VerSus: Heritage for tomorrow: Vernacular Knowledge for Sustainable Architecture / edited by Mariana Correia, Letizia Dipasquale, Saverio Mecca. – Firenze: Firenze University Press, 2014.
Eixos de análise abordados:
Conceitos e métodos
Tecnologia tradicional no território e na edificação: vigências e usos contemporãneos
Dados sobre o autor(es) e obra:
Este trabalho é resultado de um projeto internacional denominado VerSus. Os autores responsáveis pela sua edição são Mariana Correia, Letizia Dipasquale e Saverio Mecca.
Mariana Correia é presidente do Conselho de Direção da Escola Superior Gallaecia. É diretora do Projeto Europeu VerSus e do Projeto FCT SEISMIC-V. Administradora da Fundação Convento da Orada (Portugal) e da Fundación Antonio Font de Bedoya (Espanha). Coordenadora do PROTERRA - Rede Ibero-Americana de Arquitetura e Construção com Terra. Membro especialista do ICOMOS-CIAV, do Board of Directors of ICOMOS-ISCEAH e da Chaire UNESCO-Earthen Architecture & Sustainable Development. Docente, de tempo integral, na Ecola Superior Gallaecia desde 1999.
Informações obtidas em: http://www.esg.pt/index.php/professores
Letizia Dipasquale é docente na Universidade de Florença, Itália, no departamento de Arquitetura e trabalha na empresa Consulente esperto CasaClima.
Informações obtidas em: https://www.facebook.com/letizia.dipas http://unifi.academia.edu/LetiziaDipasquale
Saverio Mecca é atualmente Reitor do departamento de Arquitetura da Universidade de Florença, e professor na mesma desde 2002.
Informações obtidas em : http://www.unifi.it/p-doc2-2013-200002-M-3f2a3b2b332730.html
O principal intuito do VerSus é conhecer melhor os princípios sustentáveis inseridos nas técnicas construtivas vernaculares, na tentativa de melhor entender a maneira de introduzir estes princípios na arquitetura sustentável moderna. Quatro oficinas voltadas para alunos de mestrado e doutorado foram realizadas na Itália, Portugal e França com a intenção de testar a operacionalidade e a eficiência da abordagem do VerSus. O intuito da pesquisa não é se limitar ao conhecimento empírico, mas avançar na possibilidade de elaboração de normas, regras e leis para que as técnicas vernaculares sejam difundidas e implementadas. A primeira e única edição do trabalho é do ano de 2014. Esta é a segunda de duas fichas geradas a partir do livro.
Sumário obra:
Compreender o nosso patrimônio vernáculo
Nova arquitetura vernacular vs desenvolvimento sustentável?
A ideia para o projeto VerSus
Lições aprendidas e os resultados do VerSus
Método de pesquisa e abordagem operatória
Definindo a arquitetura vernacular
Definindo a arquitetura sustentável
Sustentabilidade ambiental na arquitetura vernácula
Sustentabilidade sócio-cultural na arquitetura vernacular
Sustentabilidade socioeconômica na arquitetura vernacular
Resiliência da arquitetura vernacular
Parâmetros da sustentabilidade vernacular ao longo da arquitetura do século 20
Morfologia dos assentamentos
Assentamentos produtivos
Cidades subterrâneas
Espaços coletivos e compartilhados
Paisagem, água e gestão dos recursos naturais
Casas pátio
Casas compactas
Design de formas de telhado
Dentro-entre espaços, lugares limítrofes
Projeto de ar condicionado natural
Paredes de alta inércia térmica
Estruturas leves
Estruturas resistentes a terremoto
Sistemas de sombreamento e refrigeração
Sistemas de aquecimento de baixa energia
Resumo :
O patrimônio vernacular, suas lições e soluções são fundamentais para definir princípios sustentáveis para o design e para a arquitetura. A arquitetura vernacular se utiliza de materiais regionais, portanto, disponíveis e de baixo custo, o que reduz impactos ambientais sendo então considerada sustentável. Além disso, pode ainda ser entendida como uma construção informal, sem valor de mercado, realizada sem a presença de arquitetos, que é construída para o local em si e que consegue se adaptar ao clima e às condições topográficas locais, garantindo o conforto térmico. Nos anos 80, o pensamento de que os recursos ambientais são finitos foi propagado e, assim, surgiu a ideia de sustentabilidade. O entendimento de que