Biblioteca da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da UFBA.
Referência bibliográfica:
GUIMARAENS, Dinah; CAVALCANTI, Lauro. Morar: a casa brasileira. Rio de Janeiro: Avenir, 1984.
Eixos de análise abordados:
Saberes tradicionais e espaço arquitetônico
Construção autogerida em meio urbano: espaços e técnicas
Território e etnicidade
Dados sobre o autor(es) e obra:
Dinah Guimaraens nasceu em Belo Horizonte, em 1953. É professora do Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo - PPGAU e Coordenadora CAPES-Cofecub n. 752/12 A Estética Transcultural na Universidade Latino-Americana; Professora Adjunta III e Chefe do Departamento de Arquitetura - TAR (junho de 2013 a junho de 2015) da Escola de Arquitetura e Urbanismo - EAU da Universidade Federal Fluminense - UFF. Graduada em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade Santa Úrsula - USU (1978), com extensão universitária em Semiótica Visual pelo professor Umberto Eco (1979). Publicou, juntamente com Lauro Cavalcanti, livros sobre arquitetura vernacular como Arquitetura Kitsch Suburbana e Rural (1979, 2006) e Arquitetura de Motéis Cariocas: Espaço e Organização Social (1980, 2007). Outro livro de destaque é Museu de Artes e Origens: Mapa das Culturas Vivas Guaranis (2003). Possui mestrado em Antropologia Social pelo Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social - PPGAS- Museu Nacional - UFRJ (1992), mestrado em História Antiga e Medieval pelo Instituto de Filosofia e Ciências Sociais - IFCS - UFRJ (1992), doutorado em Antropologia Social pelo Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social - PPGAS - Museu Nacional - UFRJ (1998), e pós-doutorado em Antropologia pela University of New Mexico (1999). Técnica em museus desde 1983 e membro do ICOM (Conselho Internacional de Museus) da UNESCO. Arquiteta e antropóloga do Instituto Nacional do Folclore - INF - Museu Edison Carneiro; Instituto Nacional de Fotografia - INFOTO e Projeto Convergência Cultural da então FUNARTE. Chefe do Centro de Documentação - CEDOC e da Biblioteca de Artes da FUNARTE e Vice-Diretora do Museu Nacional de Belas Artes - IPHAN- MINC.
Lauro Cavalcanti nasceu no Rio de Janeiro, em 1954. É arquiteto, antropólogo e escritor. Escreveu vários livros sobre arquitetura, estética e sociedade e organizou diversas coletâneas sobre o assunto. É conselheiro da Casa Lucio Costa e da Fundação Oscar Niemeyer. Membro do conselho editorial do Iphan, é também diretor do Paço Imperial e professor da Escola Superior de Desenho Industrial (Esdi/Uerj). Possui graduação em Arquitetura pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (1979), mestrado em Antropologia Social pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (1987) e doutorado em Antropologia Social pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (1993). Atualmente é técnico em preservação cultural iv do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional e professor adjunto da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Tem experiência na área de Arquitetura e Urbanismo, com ênfase em Teoria da Arquitetura, atuando principalmente nos seguintes temas: arquitetura moderna, arquitetura, brasil, artes plásticas e arte.
