SILVA FILHO, Olavo Pereira da. Carnaúba, pedra e barro na Capitania de São José do Piauhy. Belo Horizonte: Ed. do Autor, 2007. 3v.
Eixos de análise abordados:
Conceitos e métodos
Saberes tradicionais e espaço arquitetônico
Tecnologia tradicional no território e na edificação: vigências e usos contemporãneos
Construção autogerida em meio urbano: espaços e técnicas
Dados sobre o autor(es) e obra:
Olavo Pereira da Silva Filho possui graduação em Arquitetura (1972), especialização em Urbanismo (1975) e em Restauração e Conservação de Sítios e Monumentos Históricos (1979), todos pela Escola de Arquitetura da Universidade Federal de Minas Gerais. Foi vencedor da 21ª edição (2008) do Prêmio Rodrigo Melo Franco de Andrade do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) na categoria Pesquisa e Inventário de Acervos com o livro “Carnaúba, pedra e barro na Capitania de São José do Piauhy”. Atualmente é responsável técnico na empresa OP ARQUITETURA LTDA. Tem experiência na área de Arquitetura e Urbanismo, com ênfase em Planejamento e Preservação de Sítios Históricos.
Motivado pela falta de referências sobre o quase desconhecido acervo arquitetônico e urbanístico do Piauí, o autor promove um trabalho de levantamento de vários sítios históricos do estado, com atenção especial para os elementos construtivos mais largamente utilizados: carnaúba, pedra e barro. Dividida em três volumes (Estabelecimentos Rurais, Arquitetura Urbana e Urbanismo), a obra procura compreender a organização espacial e os sistemas construtivos, associando a pesquisa arquitetônica aos aspectos sociais, econômicos e culturais que permearam a origem e a evolução tanto dos estabelecimentos rurais, quanto das áreas urbanas piauienses, nos séculos XVIII, XIX e XX, além de abordar as condições de preservação desse acervo. No volume I, chama atenção para as primeiras povoações da região, que formaram uma sociedade rural onde as construções remetiam à retórica persuasiva do barroco, porém sem a rigidez do classicismo formalista e dogmático, dando espaço para significativos efeitos populares. Faz uma descrição do universo rural desta área da colônia, associando-o aos aspectos econômicos da região, baseados principalmente na pecuária, da qual se obtinha o couro para a produção dos mais variados objetos. Apesar dos poucos dados sobre a arquitetura produzida nessas terras durante o período da colonização, o autor afirma que se tratava de habitações feitas com técnica construtiva das mais precárias, levantadas quase sempre pelo trabalho escravo. Nesses primeiros currais, “as moradias não passavam então de arcabouços toscos e provisórios”. Ao tratar das casas de vaqueiros e roceiros, surge uma maior ênfase na arquitetura popular, visto que os próprios moradores constroem suas casas, utilizando carnaúba, pedra e barro. Tal situação ainda hoje referencia territórios do agreste. Em seguida, Silva Filho analisa as casas de fazendas, as quais já possuem esquemas de implantação e setorização que, apesar de não haver opulência nem sistemas inovadores, apresentam-se com melhor noção de harmonia e equilíbrio. Com um levantamento de várias fazendas espalhadas por todo o Piauí, o autor distingue tipologias para as casas, descreve seus espaços e discorre sobre as técnicas construtivas utilizadas. No volume II, dedicado à arquitetura urbana, o autor informa que as construções citadinas do Piauí não se distanciavam por completo dos léxicos renascentistas, sobretudo os edifícios religiosos e públicos construídos nas áreas das praças centralizadas. A acomodação das composições traduz a coerência do contexto social a que servia. Trata-se de uma arquitetura objetiva e transparente, despojada de aparato ornamental, com formas simples e sintéticas limitadas à base portuguesa e simetria apegada à caixa estrutural. Propagou-se, em linguagem característica por todo o estado, uma expressão vernacular oriunda de uma reconfiguração do engenho lusitano da costa leste reconfigurada através dos recursos materiais e cognações espirituais do agreste. “Não se sabe de projetistas”, os arquitetos foram seus proprietários e mestres de obras, embasados em programas típicos do litoral e do interior baiano. A falta de arquitetos e engenheiros fez dos mestres de obras os verdadeiros projetistas da Capitania e mesmo da Província. Eram comuns prédios com formas semelhantes servirem a funções diferenciadas, confundindo-se fachadas de cadeias, intendências e escolas, por exemplo, e, às vezes, até as casas de moradia, em algumas situações, também repetiam o esquema de plantas de prédios públicos. Já no final do século XIX, momento de transição dos costumes e das formas de produção, os centros urbanos assimilaram novos padrões. O intercâmbio comercial proporcionou a reprodução do ecletismo no começo do século XX, estilo que já estava disseminado por todo o Brasil. Novas soluções arquitetônicas e urbanísticas passaram então a ser praticadas nas cidades piauienses. Silva Filho descreve amplamente as casas de residência e de comércio, destacando programas, implantação, setorização, técnica construtiva, mobiliário e utensílios domésticos. Levantamentos de construções em várias cidades do estado enriquecem seu relato. O volume II examina ainda os prédios históricos de função pública (instalações militares, casas de câmara, cadeias, intendências e repartições, mercados, edifícios de recreação, estabelecimentos de ensino, estações ferroviárias e equipamentos urbanos), além de edificações religiosas, com exemplares de diversos núcleos urbanos do Piauí. Por fim, o volume III analisa o fenômeno da urbanização em solo piauiense,iniciado a partir da segunda metade do século XVII. De acordo com o autor, esse não foi diferente de outras tantas regiões interioranas, onde os caminhos do gado fizeram surgir nucleações lineares, estruturando espaços com funções sociais, econômicas e religiosas. Silva Filho chama atenção para as Cartas Régias, em especial a de 1761, que estabeleceu a criação de vilas nas povoações paroquiais e instaurou a primeira cidade piauiense ao elevar a tal categoria a vila da Mocha, primeiro centro urbano local. Estes documentos foram determinantes para o urbanismo da região já que ordenavam o processo de urbanização, com o objetivo de deixar as cidades com características portuguesas, como se vê, por exemplo, em seus traçados ortogonais. A maior parte das nucleações urbanas eram vilas durante o período colonial. Somente no Império, muitas foram elevadas à categoria de cidades. Em “Aspectos urbanos”, o autor analisa o processo de urbanização de várias cidades do estado e, considerando tudo o que foi exposto até então, discute os processos de “ruptura e perda” e reflete sobre as condições de preservação do acervo histórico de arquitetura e urbanismo do Piauí. A obra possui vasta documentação iconográfica, mapas, desenhos e ilustrações, elaboradas pelo próprio autor ou resultantes de suas pesquisas arquivísticas, que acompanham as informações contidas nos três volumes. Além disso, com a intenção de proporcionar melhor interpretação e clareza, Silva Filho acrescentou um glossário dos termos técnicos e expressões vernaculares que aparecem ao longo do texto e que necessitam explicações.