OLIVER, Paul. “Kaluderica: High-grade housing in an illegal settlement”. In: OLIVER, P. Built to meet needs: cultural issues in vernacular architecture. Oxford: Architectural Press, 2006, pp. 365-379.
Eixos de análise abordados:
Saberes tradicionais e espaço arquitetônico
Construção autogerida em meio urbano: espaços e técnicas
Dados sobre o autor(es) e obra:
Paul Hereford Oliver nasceu em Nottingham, Inglaterra, em 1927. É historiador da arquitetura e escreve também sobre blues e outras formas de música afro-americana. Foi pesquisador do Oxford Institute for Sustainable Development da Oxford Brooks University, de 1978 a 1988, e Associated Head of the School of Architecture. É conhecido internacionalmente pelos seus estudos sobre arquitetura vernacular, em especial, como editor da Encyclopedia of Vernacular Architecture of the World (1997) e pelo World Atlas of Vernacular Architecture (2005). A enciclopédia reúne pesquisas e estudos sobre arquitetura vernacular em todas as regiões do mundo, sendo a principal referência sobre o tema com esta abrangência até o momento. O texto em exame data de 2002 e está publicado na coletânea em referência na parte final que trata do papel da arquitetura vernacular em face dos desafios do século XXI.
Resumo :
O texto trata da autoconstrução e da construção autogerida em assentamentos ilegais e do processo de urbanização no antigo bloco dos países socialistas da Europa Central. Especificamente, o autor descreve o processo de formação de assentamentos ilegais na antiga Iugoslávia, a partir da venda de glebas rurais no entorno das cidades maiores. Comenta o crescimento dos assentamentos ilegais, especialmente no terceiro mundo, e a abundância da literatura sobre eles, a qual defende a ideia de que são produto do sistema capitalista. Mas observa que também nos países socialistas essa questão não está resolvida, apesar das suas economias planificadas e centralizadas. Na antiga Iugoslávia, apesar de uma rara administração descentralizada, da autonomia das províncias e de um sistema de planejamento urbano bastante sofisticado, não se conseguia equilibrar a demanda por habitação. Por causa desse déficit habitacional, pessoas menos qualificadas moram em habitações abaixo do padrão em assentamentos ilegais, situação que foi agravada pelo declínio da atividade rural e a conseqüente migração de famílias para a capital, Belgrado, o que provocou a ocupação de periferias rurais ou semi-rurais. Um desses assentamentos “selvagens”, Kaluderica, é o objeto deste artigo. O assentamento se desenvolveu a partir de uma vila já existente e foi tomando a forma das faixas de terra vendidas pelos camponeses. Apesar de a vila ser servida por transporte e haver comércio local, faltavam serviços como limpeza pública, deposição de dejetos, abastecimento d’água, pavimentação e esgotamento sanitário adequado. As casas, contudo, são sofisticadas em grande parte e com todas as instalações prontas, aguardando apenas a legalização do assentamento. Em algumas ruas, se relacionam bem umas com as outras, sendo a maioria em tijolo aparente. O acabamento final foi, em geral, entregue a um profissional e ocorreu depois de a casa já estar totalmente habitada. Muitas indicam a influência de modelos alemães, suíços ou austríacos e a influência vernacular aparece nas técnicas de alvenaria de tijolos, nos beirais, nas calhas e goteiras, no uso de entradas laterais e nos largos balcões. O agenciamento do espaço é, frequentemente, tradicional e camponês, com cama na cozinha, quarto de hóspedes, cômodo separado para guardar comida e espaço para a grande mesa usada em festividades. Embora o tijolo aparente dê certa uniformidade ao assentamento, a variedade de tipos de edificações é muito grande, bem como o nível e a qualidade da construção. A maioria, contudo, é de boa qualidade, com algumas que revelam a habilidade de um mestre pedreiro. Essa qualidade, inclusive no uso do concreto, é explicada pelo expressivo contingente de pessoas que se vinculou à construção civil com o boom de industrialização de Belgrado nos anos 1960. A construção e a conclusão da casa pode ser um processo longo, com o imóvel crescendo e sendo completado a partir das condições da família e das suas necessidades. Traços de consumismo e de desejo de ostentação aparecem em aspectos construtivos, especialmente nos gradis e portões de ferro que surgem como uma florescente manifestação de arte popular. Kaluderica é, para Oliver, um exemplo de autoconstrução de alto nível que mostra a possibilidade de se construir contemporaneamente com qualidade e com base na tradição vernacular.