TAKAMATSU, Patrícia Helena Turola. Arquitetura vernacular: estudo de caso Vila do Elesbão/ Santana- AP. Belo Horizonte (Minas Gerais), 2013. (Dissertação de mestrado). Escola de Arquitetura. Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte.
Eixos de análise abordados:
Conceitos e métodos
Saberes tradicionais e espaço arquitetônico
Construção autogerida em meio urbano: espaços e técnicas
Dados sobre o autor(es) e obra:
Patrícia Takamatsu possui graduação em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade Federal de Minas Gerais (2009) e Mestrado Interdisciplinar em Ambiente Construído e Patrimônio Sustentável, pela Universidade Federal de Minas Gerais (2013). Atualmente cursa o doutorado em Urbanismo, pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, e é professora assistente da Universidade Federal do Amapá. Atua nas áreas de ambiente construído, urbanismo e tecnologias da arquitetura e urbanismo, dentre outras áreas afins.
Informações obtidas em: https://www.escavador.com/sobre/5536958/patricia-helena-turola-takamatsu
Sumário obra:
1. INTRODUÇÃO
2 ARQUITETURA VERNACULAR E PATRIMONIO CULTURAL
2.2 O CASO BRASILEIRO: WEIMER (2005)
2.2.1 Os tipos brasileiros de Weimer
2.3 CARTA DO PATRIMÔNIO VERNÁCULO
2.5 O DEVER CONSTITUCIONAL DE “PRESERVAR/CONSERVAR”
2.6 O PAPEL DO POPULAR NO PRESERVAR/CONSERVAR
2.7 MOTIVAÇÕES DE PRESERVAR/CONSERVAR
2.8 PRESERVAR/CONSERVAR E SEUS ENTRELAÇAMENTOS COM O VERNACULAR
2.9 CRÍTICAS A PATRIMONIALIZAÇÃO CONSIDERADA NECESSÁRIA A PRESERVAÇÃO/CONSERVAÇÃO
3 CONTEXTUALIZAÇÃO DA VILA DO ELESBÃO.
3.1. ÁREA DE ESTUDO
3.2 CARACTERIZAÇÃO GEOGRÁFICA
3.3 ESTRUTURA URBANA
3.4 CARACTERIZAÇÃO HISTÓRICA
3.5 CARACTERIZAÇÃO SOCIOECONÔMICA
3.6 CARACTERIZAÇÃO SOCIOAMBIENTAL
4 ANÁLISE METODOLOGICA DA VILA DO ELESBÃO
4.1 RESULTADOS
5 DISCUSSÕES FINAIS
Resumo :
Esta dissertação busca definir, a partir da identificação de padrões homogêneos, características que definam a arquitetura vernacular como algo singular, tendo como pano de fundo o debate acerca da preservação patrimonial/cultural e seus parâmetros limitados. Para isto, a autora focalizou seus estudos na Vila Elesbão, assentamento parcialmente em palafitas, localizado na zona metropolitana de Macapá (AP), onde observa-se processo de expansão e segregações espaciais que se confrontam com a conservação do patrimônio existente. No segundo capítulo, a autora trata da essência da arquitetura vernacular e dos significados da preservação cultural, descrevendo, no terceiro capítulo, a metodologia utilizada no estudo da Vila Elesbão. No quarto capítulo, analisa os resultados encontrados e, por fim, no quinto capítulo, apresenta suas conclusões. A dissertação tem argumentações baseadas em Carter e Crowley, Günter Weimer e na Carta sobre o Patrimônio Vernáculo Construído aprovada na 12ª Assembleia Geral do ICOMOS. Em “Convite à arquitetura vernacular”, Carter e Cromley, alicerçam-se na cultura para defender que a arquitetura vernacular é uma manifestação das ações humanas e seus comportamentos, e sua investigação deve pautar-se na história oral, em documentos escritos e no edifício, analisando-o da escala urbana à escala local, a partir da escolha de um objeto modelo. Em “Arquitetura Popular brasileira”, Weimer destaca como características relevantes dessa arquitetura a simplicidade, adaptabilidade, criatividade e a plástica dos materiais utilizados, sendo estas resultado da tradição cultural de quem a produz. As tipologias ribeirinhas em palafitas, definidas por Weimer como casas de mangue e casas de pântano, são caracterizadas mediante croquis e plantas relativas ao assentamento estudado. Em consonância com esses autores, a Carta sobre o Patrimônio Construído Vernáculo enfatiza