Moradia e camadas médias: íntimo, social e serviço (Lauro Cavalcanti)
O construir na favela de Santa Marta (Dinah Guimaraens / Lauro Cavalcanti)
Signos do sagrado: arquitetura e religiões (Dinah Guimaraens / Lauro Cavalcanti)
Quem casa, quer casa: pau-a-pique em Vargem Grande (Dinah Guimaraens / Lauro Cavalcanti)
Moradia e identidade étnica (Dinah Guimaraens / Lauro Cavalcanti)
Terra do abandono: espaço e loucura (Dinah Guimaraens)
Resumo :
Compõem o livro seis textos produzidos entre 1981 e 1984, em que os autores usam como fio condutor o exame da relação do morador com o espaço residencial. O primeiro texto, intitulado “Moradia e camadas médias: íntimo, social e serviço”, objetiva analisar, sob a perspectiva antropológica, a organização espacial interna desses ambientes, apresentando como referência para o estudo as moradias cariocas de classe média, localizadas na zona sul e norte. Para tanto, o autor reflete sobre o atual modelo de residência que, desde o Modernismo, vem se mostrando marcado por uma valorização da privatização dos espaços. Após essa reflexão, dada no âmbito mundial do circuito formal de produção, se discute o caso brasileiro, que apresenta peculiaridade no setor de serviço, no qual se soma à imagem de ambiente evitado a de espaço denegrido. Aborda-se, individualmente, o setor social, íntimo e o de serviço, e, apesar de não fazer parte da organização espacial interna, também são feitas considerações a respeito da portaria dos edifícios, uma vez que, em nosso contexto, ela se apresenta como um demarcador social. O segundo texto, “O construir na favela de Santa Marta”, se destina a entender o que constitui essa realização. São abordadas informações gerais acerca do bairro, como o abastecimento de água, a capitação de esgoto, o fornecimento de energia, sendo os grandes focos de análise: as relações existentes na favela entre materialidade e tempo; materialidade e posse da terra; materialidade e linguagem arquitetônica; a contínua ocupação e o aproveitamento das potencialidades dos espaços ao longo das fases da obra; quem são os construtores e quais os seus papéis; as etapas construtivas e o grau de solicitação da comunidade sobre esses especialistas, assim como os significados sociais determinados por essa solicitação. Além disso, abordam o sistema de construção em mutirão e como a configuração da casa pode estar vinculada às batidas policiais, que são recorrentes no bairro. O terceiro texto, “Signos do sagrado: arquitetura e religião”, objetiva analisar como a religiosidade se expressa e influi na organização do espaço residencial. Segundo os autores, essas manifestações diferem conforme a crença professada, abordando no texto aquelas vinculadas à religião católica, à umbanda e à religião evangélica. Esse estudo lança mão de exemplos de construção popular, colhidos do livro “Arquitetura Kitsch Suburbana e Rural”, e do trabalho de pesquisa arquitetônica realizado na favela de Santa Marta, na zona sul carioca. Busca-se entender o modo como essas religiões separam o espaço ritualístico da moradia, assim como identificar essas manifestações religiosas nas habitações, e se a maneira como elas se evidenciam apresenta alguma relação com seu grau de aceitação social. O quarto texto, “Quem casa, quer casa: Pau-a-pique em Vargem Grande”, busca fazer um registro da técnica de construir em pau-a-pique nessa localidade, uma vez que há uma ameaça concreta de extinção por causa da expansão imobiliária em áreas vizinhas. Na região de Vargem Grande, a residência não é encarada como um bem a ser herdado, mas sim o pau-a-pique, o qual é transmitido de geração para geração, estando sua aplicação diretamente ligada aos ciclos da vida. Quanto à sua execução, são abordadas os seguintes elementos: fachada; cômodos; distribuição interna; materiais; localização e seleção do terreno; mutirão; e etapas construtivas. O quinto texto, “Moradia e identidade étnica”, procura analisar as possíveis relações entre grupos étnicos e as representações sobre a aparência de suas moradias. Para isso, toma-se como base um breve estudo de caso realizado numa pequena praia situada próxima à cidade de Angra dos Reis, onde estão localizadas em torno de sete casas, bem próximas umas das outras, como também algumas moradias de imigrantes analisadas no livro “Arquitetura Kitsch Suburbana e Rural”. Os autores concluem que cada etnia elabora sua noção de casa em contraposição à suposta aparência da casa de outros grupos étnicos, apresentando um “consenso no dissenso”. O sexto e último texto, “Terra do abandono: o espaço da loucura na Colônia Juliano Moreira”, se destina a analisar esse complexo hospitalar, que se localiza na cidade do Rio de Janeiro. O texto introduz dados acerca da ocupação tanto predial quanto humana do espaço, explica o modelo de funcionamento proposto para o hospital-colônia, sua finalidade, em que foi inspirado, e os pré-requisitos que deveriam ser atendidos no projeto. Além de abordar os aspectos relacionados à sua abertura e funcionamento (e, posteriormente, à desativação), a autora trata da apropriação do espaço pelos pacientes, enxergando-a como uma tentativa de resgate da memória individual, uma vez que esse sistema social anula suas identidades, assemelhando-se, segundo ela, aos campos de concentração. Essa apropriação é feita através de intervenções no ambiente da Colônia e nos chamados “corpos-casa”, caracterizados pelo armazenamento de objetos no próprio corpo, no interior das roupas e trouxas dos pacientes. Outro aspecto relevante do texto refere-se ao conceito de sujeira, que vem agregado à ideia de poluição social representada pela loucura, e que se encontra presente no hospital psiquiátrico através da nítida preocupação com a higiene corporal e com a limpeza dos domicílios. Os seis textos são, de modo geral, bem curtos e todos eles acompanhados de imagens.
