Obra farta em fotos e ilustrações de Fernando Galhano e Manuela Costa que trata das técnicas tradicionais de serração de madeira. Começa-se reconhecendo a proeminência da madeira, como material privilegiado, na História. Entre suas vantagens, assinala-se as grandes dimensões de suas peças, a sua abundância em várias partes do globo, o trabalho (corte, talho, preparo) e o transporte (rolagem e flutuação) fáceis. Assim, era material primordial da era eotécnica, base dos principais instrumentos de caça, da tecnologia agrícola, dos meios de transporte (barcos, trenós e carros), de pontes e fortificações, crucial nos processos mecânicos de transformação – em moinhos e motores, equipamentos têxteis, tornos e prensas – além de seu importante papel no universo ritualístico, na estatuária e em máscaras. Tão versátil que ainda estava presente quando da ascensão da metalurgia, no séc. XIX. Duas seriam as formas de construção em madeira encontradas na Europa. Uma, com estrutura em esqueleto com montantes e traves, onde havia florestas abertas e luminosas de árvores de folhagem na Alemanha, Suíça, França, Inglaterra e sul da Escandinávia. Outra, com paredes autoportantes de toros ou pranchões horizontais, onde havia densas florestas de coníferas como na Rússia, Finlândia, Escandinávia, Europa Central e Alpes. Ao sul da Europa, com árvores mais escassas, apareceria outro tipo de construção. Portugal apresenta três áreas florestais, com predomínio de distintos tipos de árvore. O pinheiro bravo domina no oeste atlântico, em área delimitada ao norte pelo rio Minho e, ao sul, pela embocadura do Sado, avançando para o interior pela vertente ocidental da cadeia montanhosa do centro do país. Árvores de folha caduca, carvalhos e castanheiros, predominam nas terras altas, Serra Minhota, Trás-os-Montes, Beiras Interiores, até as serras de São Mamede, Sintra e Monchique. No Sul, no Alentejo e no sudeste da Beira Baixa, seria a área do Quercus, de folha perene, montados de sobreiro e azinheiro. Tais zonas florestais teriam correspondência arquitetônica. No sul, apelou-se ao emprego de abóbadas e chãos ladrilhados, enquanto nas regiões ricas em madeira, nortenhas, despontou uma arquitetura em madeira, com uso amplo em pavimentos, armação de telhados, portas e janelas. Após uma rápida história das serras a partir da Idade da Pedra, mostrando-se modelos históricos e interpretando-se a iconografia existente, aborda-se a situação em Portugal. As Grandes Navegações foram a grande demanda que definiram a serração no país, inclusive com políticas reais para fornecimento e trato da madeira. Para abastecimento dos estaleiros, recorreu-se, principalmente, aos Pinhais de Leiria, grande mata nacional cuja serração atraiu e fixou gente, propiciando mesmo sua especialização nessa tarefa. O transporte da madeira se dava em geral pelos rios, mas também em, alguma medida, por meio de carros de bois. Em seguida, e este é o cerne da obra, descreve-se as três formas de serração tradicional: braçal, hidráulica e eólica. A serração braçal era preponderante até a aparição das serras em fita de efeito contínuo, dada a fragilidade dos sistemas mecânicos tradicionais e as limitações da rede viária. Executava-se por pares de indivíduos – unidade laboral chamada “serra” – que se embrenhava nas florestas, em trabalho itinerante e imprevisível, vivendo temporariamente em abrigos elementares, de costaneiras e ramos de árvores. O trabalho se desempenhava no local da derrubada, com corte em toras, descascamento e alinhamento, necessitando de sincronia, força e experiência, onde o papel de comando era, também, o de maior esforço. Os engenhos de serração hidráulica, por sua vez, aparecem em documentos do início do séc. XV, com rápida difusão, propagando-se para as ilhas atlânticas, em especial o arquipélago da Madeira, que tinham abundância de madeiras boas e de veios d´água aproveitáveis. Estão especialmente localizados entre os rios Douro e Minho, no Noroeste do país – dotado de excepcional rede hidrográfica e intensas manchas de arvoredo junto de rios ou ribeiros. Com frequência, ficavam ao lado da casa do proprietário, em geral, numa construção em pedra, de planta triangular, com rodas alimentadas por desvios dos rios ou por meio de açudes. Estas construções são pequenas, ao alcance de qualquer um, com maquinário elementar e de fácil construção. O modelo de organização do empreendimento é simples, onde um só indivíduo podia mantê-lo operando. Com produção de baixo nível econômico, não há sucesso da técnica em quadro de exploração capitalista. Ao contrário, é empregada em exploração do tipo familiar, com pluriemprego, sempre subsidiária de outras operações, como instalações de moagem, e com emprego de pouco capital. Seu manuseio é realizado pelo proprietário ou criado e, em alguns casos, por diaristas. Quanto aos engenhos de serração eólica, há menção a um exemplar apenas, montado por técnicos holandeses no tempo de D. João V, sem muita informação a respeito do exemplar, embora com registros que dão conta de uma estrutura técnica e administrativa complexa. A coexistência de tais sistemas nem sempre foi pacífica. Ao contrário, as medidas legais se davam sempre em detrimento da serração braçal, com proteção às serrações mecânicas. Apesar da chegada tardia em Portugal, a serração mecânica industrial foi responsável pela extinção dos sistemas tradicionais.