os valores estéticos atribuídos à arquitetura vernacular e sua relevância enquanto instrumento de registro da história da sociedade. A autora defende que a preservação do patrimônio vernáculo deve levar em consideração o contexto urbano e não somente avaliá-lo a partir dos parâmetros arquitetônicos em si. A ocupação da Vila do Elesbão (AP) inicia-se em 1950 com famílias vindas do Pará, atraídas pela oportunidade de emprego devido à expansão da zona portuária e à exploração de minérios. Depoimentos de moradores afirmam que os primeiros habitantes dividiram suas glebas de terra para morar e produzir, mas que, após serem vendidas, deram lugar às casas e passarelas de comunicação em palafitas construídas artesanalmente. Na vila, destaca-se como produção cultural a carpintaria naval indígena, o que, por si só, demandaria uma atuação pública de preservação por tratar-se de uma atividade referencial para a região que envolve boa parte da população local, conforme levantamento feito pelo IPHAN, já que o transporte fluvial foi, por muito tempo, a única forma de acesso a esta comunidade. Deste modo, a autora analisa os estaleiros, embarcações, passarelas e residências que foram construídas mediante este saber. Em seu levantamento de campo, durante um ano, a autora também coletou dados socioeconômicos de moradores e carpinteiros por meio de ficha elaborada a partir dos critérios de Carter e Cromley, bem como de inventários de conhecimento do IPHAN. A autora procurou apreender as características básicas das edificações, objetivando criar uma relação entre os fenômenos de ocupação e a arquitetura desenvolvida na Vila, e relacioná-la com as ipologias ribeirinhas definidas por Weimer. Para isto, analisa os seguintes aspectos: tempo da construção, tipo de vedação, caimento do telhado, o sentido das ripas, existência de alpendre, composição da fachada, tipologias de portas e janelas, divisão interna, quantidade de quartos, presença de palafitas e tipo de acesso. Após a análise desse conjunto de aspectos, a autora concluiu que o tempo de construção e a localização são as principais variáveis que organizam as tipologias encontradas. As edificações mais próximas dos estaleiros, por não serem nem tão antigas, nem tão novas, possuem adaptações individuais da tradição construtiva ribeirinha. Já as edificações mais próximas da terra, que também são as mais recentes, ignoram totalmente essa tradição, são verticalizadas e podem ser de uso misto (residencial e comercial). Analisando morfologicamente as edificações estudadas, a autora definiu quatro tipologias típicas de planta baixa. São estas: a tipologia 0 corresponde a edificações sem divisão interna; a tipologia RET a plantas com cômodos simétricos e retangulares; a tipologia IRR também possui divisões retangulares, mas estas não têm relações harmoniosas entre si; e, por fim, a tipologia Z corresponde a uma planta retangular com detalhes em chanfros ou curvas em algumas quinas de paredes formando corredores. Os dados analisados são ilustrados com fotografias, gráficos e plantas. A autora destaca, a partir dos resultados obtidos, que a arquitetura vernacular da Vila Elesbão possui valor individual e cria sentido a partir de um contexto urbano, possuindo uma dimensão histórica que a torna transcendente. No que diz respeito à preservação, compreende-se esta arquitetura vernacular como um patrimônio, devendo-se dar a ela importância e a devida atenção à sua manutenção, além de medidas de segurança que garantam sua conservação futura.
OLIVER, Paul. “Conserving the vernacular in developing countries”. In: OLIVER, P. Built to Meet Needs: cultural issues in vernacular architecture. Oxford: Architectural Press, 2006, pp. 267-286.