MARICATO, Ermínia. Autoconstrução, a arquitetura possível. In: MARICATO, Ermínia (org). A produção capitalista da casa (e da cidade) no Brasil industrial. São Paulo. Editora Alfa-Ômega, 2ª ed., 1982, p. 71-93.
Eixos de análise abordados:
Conceitos e métodos
Construção autogerida em meio urbano: espaços e técnicas
Dados sobre o autor(es) e obra:
Ermínia Terezinha Menon Maricato possui graduação (1971), mestrado (1977), doutorado (1984), livre docência (1997) pela Universidade de São Paulo, onde é também professora titular (1998) de Arquitetura e Urbanismo. Foi professora visitante do Center of Human Settlements da Universidade da British Columbia e da Witswaterand University de Johannesburg. Foi coordenadora do curso de Pós-Graduação e Presidente da Comissão de Pesquisa da FAUUSP, além de membro do Conselho de Pesquisa da USP e fundadora do LASB-HAB - Laboratório de Habitação e Assentamentos Humanos da FAUUSP. Foi Secretária de Habitação e Desenvolvimento Urbano do Município de São Paulo (1989-1992) e formulou a proposta de criação do Ministério das Cidades onde foi Ministra Adjunta (2003-2005). Recebeu vários prêmios e publicou vários livros sobre habitação e desenvolvimento urbano. O artigo em exame foi originalmente apresentado na 28ª Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), em 1976, revisto parcialmente em 1978.
O artigo trata da produção da habitação e do assentamento popular no Brasil dos anos de 1970/80. O texto estabelece uma distinção importante entre os processos tradicionais de mutirão e ajuda mútua, reconhecidos como solidários, cooperativos e de base rural, e a “autoconstrução” habitacional nos grandes centros industriais. Se no campo, esses processos tenderam a desaparecer com a modernização, nas áreas metropolitanas adquirem cada vez mais importância como modo de produção da habitação da classe trabalhadora. Grande parte do artigo é dedicada à explicação das causas estruturais desse fenômeno, com base na análise marxista de articulação necessária entre exploração da força de trabalho e acumulação de capital. O conceito de autoconstrução proposto por Maricato designa o “processo de construção da casa (própria ou não)” por seus moradores que podem ser auxiliados por parentes, amigos, vizinhos ou por profissional remunerado (p. 74). Este processo se verificaria também na construção de igrejas, escolas primárias, creches e centros comunitários, estendendo-se ainda para o espaço urbano na forma de melhoria de ruas, calçadas, pontes, etc. Esta forma de produção habitacional ocorreria por falta de alternativa, correspondendo a “trabalho não pago” ou “supertrabalho” (apud Oliveira) e favorecendo a expansão capitalista. O tratamento da casa e do equipamento urbano como mercadorias, o salário baixo e os investimentos públicos ligados à dinamização econômica e à reprodução do capital estariam na raiz do problema e viabilizariam o desvio do orçamento público para outras finalidades e setores economicamente mais dinâmicos. A política do antigo Banco Nacional da Habitação (BNH) é evocada como exemplos desses desvios, mostrando-se que os agentes intermediários que recebem recursos do banco, retiram-se após produzir a habitação, e deixam a dívida e os problemas da construção para o trabalhador que conseguiu se inserir no sistema. A maioria, contudo, não consegue arcar com os custos dessa produção. A autoconstrução surge então como alternativa ou arquitetura possível, fomentando ainda o aparecimento das periferias urbanas. A casa autoconstruída é definida como um abrigo de alto valor de uso que contém o necessário para acolher a família e leva muitos anos para ser completada, o que impacta o seu estado de conservação. Como modo de produção, seria caracterizada pela articulação rígida de seus componentes, o que inviabilizaria qualquer manifestação inovadora no nível da técnica construtiva, dos materiais de construção ou das soluções formais. Identifica-se a preferência pelo bloco de concreto e pela laje pré-fabricada, devido ao seu baixo custo, mas as condições estritas do investimento popular tampouco permitiriam voos criadores, impulsionando uma padronização. O lote seria ainda um fator determinante do resultado, especialmente quando localizado em loteamentos clandestinos. Maricato conclui que a criação arquitetônica popular nesse contexto é uma ideia ingênua. Embora a análise se baseie em dados da Grande São Paulo, acredita que as conclusões desse estudo podem ser generalizadas para outras cidades, guardadas as especificidades vinculadas ao grau de industrialização.