tais recursos poderiam deixar de existir, afetando as gerações futuras, gerou consciência de preservação e consciência ligada a seu uso, buscando-se, assim, um equilíbrio com as leis da natureza. Contudo, ainda são cometidos muitos erros quando se pensa em arquitetura sustentável. A arquitetura construída com materiais e técnicas locais parece significar falta de preocupação ou de qualidade da arquitetura, o que não é verídico. O conceito de sustentabilidade é, ainda, mal empregado e mal entendido sendo divulgada uma visão puramente ambiental da sustentabilidade sem que sejam levados em consideração os aspectos sociais, culturais e as implicações econômicas que esta traz. O mesmo erro diz respeito à arquitetura vernacular em sua relação com a questão ambiental, mas, principalmente, com a questão social, econômica e cultural do espaço no qual está inserida. O intuito principal da arquitetura vernacular e de seu assentamento é o de suprir as necessidades específicas da comunidade envolvendo os valores, a economia e os modos de vida das culturas que os produzem. Logo, a equipe de pesquisa do Projeto VerSus viu a necessidade de desenvolver estudos que interpretassem as principais características dos assentamentos vernaculares de modo a se poder extrair a sua essência, obtendo-se uma melhor compreensão dos seus processos, técnicas, soluções e permitindo-se, assim, o reconhecimento do valor dos seus princípios. Os assentamentos vernaculares oferecem lições de sustentabilidade para as cidades dos dias atuais. Estas lições são dadas por meio de princípios de gestão da terra, pela inteligência na integração ao local, pela criação de formas inteligentes de produção de energia natural renovável, pela redução da poluição e, ainda, pela redução dos custos de transporte e gestão. Sendo assim, as comunidades vernáculas, e suas soluções, se tornam casos fundamentais a serem analisados para se obter uma melhor compreensão dos seus processos, bem como, para reconhecer o valor dos seus princípios. Uma dessas soluções é a caverna que pode ser utilizada como uma forma de habitação subterrânea. Este tipo de assentamento traz soluções para problemas urbanos ligados a preços de terra, e ao consumo do solo urbano, sendo ainda, capaz de solucionar problemas de planejamento, como a falta de espaço, e a alta demanda de habitação. Tem-se ainda, por exemplo, os espaços coletivos e compartilhados, que se apresentam em diferentes morfologias e em diferentes tipos de uso. São elementos de interação com as redes de abastecimento de água, com as instalações de armazenamento, abrigos de animais e com o processamento da produção agrícola do abastecimento de matérias. A maior parte deles surge para facilitar a utilização e a gestão das principais infraestruturas do assentamento. Outra solução seriam as casas pátio, que prevalecem em lugares de clima temperado e quente seco, têm organização espacial definida por um espaço central ao ar livre, do qual dependem as salas de estar para receber luz e ar. O pátio interno se configura como o núcleo da casa e, portanto, das atividades diárias. É o espaço de partilha, socialização e trabalho doméstico. Já as casas denominadas compactas se configuram como uma unidade homogênea sob um elemento de cobertura comum. As suas propriedades espaciais são voltadas para gerar e para a reter o calor no interior dos seus compartimentos. Possuem, portanto, uma elevada inércia térmica por perímetro de parede. O elemento principal dessas habitações é a lareira, área mais ativa, onde as famílias passam a maior parte do tempo. A sua configuração e localização permite que o calor se espalhe para os espaços interiores mais utilizados no edifício. O Projeto VerSus além de soluções arquitetônicas, ainda traz conceitos de técnicas construtivas, extremamente relevantes para o emprego da sustentabilidade. São elas as paredes de inércia térmica, as estruturas leves, o projeto de ar condicionado natural, as estruturas resistentes a terremoto, os sistemas de sombreamento e refrigeração e os sistemas de aquecimento de baixa energia. A inércia térmica está intimamente