SANCHES, Déborah Cimini Cancela. A produção do espaço no território Xakriabá: aldeias Imbaúbas e Caatinguinha. 2014. 2014 f. Dissertação (Mestrado) - Curso de Arquitetura e Urbanismo, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2014.
Eixos de análise abordados:
Saberes tradicionais e espaço arquitetônico
Tecnologia tradicional no território e na edificação: vigências e usos contemporãneos
Território e etnicidade
Dados sobre o autor(es) e obra:
Formada Arquiteta e Urbanista pelo Centro Universitário Metodista Izabela Hendrix (2006) e mestre pela Universidade Federal de Minas Gerais (2014), possui campo de pesquisa na área da arquitetura vernacular e bioconstrução e produção do espaço entre os indígenas Xakriabá- MG. Desenvolve pesquisas e projetos focando ecoaldeias, bioconstrução, arquitetura sustentável, geometria sagrada e ecologia.
Os índios apurados: o caso das aldeias Caatinguinha e Imbaúbas
Modos de morar Xakriabá
Considerações Finais
Referências Bibliográficas
Anexos
Mapa do Território Xakriabá
Resumo :
A autora busca compreender a produção do espaço no Território Indígena Xakriabá (TIX), no norte de Minas Gerais,a partir da relação entre aspectos sócio-cultural e território. No sentido de compreender as práticas cotidianas que interferem na produção do espaço físico e social, a autora estuda duas aldeias, Caatinguinha e Imbaúbas, ambas em situação de vulnerabilidade social. A constituição original dessas aldeias está relacionada a agrupamentos formados por extensos núcleos familiares. A concepção de território Xakriabá é relacionada a partir de um conjunto de lugares e suas relações, tendo como pontos de referência os chamados de lugares sagrados. No sentido Xakriabá, deve-se entender o território a partir das pessoas pertencentes à terra, atingindo assim um nível material e ao mesmo tempo simbólico. O conceito de aldeia Xakriabá está relacionado à ideia de viver em comunidade, com plantio e produção coletiva. A posse e o direito do uso da terra são relacionados a quem nela trabalha. Quando uma família começa a plantar em uma área, aquele local é respeitado como pertencente àquele grupo. A falta de água é, desde a demarcação da terra indígena, uma questão importante, tanto para a subsistência, quanto para o plantio e a criação de gado, sendo a proximidade de fontes de água um fator determinante para a escolha dos locais de assentamento quando necessário. Outra questão importante na escolha desses locais é a proximidade às estradas e caminhos para as roças, que normalmente são constituídas em locais mais apropriados ao plantio e distantes da moradia. O tipo de moradia mais antiga é a casa beira chão, uma estrutura de caibros de madeira que vão quase até o chão, delimitando uma cobertura em duas águas que funciona também como paredes da casa. Esta estrutura possui planta retangular organizada em um vão apenas. Para dormir, são feitos jiraus, uma estrutura de madeira, suspensa por forquilhas cravadas no chão sobre a qual se colocam esteiras. Também são utilizados colchões de palha de bananeira ou milho e couro de gado que são estendidos por toda a casa. Cozinha-se debaixo das árvores nos terreiros ou dentro da casa, com fogão sobre um jirau coberto com barro e palha. Outra estrutura de habitação são as lapas, bastante comuns enquanto não é possível construir uma casa, mas, atualmente, são mais utilizadas para rituais. São constituídas de cavernas, muito presentes devido à geologia da região, cujas entradas são fechadas com palha e dentro se coloca esteira para dormir e uma estrutura para cozinhar no tempo da chuva. Há ainda uma variação da casa beira chão, feita com varas amarradas com cipó nas paredes e na cobertura. Esta variação possui paredes externas expostas e telhado com beiral mais curto do que as casas beiras chão. As paredes e coberturas são feitas em capim, palha ou madeira. As madeiras, quando usadas para fechamento, são varas amarradas bem próximas umas às outras. Nas coberturas, são usadas cascas de árvores prensadas até secar, criando grandes painéis de madeira que são amarrados e sobrepostos na estrutura do telhado para que não haja vazamentos. São também utilizadas telhas de barro e paredes de pau a pique e enchimento em barro ou adobe. A casa de abobe pode ser construída sem esteios, sendo chamada de casa de caixão. A pintura das casas de barro era feita com argila colorida ou cal, chamada pintura de tóa, feita todos os anos na época da seca e que durava apenas até a época da chuva. Atualmente esta técnica não é mais comum pela falta da sua transmissão pelos mais velhos para as novas gerações. As casas de adobe são apenas caiadas. As medidas da casa são feitas a partir das referências do corpo das pessoas que constroem e moram e, devido a isto, são comuns portas e pé direito igualmente baixo. Com esta referência corporal, define-se a dimensão dos cômodos da casa e sua medida final segue a modulação utilizada. Há poucas ou nenhuma janela, o que proporciona pouca luminosidade no interior. A implantação da casa é tradicionalmente feita no sentido leste/oeste. Atualmente, entretanto, é perceptível que a implantação está relacionada com as estradas existentes. Muitas atividades acontecem do lado de fora da casa, o espaço de moradia abrange então mais do que o espaço da casa propriamente dito. A quantidade de casas no terreno da família varia de acordo com a quantidade de filhos casados, sendo então o terreiro/quintal um espaço compartilhado. É nesse terreiro que está plantado o jardim e onde as pessoas passam a maior parte do dia, desempenhando papel fundamental na produção e reprodução da cultura. Nesta área se encontram ainda galinheiro, chiqueiro, horta, uma pequena roça, um jirau que funciona como apoio longe do acesso dos animais e o paiol para reserva de mantimentos colhidos na roça. Algumas casas possuem cozinha externa. Recentemente, foi incluído nessa composição o banheiro, de uso comum e a cisterna, feita em argamassa armada ou de plástico. Em poucas casas há moinho de farinha, não sendo, porém, comum a produção de farinha na maioria das aldeias Xakriabás. A autora apresenta ainda as principais tipologias encontradas nesse território. São casas com quatro ou seis cômodos, ampliados de acordo com a necessidade. Atualmente começam a ser construídas casas em alvenaria e outros materiais não tradicionais, além da inserção de equipamentos eletrodomésticos, que alteram as configurações espaciais das casas tradicionais. Algumas casas construídas com novos materiais apresentam banheiro e cozinha no espaço interno. Em alguns casos são também inseridas garagens. Além da mudança de materiais, percebe-se também uma perda do conhecimento do saber construir tradicional, detido apenas pelos mais velhos. Aqueles que ainda possuem conhecimentos de técnicas de construção tradicionais, sabem construir apenas com materiais tradicionais, não incorporando novos materiais a essas técnicas. Ou seja, percebe-se um grande desaparecimento das técnicas tradicionais em detrimento das novas, que utilizam materiais industrializados. Nesse contexto, a autora questiona a eficiência da utilização de novos materiais e técnicas quanto à adequação ao tipo de solo e clima local. A paisagem das aldeias vem passando por inúmeras transformações, principalmente decorrentes de políticas públicas de saneamento básico e construção de habitações populares. Esses programas fornecem casas de dois, três e quatro quartos, definidos de acordo com a quantidade de moradores, que são questionados pelos Xakriabás devido à falta de adequação ao processo de aumento das famílias, aos acabamentos e à estrutura geral que não se adéquam culturalmente às necessidades desse povo. Além desses aspectos, são criticados também por causa da inadequação dos materiais e técnicas construtivas ao clima e solo locais e dos espaços pequenos demais, questionando-se a falta de participação dos Xakriabá no desenvolvimento dos projetos.