LEMOS, Carlos e SAMPAIO, Maria Ruth Amaral de. “Evolução formal da casa popular paulistana”. São Paulo: FAUUSP, 1976.
_____________________. “A casa popular, mobiliário e aparelhos domésticos”. São Paulo: FAUUSP, Departamento de Projeto, Grupo de Disciplinas de Desenho Industrial, 1975.
TURNER, John F. C & FICHTER, Robert. Freedom to Build. New York: Collier Macmillan, 1972.
Eixos de análise abordados:
Conceitos e métodos
Construção autogerida em meio urbano: espaços e técnicas
Dados sobre o autor(es) e obra:
John Turner (1927) nasceu em Londres e estudou na Architectural Association School of Architecture, graduando-se em 1954. Viveu no Peru entre 1957 e 1965, trabalhando para o governo peruano na promoção e formatação de ações comunitárias para a implantação de programas habitacionais baseados na autogestão e na autodeterminação em assentamentos populares e invasões urbanas. Viveu de 1965 a 1973 nos EUA, quando se associou ao MIT, em Cambridge, Massachussetts, EUA. Foi também pesquisador associado da Universidade Harvard. De volta a Londres, foi conferencista da Architectural Association and the Development Planning Unit, University College of London, até 1983. Mudou-se de Londres para a cidade de Hastings, em 1989, localizada na costa sul da Inglaterra, quando tornou-se o administrador do Hastings Trust, uma organização não-governamental dedicada ao desenvolvimento sustentável dessa cidade. Escreveu vários livros e artigos sobre habitação e assentamentos populares na América Latina, EUA, Ásia, África e Oriente Médio. Turner é uma das principais referências mundiais sobre o tema da habitação popular. A obra fichada é, segundo o próprio autor, precursora de outro livro de sua autoria, publicado em 1977, denominado Housing by People. Trata-se de coletânea de textos de vários autores e um trabalho pioneiro que mostra que, quando os moradores estão no controle, suas casas são melhores e mais baratas do as produzidas por programas governamentais ou grandes corporações.
Não foram encontradas informação biográficas sobre Robert Fichter na internet.
Sumário obra:
Sem acesso por meio do John Turner Archive.