ligada ao armazenamento de energia térmica e pode ser definida como a capacidade total do edifício para armazenar e liberar calor. As taxas de transferência de calor são variáveis de acordo com o material. Uma elevada inércia térmica pode ser encontrada em construções vernaculares, que utilizem pedra e terra nas suas paredes internas e externas, bem como, em seus tetos e pisos. Os principais impactos desta técnica construtiva são a contribuição para a qualidade do ambiente interior e a otimização de gastos de energia ao longo do ciclo de vida do edifício. A técnica construtiva nomeada “estruturas leves” pode ser entendida como qualquer elemento arquitetônico que possui um peso próprio reduzido quando comparado a outros sistemas construtivos que garantem um mesmo desempenho. Tais “estruturas” são feitas a partir de métodos de construção secos sem a necessidade de materiais ligantes, baseados na montagem de peças. Referem-se, especificamente, às juntas, amarrações, tecelagem ou a outros métodos semelhantes. As “estruturas leves” funcionam pela transmissão de cargas para os elementos verticais e utilizam materiais variados, podendo-se citar a madeira, o junco, o bambu, a grama e a palha. A madeira e o bambu, por exemplo, podem ser usados de modo a criar articulações formando um sistema de encaixe. Já os materiais mais elásticos e flexíveis, como ervas, podem ser entrelaçados em torno de uma estrutura de suporte. Por fim, as “estruturas leves”, trazem diversos benefícios para a construção como a economia de material, a praticidade, a qualidade ambiental interna, a redução de impacto ambiental, a sustentabilidade, ligada ao baixo peso, e também ao uso de certos materiais e técnicas. Fica claro, então, que tais assentamentos se apresentam em diferentes formas e arranjos arquitetônicos, dependentes, fundamentalmente, da sua localidade e da finalidade de satisfazer as exigências da produção coletiva e individual. Constituem-se em locais de trocas sociais, culturais e econômicas, possuindo diferentes relações, modos de interação e a característica singular da vida coletiva. As atividades produtivas, como agricultura, artesanato e produção de energia, têm um papel relevante na conformação da estrutura urbana do assentamento. Há hoje um grande abandono das técnicas de construção da arquitetura vernacular e, por conseguinte, faz-se necessária a definição de uma estratégia de conservação e valorização deste patrimônio. A conservação da arquitetura tradicional impulsiona o desenvolvimento econômico regional, já que gera demanda de trabalho, promove e preserva a execução de artesanatos; promove a construção civil, gera ou ainda preserva pequenas indústrias e comércios, e permite a salvaguarda da identidade cultural da arquitetura tradicional, o que atrai o turismo e incentiva, mais uma vez, o desenvolvimento da economia local. A arquitetura vernacular também garante a reutilização de recursos em caso de conservação e/ou reabilitação parcial ou total do patrimônio construído, o que é uma ação sustentável. A reabilitação de um patrimônio reduz o consumo de recursos, de energia, de poluentes para a atmosfera e de equipamentos de transporte. Certo é que a arquitetura vernacular por mais simples que possa parecer traz uma infinidade de benefícios à sociedade como um todo. E foi estudando esta forma tão tradicional de construção que o Projeto VerSus obteve resultados positivos. A obtenção de resultados satisfatórios levou então à continuidade deste projeto. O VerSus 2 tem o intuito de conseguir alcançar a sociedade por meio da divulgação das informações obtidas, dos princípios, dos indicadores e também das qualidades sustentáveis dos exemplos identificados. Este segundo projeto, busca, ainda, sensibilizar a sociedade sobre o verdadeiro valor e contribuição que a arquitetura vernacular pode vir a trazer para o desenvolvimento de soluções inovadoras para um design sustentável.
OLIVER, Paul. “Necessity and sustainability: The impending crisis”. In: OLIVER, P. Built to meet needs: cultural issues in vernacular architecture. Oxford: Architectural Press, 2006, pp. 411-425.