Eixos de análise abordados:
Conceitos e métodos
Dados sobre o autor(es) e obra:
Paul Hereford Oliver nasceu em Nottingham, Inglaterra, em 1927. É historiador da arquitetura e escreve também sobre blues e outras formas de música afro-americana. Foi pesquisador do Oxford Institute for Sustainable Development da Oxford Brooks University, de 1978 a 1988, e Associated Head of the School of Architecture. É conhecido internacionalmente pelos seus estudos sobre arquitetura vernacular, em especial, como editor da Encyclopedia of Vernacular Architecture of the World (1997) e pelo World Atlas of Vernacular Architecture (2005). A enciclopédia reúne pesquisas e estudos sobre arquitetura vernacular em todas as regiões do mundo, sendo a principal referência sobre o tema com esta abrangência até o momento. O texto em exame é datado de 1982 e está publicado na coletânea em referência na parte que trata da transmissão das técnicas construtivas tradicionais.
Resumo :
O foco deste texto é a arquitetura vernacular enquanto patrimônio e as possibilidades de sua preservação e conservação. Oliver observa que a noção ocidental de conservação não funciona junto aos produtores dessa arquitetura e que ocorre somente durante a vida útil das edificações, não se hesitando em substituí-las quando já não cumprem o seu papel. Muitos assentamentos sobreviveram por acidente, em decorrência do clima e do isolamento, sendo preservados por outros contextos culturais. Dedica parte do texto a considerações sobre a natureza social e cultural do processo de preservação e sobre as disputas de valor que envolve, assinalando que se dirige mais ao chamado patrimônio edificado consagrado do que à arquitetura vernacular. Esta ainda carece do reconhecimento dos seus méritos artísticos e arquitetônicos e sua patrimonialização ocorre, em geral, por vínculos com alguma figura histórica ou devido a alguma característica marcante. A Lista do Patrimônio Mundial refletiria essa atitude de proteção de “grandes monumentos”. Na África, por exemplo, vários palácios e edifícios monumentais estão protegidos, embora a monumentalidade não seja uma característica da arquitetura africana. Oliver ressalta que muitas sociedades não expressam as diferenças simbólicas e de valor que atribuem às edificações por meio de sua aparência e, para muitas, a conservação desses edifícios não importa e sim os ritos e práticas que abrigam. Haveria, portanto, um conflito de valores quanto à interrupção do processo gradual de declínio de uma edificação, o que seria especialmente válido para as culturas que constroem abrigos temporários ou os modificam conforme a estação. Para ele, a grande ameaça ao vernacular do “terceiro mundo” seria uma noção de desenvolvimento que implica a adoção de valores exógenos e ocidentais e desqualifica sistemas construtivos tradicionais como signo de pobreza. Além disso, o processo de especulação imobiliária nas cidades que destrói o tecido antigo em função da valorização do solo. Como possibilidades para a preservação de edificações vernaculares cita a remoção de edifícios, sua reconstrução ou a construção de novos em museus a céu aberto, a partir de reconstruções acuradas e íntegras, com uso de técnicas e dimensões corretas e sem condições melhoradas e higienizadas que não correspondem ao que ocorre na vida real dos povos que representam. Mas entende que a continuidade desse tipo de arquitetura estaria mesmo na preservação das tecnologias e métodos de construção e das habilidades que demandam. Oliver reconhece que o vernacular coloca problemas sérios à preservação, mas acha que o reconhecimento e respeito pelos modos de vida de grupos sociais, a sensibilidade para com sua cultura e medidas menos draconianas de relocação poderiam ajudar a restaurar sua autoconfiança e orgulho perdido. Reconhece também que a preservação é melhor quando emerge do próprio grupo e não de fora e que a preservação tende a congelar as coisas ao invés de sustentar sua vida, podendo mesmo ir contra os interesses da comunidade envolvida em nome do turismo. Por fim, afirma que valores culturais e envolvimento da comunidade determinariam a qualidade e a relevância da preservação do vernacular.
CUNHA, Manuela Carneiro da. “Relações e dissensões entre saberes tradicionais e saber científico”. In: CUNHA, Manuela Carneiro da. Cultura com aspas e outros ensaios. São Paulo: Cosac Naify, 2009, pp. 301-310.