Resumo :
Esta ficha corresponde à síntese dos capítulos 6 e 7 da obra Freedom to Build, ambos escritos por Turner e intitulados “The Reeducation of a Professional” e “Housing as a Verb”. No primeiro, o autor defende a tese de que embora as construções mudem de lugar para lugar, a “atividade básica de produção habitacional” não mudaria. Sua estrutura básica seria, portanto, universal, invariável e constante e, a fim de demonstrar esta tese, Turner descreve três projetos no Peru, de cujo desenvolvimento participou entre 1957 e 1962: um conjunto escolar construído em Tiabaya; um projeto de autoconstrução assistida (ou mutirão) em Arequipa e uma experiência de crédito habitacional na barriada de Huascarán, em Lima. No primeiro caso, um projeto convencional do Ministério da Educação foi substituindo por outro a ser realizado com técnicas construtivas e materiais locais, o que permitiria obter mais espaço com custo menor. Embora o conselho local tenha concordado com esta proposta, iniciou a construção em concreto e tijolos, o que inviabilizou sua execução devido ao alto custo final. Turner conclui que este malogro resultou de uma imposição, já que, para os locais, a técnica tradicional significava a pobreza e o atraso do qual queriam sair, devendo a escola ser um símbolo do progresso. O projeto de mutirão, por sua vez, gerou uma administração pesada por parte da agência pública encarregada e a necessidade de envolvimento de muitos atores públicos e privados com pouco resultado. A experiência, contudo, levava em conta as necessidades da população e o modo progressivo de construir nas invasões peruanas. O objetivo era diminuir o tempo de conclusão das habitações de 10 para 2 anos. Turner avalia que, neste caso, o erro foi a crença de que o staff profissional sabia produzir casas melhor do que as pessoas, o que tirou o controle da operação e as decisões cruciais das mãos dos “clientes”. Defende então o incentivo às “formas autônomas de organização” e observa que essas duas experiências lhe ensinaram que se deve trabalhar “com” as pessoas e não “para” elas. A experiência de Huascarán, por fim, demonstra as vantagens das ideias de autogestão e autonomia na produção habitacional, por meio da provisão de assistência técnica, da supervisão e da concessão de empréstimos a juros subsidiados. Os custos de operação para a agência pública, neste caso, caíram para 4%, contra os 8 ou 7 % das contratações diretas e os 15 a 25 % dos mutirões. Turner conclui que este método e aquele no qual o poder público fornece o material são mais produtivos do que a construção de conjuntos habitacionais e projetos em mutirão. Conclui também que, diante do crescimento demográfico dos países em desenvolvimento, suas migrações e pequenos orçamentos governamentais, seria impossível para a autoridade pública assumir a responsabilidade da provisão em massa de habitações, pois, nesse sistema, as decisões são verticais e a operação é inflexível. Por fim, Turner avalia que a “autoridade profissional” pode reduzir a capacidade de ouvir e de aprender com quem de fato sabe. No capítulo 7, Turner contrapõe a ideia de habitação como um produto pronto, à noção de habitar como um processo. Advoga o abandono dos padrões de completude da habitabilidade, em favor da avaliação do valor que as habitações têm para as pessoas. Na produção habitacional os problemas seriam definidos em termos de padrões materiais e os valores julgados pela qualidade do produzido. Turner entende que esses padrões poderiam ser, no máximo, indicadores do que se pode fazer pelas pessoas, cabendo a elas a verdadeira avaliação dos produtos. Como os principais atores econômicos, sociais e psicológicos da atividade habitacional, os usuários deveriam ter o poder de decisão. Demonstra então, ao longo do texto, as desvantagens das decisões centralizadas e padronizadas e as vantagens das locais, mais adaptadas e flexíveis. Considerando os componentes básicos da produção habitacional - terreno, ferramentas e materiais, trabalho especializado, administração e sistema de troca que permita se obter o necessário - a pessoa poderia, no sistema local, combinar esses componentes acordo com suas posses e o que for permitido. Os sistemas governamentais ou privados hierarquizados não permitiriam essa variedade de combinação, induzindo a decisões limitadas. Para Turner, a produção habitacional deve ser um “sistema aberto” no qual o usuário controla o projeto, a construção e a administração, pois isso reduz em até 50% o custo das construções. Ademais, a casa autoproduzida geraria mais satisfação e desenvolvimento pessoal e social, pois