JACQUES, Paola Berenstein. Estética da ginga: a arquitetura das favelas através da obra de Hélio Oiticica. Rio de Janeiro: Casa da Palavra, 2003, 2ª edição.
Eixos de análise abordados:
Conceitos e métodos
Construção autogerida em meio urbano: espaços e técnicas
Dados sobre o autor(es) e obra:
Paola Berenstein Jacques possui graduação em Arquitetura e Urbanismo pela UFRJ, especialização em Teoria e Projeto de Arquitetura e Urbanismo (CEAA) pela ENSA de Paris-Villemin com estágio na AA School (Londres), mestrado em Filosofia da Arte (DEA) e doutorado em História da Arte e da Arquitetura pela Université de Paris I (Pantheon-Sorbonne), estágio recém-doutor no PROURB/UFRJ, pós doutorado no LAIOS/IIAC/CNRS e estágio sênior no LAA/LAVUE/CNRS. É professora permanente da Faculdade de Arquitetura, do Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo e colaboradora do Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais da UFBA. Atualmente coordena projeto de pesquisa PRONEM (FAPESB/CNPq), o grupo de pesquisa Laboratório Urbano e a linha de pesquisa Processos Urbanos Contemporâneos (PPG-AU/FAUFBA). É pesquisadora associada ao Laboratoire Architecture/Anthropologie (LAA/LAVUE/CNRS - ENSA Paris-La-Villette) e participa das redes internacionais de pesquisa LIEU e Ambiances (Ministério da Cultura/França). É autora dos livros: Les favelas de Rio (Paris, lHarmattan, 2001); Estética da Ginga (Rio de Janeiro, Casa da Palavra, 2001); Esthétique des favelas (Paris, lHarmattan, 2003); Elogio aos errantes (Salvador, Edufba, 2012); co-autora de Maré, vida na favela (Rio de Janeiro, Casa da Palavra, 2002) ; organizadora de Apologia da deriva (Rio de Janeiro, Casa da Palavra, 2003), Corps et décors urbains (Paris, lHarmattan, 2006), Corpos e cenários urbanos (Salvador, Edufba, 2006) e CORPOCIDADE: debates, ações e articulações (Salvador, Edufba, 2010).
O livro questiona o histórico desprezo acadêmico pelas manifestações arquitetônicas vernaculares e o status de não-arquitetura (e, portanto, de objeto fora dos interesses desse campo disciplinar) que é dado aos assentamentos populares das grandes cidades brasileiras – as favelas. O objeto da obra é então a própria ideia de arquitetura. A autora advoga a existência de um dispositivo arquitetônico e urbanístico específico e de uma estética própria das favelas, esta última abordada a partir do olhar do artista tropicalista Helio Oiticica. Analisa este dispositivo e o processo espaço-temporal de construção desses assentamentos com o apoio das noções de Fragmento, Labirinto e Rizoma, que toma emprestado do pensamento pós-estruturalista de Foucault, Deleuze e Derrida. O processo de formação das favelas é definido como um processo arquitetônico e urbanístico vernáculo singular com características próprias, que produz uma arquitetura composta de fragmentos (os barracos), uma aglomeração de arquiteturas que forma labirintos, os quais, por sua vez, se desenvolvem e ocupam a cidade como rizomas. A arquitetura das favelas é definida como “vernácula” a partir do Dictionnaire de l’urbanisme de Choay (Paris, P. U. F., 1988) que a conceitua como a “arquitetura característica de uma região ou como arte local”. Sua motivação inicial é abrigar o indivíduo ou a família numa peça única construída com materiais heterogêneos (restos e sobras de materiais de construção ou de produtos da indústria) que determinam a configuração do espaço. O processo de substituição de materiais é constante e decorrente do que o favelado vai encontrando. A casa de alvenaria que resulta dessa substituição já não é tão fragmentada, mas permanece fragmentária, pois nunca é totalmente concluída. Assim, a arquitetura da favela é uma arquitetura do acaso, sem projeto e produto de bricolagem. Sua poesia ou estética viria justamente desse resultado único e inesperado. Obedeceria, portanto, a uma lógica distinta daquela da arquitetura projetada e ligada, como a “arte ambiental” dos Parangolés de Hélio Oiticica, à improvisação, ao movimento, ao anonimato e ao coletivo. Como fragmento sua lógica é também ligada ao acaso, ao aleatório, ao efêmero, à incompletude e diversa, portanto, da que toma a arquitetura como algo fixo, durável, sólido e esteticamente atrelado à ideia de unidade e a uma noção espacial que abole o