Eixos de análise abordados:
Conceitos e métodos
Território e etnicidade
Dados sobre o autor(es) e obra:
Manuela Carneiro da Cunha (1943) é graduada em Matemática pela Faculdade de Ciências de Paris (1967) e doutorou-se em antropologia social pela Unicamp (1975). Foi Professora Doutora da Universidade Estadual de Campinas e Professora Titular da Universidade de São Paulo, onde aposentou-se. Foi Full Professor da Universidade de Chicago, de 1994 a 2009, onde é Professora Emérita. Foi ainda Titular da Cátedra Savoirs Contre Pauvretés no Collège de France em 2011-2012. É membro da Academia Brasileira de Ciências e da Academia de Ciências do Terceiro Mundo; foi Presidente da Associação Brasileira de Antropologia (1986-88) e representante da comunidade científica no Conselho Deliberativo do CNPQ, onde foi Bolsista na categoria A1. Publicou 10 livros, 38 artigos em periódicos especializados e 32 capítulos em livros, além da organização de quatro livros. Sua atuação se dá nas áreas de Etnologia, História e Direitos dos Índios, Escravidão Negra, Etnicidade, Conhecimentos Tradicionais e Teoria Antropológica. O texto fichado corresponde a uma conferência realizada pela autora na Reunião da SBPC, realizada em Belém-PA em 12.07.2007.
A autora ressalta, neste texto, as especificidades e diferenças que existem entre o saber científico e os saberes tradicionais, mas também suas semelhanças e, especialmente, as “pontes” que podem ser feitas entre essas formas de conhecimento em prol de sua própria vitalidade e em benefício da humanidade. Uma primeira diferença que aponta entre os dois tipos de saber diz respeito à aspiração de universalidade e de verdade absoluta que caracterizam o saber científico, em contraste com a multiplicidade, o caráter local e a inclusão de divergências que caracterizam os saberes tradicionais. Embora enquanto prática, a ciência hegemônica seja impactada por injunções sociais, culturais, políticas e econômicas, ela se desenvolve dentro de um regime único articulado a protocolos acordados pela “comunidade científica”. Os saberes tradicionais, por sua vez, não têm essa pretensão e são desenvolvidos segundo tantos regimes quantos sejam os povos que os produzem. Entre o saber científico e o tradicional podem ainda ser listadas diferenças em termos de enquadramento num campo, de especialidade, de modo de produção e transmissão, de circulação e da geração de direitos e deveres. Apesar disso, a autora defende que podem ser comparados, uma vez que são formas de procurar entender e agir sobre o mundo, além de repousarem sobre as mesmas operações lógicas. Ou seja, são perfeitamente coerentes dentro do seu próprio regime de conhecimento, conforme foi demonstrado por Lévi-Strauss em O pensamento selvagem (1962). Este autor também apontou que no conhecimento científico predominam as “unidades conceituais”, ao passo que no tradicional, o conhecimento se estrutura a partir de “unidades perceptuais” ou “qualidades segundas” como cheiros, cores, sabores etc. A autora se insurge contra uma visão estática de saber tradicional que o toma apenas como um patrimônio a ser preservado. Defende, em consonância com a Convenção da Biodiversidade (1992), seu caráter dinâmico e aberto a inovações, ressaltando as contribuições efetivas que pode dar (e efetivamente já deu) ao saber científico. Ou seja, afirma que a ciência tradicional constitui “um potencial de renovação dos próprios paradigmas” do saber científico, sendo para ele uma fonte de benefícios e de inovação. Seria necessário, entretanto, romper com os preconceitos para com os conhecimentos tradicionais e para com os “modelos locais” de interpretação do real e de intervenção que produz. Para que o saber tradicional possa ser apropriado positivamente, a autora aponta a necessidade de dispositivos para sua valorização e proteção, inclusive em termos de propriedade intelectual. Estes, contudo, devem ser específicos e operar fora dos princípios de confidencialidade e de formação de monopólio que regulam a apropriação e difusão do saber científico. Ressalta que o Brasil, como “país megadiverso” e “equipado cientificamente” de modo suficiente, tem uma posição privilegiada, mas vem perdendo a oportunidade de instaurar “um regime de colaboração e intercâmbio respeitosos com suas populações tradicionais”.