seu valor estaria não em suas propriedades físicas, mas na capacidade de suprir as necessidades do usuário. Definir “habitar” como ação deve então incluir os atores, suas ações, conquistas, motivações e expectativas, além de um número significativo de variáveis que podem afetar seus resultados. Uma delas seria a demanda, que depende dos meios que os atores possuem e desejam investir. Quanto mais baixo o nível de renda, melhor deve ser a relação entre demanda e processo habitacional. A localização seria também uma variável, tão importante quanto o padrão material da casa. Além disso, o tipo de posse e a segurança material, financeira e emocional. A variedade de escolhas então é grande e para entende-las e antecipa-las seria preciso identificar as funções humanas e existenciais não quantificáveis que o processo de habitar pode ter. Se localização, posse e abrigo são funções essenciais da casa, elas podem adquirir formas específicas de acordo com a ordem de prioridades de cada segmento social e conforme o contexto. Assim, para uma ação habitacional viável seria preciso identificar essas necessidades básicas e específicas, ter informações sobre os recursos habitacionais disponíveis nos setores comerciais, privados e públicos, bem como sobre os possuídos pelos usuários. Esse conjunto de fatores e sua variabilidade leva Turner a concluir pela impossibilidade de uma ação habitacional consistente por parte de estruturas centralizadas públicas ou privadas. Nas economias de escassez, as pessoas mais pobres possuem o núcleo dos recursos para a ação habitacional por meio de suas pequenas poupanças e capacidades coletivas empresariais e artesanais, que ultrapassariam muito a capacidade dos grandes sistemas. Entende que diante dessas circunstâncias, o curso correto da ação pública seria garantir o suprimento de terrenos, materiais, ferramentas e capacidades para os usuários, juntamente com o crédito para que possam compra-los, num sistema aberto cujo resultado seria produto do diálogo entre os que regulam e os que fazem. O correto seria então trabalhar de modo não autoritário, separando funções legislativas e reguladoras daquelas de provisão de serviços econômicos e sociais, do seu uso e da função executiva. Assim, cada combinação pode ser única e adaptada à cada contexto e capacidade.Esta ficha corresponde à síntese dos capítulos 6 e 7 da obra Freedom to Build, ambos escritos por Turner e intitulados “The Reeducation of a Professional” e “Housing as a Verb”. No primeiro, o autor defende a tese de que embora as construções mudem de lugar para lugar, a “atividade básica de produção habitacional” não mudaria. Sua estrutura básica seria, portanto, universal, invariável e constante e, a fim de demonstrar esta tese, Turner descreve três projetos no Peru, de cujo desenvolvimento participou entre 1957 e 1962: um conjunto escolar construído em Tiabaya; um projeto de autoconstrução assistida (ou mutirão) em Arequipa e uma experiência de crédito habitacional na barriada de Huascarán, em Lima. No primeiro caso, um projeto convencional do Ministério da Educação foi substituindo por outro a ser realizado com técnicas construtivas e materiais locais, o que permitiria obter mais espaço com custo menor. Embora o conselho local tenha concordado com esta proposta, iniciou a construção em concreto e tijolos, o que inviabilizou sua execução devido ao alto custo final. Turner conclui que este malogro resultou de uma imposição, já que, para os locais, a técnica tradicional significava a pobreza e o atraso do qual queriam sair, devendo a escola ser um símbolo do progresso. O projeto de mutirão, por sua vez, gerou uma administração pesada por parte da agência pública encarregada e a necessidade de envolvimento de muitos atores públicos e privados com pouco resultado. A experiência, contudo, levava em conta as necessidades da população e o modo progressivo de construir nas invasões peruanas. O objetivo era diminuir o tempo de conclusão das habitações de 10 para 2 anos. Turner avalia que, neste caso, o erro foi a crença de que o staff profissional sabia produzir casas melhor do que as pessoas, o que tirou o controle da operação e as decisões cruciais das mãos dos “clientes”. Defende então o incentivo às “formas autônomas de organização” e observa que essas duas experiências lhe ensinaram que se deve trabalhar “com” as pessoas e não “para” elas. A experiência de Huascarán, por fim, demonstra as vantagens das ideias de autogestão e autonomia na produção habitacional, por meio da provisão de assistência técnica, da supervisão e da concessão de empréstimos a juros subsidiados. Os