RIBEIRO, Orlando. Açoteias de Olhão e Telhados de Tavira (Influências orientais na arquitetura urbana). In: RIBEIRO, Orlando. Geografia e Civilização – temas portugueses. 1ed. Lisboa: Livraria Letra Livre, 2013, p.79-215.
Eixos de análise abordados:
Saberes tradicionais e espaço arquitetônico
Tecnologia tradicional no território e na edificação: vigências e usos contemporãneos
Dados sobre o autor(es) e obra:
Importante geógrafo português, Orlando da Cunha Ribeiro (1911-1997) foi um dos responsáveis pela renovação da Geografia no país, e tem como obras principais Arrábida, esboço geográfico e Portugal, o Mediterrâneo e o Atlântico. Não há informação precisa sobre a data da primeira edição da obra em que se encontra o estudo em exame. Esta é uma edição fac-similar da sua 1ª edição publicada em 1961, em Lisboa, pelo Centro de Estudos Geográficos da Universidade de Lisboa/ Instituto de Alta Cultura.
Resumo :
Neste estudo, Ribeiro ressalta a cobertura como um dos elementos mais característicos da aparência das casas, descartando o determinismo climático estrito como causa de sua forma. A região do Algarve é estudada pelo autor como forma de ilustrar essa tese, pois, além de possuir zonas com características ambientais distintas, é a região em Portugal com maior variedade de telhados. Nela, destaca as “açoteias” sobrepostas (ou terraços) de Olhão e os telhados inclinados de quatro águas de Tavira como provas da absorção de trocas culturais, não necessariamente adequadas ao clima. No litoral oeste e na serra do Algarve, contudo, predominam telhados de uma só água. As construções acompanham terrenos em declive, mas com piso nivelado e sem pátio. Quando agrupadas, têm alturas desencontradas, encastrando-se umas às outras e criando uma variedade pitoresca. Barrotes fortes e compridos sustentam a cobertura. O Alentejo é escasso de árvores e, por isso, esses telhados de possível procedência berbere ocorrem mais na serra. A açoteia da casa rural é pavimentada com ladrilho, rodeada por platibanda baixa e usada, geralmente, para secar figo e alfarroba, podendo também servir para recolha de chuva para cisternas. O acesso se dá por escada interior e portinha, por escada exterior lançada sobre arco ou rampa ou por escada móvel de madeira encostada na platibanda. São comuns no Algarve e no Alentejo, mas como cobertura exclusiva surge somente no Olhão e na aldeia vizinha de Fuzeta com arranjo invulgar: um mirante também dotado de terraço, platibanda e acesso por escada exterior. Às vezes, acima deste, pode haver um “contra-mirante” com terraço ainda menor. Além da secagem de frutas, roupas e pescados, a açoteia serve também como depósito e, sobretudo, mirante para observação da saída e chegada de barcos. Ribeiro avalia que este arranjo proviria de influência moura ou oriental, já que seus pescadores, os mais hábeis do Algarve, que viviam em “palhotas” e navegavam pelo Marrocos e Mediterrâneo. No século XVIII, palhotas foram substituídas por casas de pedra, formando-se uma trama “mourisca” de ruas estreitas e irregulares, sem povoação muçulmana prévia, que indicaria transferência de usos, por imitação, sem influência do clima e reforçada por relações frequentes. Tavira, por sua vez, é originária do século XIII e seus telhados, feitos pelos artífices locais, são de açoteia; com platibanda; “telhados de esteira”, de duas águas, pouco inclinado e com revestimento interno de caniço; e o “telhado de tesouro” que, presente na maioria das casas, possui quatro águas muito inclinadas e telha de canudo, cobrindo apenas um cômodo. Ribeiro localiza as origens deste último nas possessões orientais do Império Português, pois existiriam em cidades portuguesas como Goa, Columbo, Dio e Malaca. O tipo, que teria absorvido dos hindus a forte inclinação, a quebra da baratelha e o uso de um telhado para cada corpo da construção, existe também em Luanda testemunhando a viagem entre Algarve e Oriente. A variedade de coberturas do Algarve se daria, assim, por sobreposição de influências pré-romanas, romanas, berberes e orientais somadas ao ajuste à geografia e economia locais. No entanto, algumas contradizem a “ecologia” como em Olhão – onde o clima não induz às açoteias – e Tavira que, em clima distinto, assimilou uma tipologia de áreas de monções.