tempo e suas transformações. Com relação ao espaço da favela, a autora o analisa a partir da noção de labirinto não projetado. Aponta que o espaço da favela se forma de modo análogo aos barracos, sem projeto, mas somente é percebido como um labirinto, isto é, como um espaço desorientador por “estrangeiros”. Embora labiríntico no sentido da emoção que provoca, os favelados não se perdem no espaço da favela e o ato de percorrê-lo em seus meandros e “quebradas” promoveria a (ou derivaria da) ginga dos sambistas. Em outras palavras, o espaço da favela solicitaria e provocaria a ginga em seu percurso. O reconhecimento desse espaço como um labirinto espontâneo foi feito também por Oiticica ao criar instalações – os Penetráveis – cada vez mais abertas e provocadoras de situações criativas e experiências diversas. A autora opõe, assim, a ocupação espontânea das favelas, às cidades e espaços projetados, normalmente, limitadores e autoritários. O último capítulo trata do crescimento e da formação de territórios nesses assentamentos. A autora utiliza o conceito de Rizoma, desenvolvido por Deleuze e Derrida para descrever o processo de territorialização do que chama de “ocupações naturais e selvagens”. Explica que a ocupação das favelas se dá segundo a lógica do rizoma, ou do mato, que penetra e se desenvolve nos interstícios, nas frestas, com forte impulso de reprodução e sobrevivência em condições escassas. Mas a imagem do rizoma permitiria descrever um tipo de processo de crescimento e seu movimento, mas não corresponderia a um modelo formal ou sistema, sendo explicitado apenas a partir de certos princípios ou “características aproximativas” como: conexão e heterogeneidade (qualquer ponto do rizoma pode se conectar com qualquer outro); multiplicidade (um sistema aberto e voltado para o exterior); ruptura assignificante (pode ser rompido em qualquer lugar, mas retoma qualquer uma de suas linhas); cartografia e decalcomania (não se sujeita a qualquer modelo estrutural ou generativo). O rizoma descreve então o processo de aumento do território por meio de múltiplas e sucessivas desterritorializações, o que seria próprio das favelas que têm limites e horizontes sempre móveis. Por meio do movimento, propriedade que caracteriza os conceitos de Fragmento, Labirinto e Rizoma, a autora chega à noção de “espaço-movimento” para definir a formação, desenvolvimento e crescimento das favelas e de suas arquiteturas. Esta noção remete à ação dos que constroem, transformam e percorrem continuamente esses assentamentos e também à ideia de participação. Na conclusão, advoga que as favelas possam também ser vistas como patrimônio, mas preservadas não em sua arquitetura ou urbanismo. O seu caráter móvel e de criação coletiva seria o elemento a preservar, o que implicaria manter a participação dos habitantes na construção dos seus espaços arquitetônico e urbano. Para tanto, a autora advoga a formação de um novo tipo de arquiteto: o arquiteto-urbano, que se ocuparia desses espaços e cujo papel seria, além de organizar fluxos, suscitar, traduzir e catalisar os desejos dos habitantes.
Biblioteca da Escola de Arquitetura da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG)
Referência bibliográfica:
DUARTE, Cristiane R. S. Favelados (Rio de Janeiro). In: OLIVER, Paul (edit). Encyclopedia of Vernacular Architecture of the World. Cambridge - UK: Cambridge University Press, 1997, p. 1689.
Eixos de análise abordados:
Construção autogerida em meio urbano: espaços e técnicas
Dados sobre o autor(es) e obra:
Cristiane Rose de Siqueira Duarte possui graduação em Arquitetura pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (1981), graduação em Architecture - École d’Architecture de Paris-La Villette (1983), mestrado pela Université de Paris XII (Paris-Val-de-Marne) (1985) e doutorado pela Université de Paris I (Pantheon-Sorbonne) (1993). Atualmente é professora Titular da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Tem experiência na área de Arquitetura e Urbanismo, com ênfase em Projeto do Espaço Urbano, atuando principalmente nos seguintes temas: aspectos culturais da construção do espaço, acessibilidade e etnografia da cidade. Recebeu prêmios internacionais e possui diversos trabalhos publicados em Arquitetura e Urbanismo.