custos de operação para a agência pública, neste caso, caíram para 4%, contra os 8 ou 7 % das contratações diretas e os 15 a 25 % dos mutirões. Turner conclui que este método e aquele no qual o poder público fornece o material são mais produtivos do que a construção de conjuntos habitacionais e projetos em mutirão. Conclui também que, diante do crescimento demográfico dos países em desenvolvimento, suas migrações e pequenos orçamentos governamentais, seria impossível para a autoridade pública assumir a responsabilidade da provisão em massa de habitações, pois, nesse sistema, as decisões são verticais e a operação é inflexível. Por fim, Turner avalia que a “autoridade profissional” pode reduzir a capacidade de ouvir e de aprender com quem de fato sabe. No capítulo 7, Turner contrapõe a ideia de habitação como um produto pronto, à noção de habitar como um processo. Advoga o abandono dos padrões de completude da habitabilidade, em favor da avaliação do valor que as habitações têm para as pessoas. Na produção habitacional os problemas seriam definidos em termos de padrões materiais e os valores julgados pela qualidade do produzido. Turner entende que esses padrões poderiam ser, no máximo, indicadores do que se pode fazer pelas pessoas, cabendo a elas a verdadeira avaliação dos produtos. Como os principais atores econômicos, sociais e psicológicos da atividade habitacional, os usuários deveriam ter o poder de decisão. Demonstra então, ao longo do texto, as desvantagens das decisões centralizadas e padronizadas e as vantagens das locais, mais adaptadas e flexíveis. Considerando os componentes básicos da produção habitacional - terreno, ferramentas e materiais, trabalho especializado, administração e sistema de troca que permita se obter o necessário - a pessoa poderia, no sistema local, combinar esses componentes acordo com suas posses e o que for permitido. Os sistemas governamentais ou privados hierarquizados não permitiriam essa variedade de combinação, induzindo a decisões limitadas. Para Turner, a produção habitacional deve ser um “sistema aberto” no qual o usuário controla o projeto, a construção e a administração, pois isso reduz em até 50% o custo das construções. Ademais, a casa autoproduzida geraria mais satisfação e desenvolvimento pessoal e social, pois seu valor estaria não em suas propriedades físicas, mas na capacidade de suprir as necessidades do usuário. Definir “habitar” como ação deve então incluir os atores, suas ações, conquistas, motivações e expectativas, além de um número significativo de variáveis que podem afetar seus resultados. Uma delas seria a demanda, que depende dos meios que os atores possuem e desejam investir. Quanto mais baixo o nível de renda, melhor deve ser a relação entre demanda e processo habitacional. A localização seria também uma variável, tão importante quanto o padrão material da casa. Além disso, o tipo de posse e a segurança material, financeira e emocional. A variedade de escolhas então é grande e para entende-las e antecipa-las seria preciso identificar as funções humanas e existenciais não quantificáveis que o processo de habitar pode ter. Se localização, posse e abrigo são funções essenciais da casa, elas podem adquirir formas específicas de acordo com a ordem de prioridades de cada segmento social e conforme o contexto. Assim, para uma ação habitacional viável seria preciso identificar essas necessidades básicas e específicas, ter informações sobre os recursos habitacionais disponíveis nos setores comerciais, privados e públicos, bem como sobre os possuídos pelos usuários. Esse conjunto de fatores e sua variabilidade leva Turner a concluir pela impossibilidade de uma ação habitacional consistente por parte de estruturas centralizadas públicas ou privadas. Nas economias de escassez, as pessoas mais pobres possuem o núcleo dos recursos para a ação habitacional por meio de suas pequenas poupanças e capacidades coletivas empresariais e artesanais, que ultrapassariam muito a capacidade dos grandes sistemas. Entende que diante dessas circunstâncias, o curso correto da ação pública seria garantir o suprimento de terrenos, materiais, ferramentas e capacidades para os usuários, juntamente com o crédito para que possam compra-los, num sistema aberto cujo resultado seria produto do diálogo entre os que regulam e os que fazem. O correto seria então trabalhar de modo não autoritário, separando funções legislativas e reguladoras daquelas de provisão de serviços econômicos e sociais, do seu uso e da função executiva. Assim, cada combinação pode ser única e adaptada à cada contexto e capacidade.