Eixos de análise abordados:
Conceitos e métodos
Tecnologia tradicional no território e na edificação: vigências e usos contemporãneos
Dados sobre o autor(es) e obra:
Paul Hereford Oliver nasceu em Nottingham, Inglaterra, em 1927. É historiador da arquitetura e escreve também sobre blues e outras formas de música afro-americana. Foi pesquisador do Oxford Institute for Sustainable Development da Oxford Brooks University, de 1978 a 1988, e Associated Head of the School of Architecture. É conhecido internacionalmente pelos seus estudos sobre arquitetura vernacular, em especial, como editor da Encyclopedia of Vernacular Architecture of the World (1997) e pelo World Atlas of Vernacular Architecture (2005). A enciclopédia reúne pesquisas e estudos sobre arquitetura vernacular em todas as regiões do mundo, sendo a principal referência sobre o tema com esta abrangência até o momento. O texto em exame é datado de 1982 e está publicado na coletânea em referência na parte que trata da transmissão das técnicas construtivas tradicionais.
Resumo :
Neste artigo, Oliver faz uma revisão dos estudos já realizados sobre arquitetura vernacular e sobre sua importância para a formação de profissionais mais conscientes sobre o papel estratégico que essa arquitetura pode ter na solução do déficit habitacional mundial e também na produção de edificações e cidades mais sustentáveis. Assinala os estudos pioneiros de Victor Mindeleff (1891) e Lewis H. Morgan (1881) e observa que os antropólogos só começam a prestar atenção nas edificações dos povos que estudam nos anos de 1930, sendo um marco a obra de Grioule (1949) que revelou o simbolismo e os valores atribuídos às edificações dos Dogon de Mali. Durante a ocupação nazista, segundo Oliver, foram realizados os primeiros esforços para documentar a arquitetura rural da França, estudo só publicado nos anos de 1980. Este trabalho enfatizava a tipologia, aspecto da arquitetura vernacular que dominaria também os estudos americanos. Registra os trabalhos do País de Gales, mas ressalta que foi Building in England down to 1540, de Salzman, o trabalho que influenciou a abordagem arqueológica desses estudos que predomina na Grã Bretanha até hoje. Já na Ásia e na Europa, os estudos privilegiaram a arquitetura monumental, mas trabalhos como Habitation des Fali, de Lebeuf (1961), ressaltaram a riqueza das tradições vernaculares do Oriente Médio, do Sul e do Oeste da África e da Ásia. A exposição Arquitetura sem Arquitetos(1964), organizada por Rudofsky no Museu de Arte Moderna de Nova Iorque, por sua vez, fixou e influenciou uma imagem estética para a arquitetura vernacular. Uma abordagem nova e alternativa, entretanto, surgiria com Rapoport a partir da publicação de House, Form and Culture (1969) e outros trabalhos. Nas décadas seguintes, os estudos crescem com trabalhos sobre vários países, que se caracterizam por registros da casa e da vida doméstica como objetos em vias de desaparecimento e sem consideração sobre seu papel no futuro. Estudos internacionais e comparativos entre culturas demoraram a se desenvolver, sendo que o mais interessante como registro arquitetônico e dos processos construtivos surgiu entre 1949-50, intitulado L’Habitat au Cameroun (1952). Começa nessa época a consciência, em algumas escolas de arquitetura, de que o vernacular teria algo a ensinar aos estudantes. Este interesse e a falta de publicação mais abrangente sobre o tema foi o que teria animado Oliver a escrever o livro Dwellings: the House across the World (1984). Em 1988, foi convidado a compilar a primeira enciclopédia sobre o assunto destinada a ser uma ferramenta educacional de arquitetos, mas também de políticos, cientistas sociais, economistas ou quaisquer outros profissionais que sejam chamados a opinar e decidir sobre o ambiente construído. Oliver critica, por fim, o desprezo pela arquitetura vernacular e a mentalidade da produção de “habitação em massa”. Defende-a como a arquitetura sustentável por excelência e ressalta seu caráter fundamental de adaptação às necessidades humanas, o que a coloca como estratégica para a solução dos problemas do mundo no século XXI. Reconhece, contudo, que para que esse potencial seja aproveitado e realizado é preciso investir na formação dos arquitetos e na valorização dessas tradições.