Neste verbete, as favelas cariocas são sumariamente descritas em termos de sua formação e arquitetura, ressaltando-se, no primeiro caso, a relação fundamental desses assentamentos com a proximidade das áreas de trabalho. Quanto à casa da favela, explica-se a progressiva transformação do barraco de madeira, ou de materiais disponíveis e reciclados, em casa, de caráter mais permanente, feita de alvenaria de tijolos e estrutura de concreto. Em termos de espaço, a transformação do barraco de um só cômodo (com área total entre 10 e 18 m2) em casa com várias divisões internas e até mais de um andar é rapidamente descrita. A apropriação do espaço ao redor é também ressaltada e descrita como resultado de estratégias de uso imediato do entorno com atividades de lazer ou domésticas como lavar roupa, dentre outras. Ainda em termos de arquitetura, se dá destaque à estrutura eficiente dessas construções, especialmente no que diz respeito à sua ancoragem nas rochas existentes por meio de apoios inicialmente de madeira e depois feitos em concreto. Com isso, as construções são elevadas do solo e permitiriam, sem problemas, a passagem das águas e enxurradas das fortes chuvas da cidade do Rio de Janeiro. O favelado é genericamente definido como alguém de origem rural, em geral do sertão, que encontra esta forma de sobreviver na cidade grande, trazendo, assim, para as favelas, as suas tradições. A autora assinala ainda a existência nesses assentamentos de um forte senso de comunidade.
DUARTE, Cristiane R. S. “Adaptation and Change: Low Cost Housing in Rio de Janeiro”. In: BOURDIEU, J.P. and ALSAYYAD, First World: Third World: Duality and Coincidence in Traditional Dwellings and Settlements. Berkeley: University of California Press, 1990.
DUARTE, Cristiane R. S. Intervention publique et Dynamique Sociale dans la Production d’un Nouvel Espace de Pauvreté Urbaine – Vila Pinheiros à Rio de Janeiro. Paris: Université de Paris I – Sorbonne, 1993 (doctoral thesis)
DA MATTA, Roberto. A casa e a rua. Rio de Janeiro: Zahar, 1985.
VALLADARES, Licia. Propostas Alternativas de Intervenção em Favela: o caso do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: IUPERJ, 1985
Autor(es):
Lícia do Prado Valladares
Onde encontrar:
Biblioteca da Faculdade de Arquitetura da UFBA
Referência bibliográfica:
VALLADARES, Lícia do Prado. “Estudos Recentes sobre a Habitação no Brasil: Resenha da Literatura”. In: VALLADARES, Lícia do P. (org). Repensando a Habitação no Brasil. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1983, pp. 21-77.
Eixos de análise abordados:
Conceitos e métodos
Construção autogerida em meio urbano: espaços e técnicas
Dados sobre o autor(es) e obra:
Lícia do Prado Valladares é socióloga, graduada pela PUC-Rio de Janeiro em 1967. Realizou estudos de pós-graduação no University College de Londres e doutorou-se pela Universidade de Toulouse-Mirail em 1974. Fundadora do URBANDATA e Professora Emérita da Universidade de Lille, atua principalmente nos seguintes temas: favela, pobreza urbana, história da pesquisa urbana no Brasil, Rio de Janeiro e política habitacional no Brasil. Atualmente é pesquisadora visitante do PPCIS (Programa de Pós-graduação em Ciências Sociais) da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). É uma das principais especialistas no tema da habitação popular no Brasil, com inúmeros livros e artigos publicados pelo tema. O artigo em análise é fruto de uma pesquisa financiada pela Fundação de Inovação e Pesquisa (FINEP), sendo o copyright de 1982 pertencente ao Instituto Universitário de Pesquisa do Rio de Janeiro (IUPERJ).
