O artigo apresenta um estudo das transformações ocorridas em conjuntos habitacionais da COHAB, em Recife, com riqueza de imagens. A solução multifamiliar para a moradia é implementada num conjunto popular público em Recife no final dos anos 1970, na etapa 4 da COHAB e no Conjunto COHAB-Rio Doce. Neste último, os grupos de edifícios sobre pilotis são arranjados sobre quadras comuns, sem individualização dos lotes e a partir dos preceitos modernistas, com rés do chão livre e público, tênue gradação entre domínio público e privado, sem portais de controle, exceto pelo hall de acesso aos apartamentos. Os conjuntos seguintes abandonarão os pilotis, porém com a mesma concepção das quadras. Na sua maioria, são edifícios de 3 a 4 pavimentos, em barra dupla, conectados pela circulação vertical e horizontal, combinados com habitações unifamiliares (isoladas, térreas ou dúplex, geminadas ou não, em quadras tradicionais). Mudanças drásticas foram feitas com o passar dos anos nas lâminas edificadas originais, como novas estruturas em concreto, eliminação de paredes portantes, extensões e adições que desrespeitam os recuos exigidos por lei. Por trás das mudanças mais vistosas, como novos revestimentos, coberturas e anexos, a mais profunda é a que passa desapercebida: a procura por um acesso direto à rua, negando-se o princípio condominial. Enquanto na casa isolada as transições entre público e privado são claras, no edifício de apartamento há zonas intermediárias, ambíguas e reguladas por normas diversas, como o hall, a escada de acesso e patamares. Igualmente ambivalente é o espaço dos recuos em relação à rua, que é público e sem controle. Nas casas, o espaço do recuo é privado e controlado, separado por uma barreira física, organizando as partes do terreno, cujo uso é definido pela família, enquanto nos condomínios depende da negociação de várias famílias. Os espaços intersticiais e demais áreas livres são apropriados e privatizados pela expansão das unidades de moradia, bem como pela construção de equipamentos e serviços, criando-se vielas, passagens e largos, que acentuam as diferenças entre os espaços livres, com clara demarcação entre interior e exterior das quadras e criação de um gradiente de privacidade, além do reestabelecimento da polaridade tradicional entre frente/fundo por meio da hierarquia do movimento: o acesso aos apartamentos se faz pelos espaços mais privativos (e não necessariamente pelo fundo geométrico das quadras). No Conjunto COHAB Curado 3, o sentido de frontalidade das unidades de moradia é restituído pela construção de escadas independentes que dão acesso direto à via pública. Os conjuntos habitacionais populares, assim, migram lentamente da previsibilidade formal do modelo modernista, à aparente desordem, na realidade à lógica, dos assentamentos espontâneos. Tais transformações têm ocorrido em praticamente todos os conjuntos populares da periferia de Recife e revelam uma discrepância entre as concepções dos projetistas e dos moradores sobre o controle da acessibilidade e da visibilidade, transgredindo as normas e redefinindo os códigos de uso, que são os da vida social e espacial.