. 8). No capítulo 9 – “A Habitação Popular, ou Melhor, a Casa Operária” – Lemos volta a refletir acerca do conceito de “casa popular”, alertando para quão vago é o significado do adjetivo, propondo então a retomada da definição defendida por ele na Introdução. Agrega à característica que fundamenta a sua definição inicial de “casa popular” (superposição de funções), outras relacionadas à sua localização nas zonas urbanas e à sua distribuição no território, como também às técnicas e materiais construtivos utilizados. Registra o início da produção em grande escala de casas destinadas às camadas populares, à moradia dos trabalhadores urbanos, especialmente daqueles ligados à indústria. Faz algumas considerações acerca das mudanças implementadas no partido das pequenas casas dos arredores urbanos, ao longo da transição entre os séculos XIX e XX, registrando que algumas delas decorreram também da incorporação de influências da imigração italiana. Lemos diz que o advento do século XX chegou apresentando “duas soluções de casas operárias ou populares: a nacional, ou tradicional, e a nova do imigrante”. No capítulo 10 (Resumo Conclusivo), Lemos registra que – embora tenham sido várias as soluções de agenciamento das zonas de serviço nas habitações – em decorrência de aspectos tais como as variações climáticas, a diversidade de cenários e de poder aquisitivo, estas apresentavam soluções díspares: “ora a cozinha dentro de casa, outras vezes no quintal ou, então, a meio caminho, em puxado encostado à casa”. A partir daí busca explicar tal situação usando múltiplas justificativas de caráter histórico e cultural. Ao concluir faz considerações acerca da persistência da superposição de usos nas “casas modestas”, que o leva a questionar a validade do emprego do vocábulo “cozinha”, ironicamente admitindo o uso da expressão anglicizante “family room dos americanos para designar os locais de estar caseiro de nosso proletariado”. Finalizando, ao tratar da habitação burguesa, chama a atenção que, apesar da identificação das “determinantes da evolução formal por que passou a casa paulistana e a sua planta”, existe uma dinâmica que aponta lentamente para o desaparecimento de duas características ainda comuns: a questão da preocupação com as circulações, internas e externas e a segregação dos empregados nas dependências situadas nos fundos. “Fatalmente, um dia, a morada burguesa irá superpondo funções, até eliminar a cozinha, trocando o fogão pela mesa-quente aquecedora de comidas congeladas vindas dos supermercados”.