Neste artigo Valladares realiza uma resenha da literatura sobre habitação no Brasil produzida até o começo dos anos de 1980, descartando, contudo, a referente à tecnologia da habitação, ao desenho e ao projeto de arquitetura. O estudo foi realizado a partir de bibliotecas e centros de pesquisa localizados no Rio de Janeiro, embora com contatos com outros centros de pesquisa do país. A autora classifica a literatura resenhada em grandes temas como o da ação governamental no campo da habitação, o da relação entre moradia e trabalho e o da formação das periferias urbanas. Além desses, dois outros temas de particular interesse para os estudos sobre arquitetura popular: o da favela e o da autoconstrução na periferia de grandes cidades. O tema da favela tem sua literatura, segundo Valladares, subdivida nos seguintes tópicos: processo de ocupação; características e significados da moradia e alternativas de intervenção governamental, sendo os dois primeiros os que trazem informações mais importantes para o tema deste guia de fontes. A respeito do processo de ocupação, a autora informa que uma das questões principais tratadas na literatura diz respeito à origem desses assentamentos, enquanto ações coletivas planejadas ou não, concluindo-se que se dão segundo diferentes formatos. No Rio de Janeiro, as invasões ocorreriam de modo gradual, podendo ser promovidas, inclusive por políticos, ao passo que, em Salvador, as mais antigas seriam resultantes de movimentos coletivos importantes. Já em São Paulo conviveriam processos de invasão muito diversos. Parte dessa literatura discute também o mercado de terras e de habitações formado no interior das favelas. No que diz respeito às características e ao significado da moradia nas favelas, Valladares aponta a influência de autores como William Mangin e John Turner que, pioneiramente, apresentaram essas ocupações como “solução” e não como problema. Sobre a autoconstrução nas periferias, ressalta-se a influência da concepção de Francisco de Oliveira de que esse tipo de moradia seria resultado de trabalho não-pago, o que favoreceria o processo de expansão capitalista. Como seguidores dessa linha de abordagem cita-se Maricato, Rolnik, Bonduki, Cavalcanti, Costa e Lima, sendo de Maricato a primeira definição de autoconstrução como “o processo através do qual o proprietário constrói sua casa sozinho ou auxiliado por amigos e familiares (...) nos seus horários de folga do trabalho remunerado” (1976, p. 10). Em seguida, Valladares informa que a autoconstrução passou a ser definida como “auto-ajuda”, “ajuda mútua” ou “mutirão” – este último visto também como uma contraprestação de serviços, para além dos “trabalhos especializados” que eventualmente são contratados no processo de autoconstrução. Outro enfoque dessa literatura são as análises comparativas relativas ao processo construtivo no que toca a aspectos sociais, econômicos e técnicos. Materiais e técnicas construtivas são considerados aspectos marcantes da moradia autoconstruída, verificando-se a tendência de compra de materiais mais baratos e de uso das técnicas mais elementares, num processo realizado em etapas descontínuas. Uma última preocupação desses estudos seriam as interpretações sobre o valor de uso e o valor de troca da moradia autoconstruída e sobre sua comercialização como mercadoria para venda ou aluguel.
Bibliografia citada pela autora sobre os temas tratados na ficha:
BONDUKI, Nabil e ROLNIK, Raquel. Periferias: ocupação do espaço e reprodução da força de trabalho. S. Paulo: FAU-USP, Fundação para Pesquisa Ambiental, 1979.
LIMA, Maria Helena Beozzo de. “Em busca da casa própria: autoconstrução na periferia do Rio de Janeiro”. IN: VALLADARES, Lícia do P. (org). Habitação em questão. Rio de Janeiro: Zahar, 1980, pp. 69-88.
MARICATO, Ermínia. “Autoconstrução, a arquitetura possível”. In: MARICATO, E. (org) A produção capitalista da casa (e da cidade) no Brasil industrial. São Paulo: Alfa Ômega, 1979.
MATTEDI, Maria Raquel Mattoso. As invasões em Salvador: uma alternativa habitacional. Dissertação de mestrado submetida à UFBA, 1979.
PERLMAN, Janice. O mito da marginalidade: favelas e política no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1977.
SANTOS, Carlos Nelson F. dos. “Volviendo a pensar em ‘favelas’ a causa de las periferias”. In: Nueva Sociedad, n. 30, maio/junho 1977, pp 22-38.
________________________. “Estarão as pranchetas mudando de rumo? ”. In: Revista Chão, n. 01, 1978, pp. 22-31.
________________________. “Como projetar de baixo para cima uma experiência em favela”. In: Revista Brasileira de Administração Municipal, ano XXVII, n. 156, jul/setembro, 1980, pp 6-27.
________________________. “Velhas novidades nos modos de urbanização brasileiros”. In: VALLADARES, Lícia do Prado. Habitação em questão. Rio de Janeiro: Zahar, 1980, pp. 17-41.
VALLADARES, Licia do Prado. “Favela, política e conjunto residencial”. In: Dados, n. 12, 1976, pp. 74-85.
_______________________. “A propósito da urbanização de favelas”. In: Espaço & Debates, ano 1, n. 2, maio de 1981, pp 5-18.