A obra denuncia a favelização e a precarização das condições de trabalho e vida nas cidades do chamado Terceiro Mundo como consequência, entre outros fatores, dos Planos de Ajuste Econômico impostos pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) e Banco Mundial para solucionar as crises das dívidas externas dos países em desenvolvimento. Davis não se debruça especificamente sobre a arquitetura desses assentamentos, mas aporta informações importantes sobre sua espacialização, demografia e tendências de desenvolvimento contemporâneo, além de sobre a história do conceito de favela. No primeiro capítulo, informa sobre o processo de urbanização contemporâneo, caracterizado por mega e hipercidades e crescente urbanização do campo. Na Ásia haveria uma relação quase clássica entre crescimento industrial e migração urbana, mas na Índia, América Latina e África, o crescimento urbano se daria em situações de desindustrialização, falta de desenvolvimento e aumento da produção agrícola como resultado das políticas de ajuste macroeconômico e desregulamentação agrícola desenvolvidas pelo FMI e do Banco Mundial, que sufocaram toda atividade rural fora do agronegócio e empurraram essa população para as cidades nos anos 1980 e 1990, fazendo-as funcionar como “lugares de reprodução da pobreza” que têm a favelização como principal modo de urbanização. Davis baseia-se no relatório, de 2003, do Programa de Assentamentos Humanos da ONU, denominado The Challenge of Slums, que é analisado no capítulo 2, onde também se apresenta a evolução histórica do termo slum. O sentido de “lugar de degradação humana” surge em meados do século XIX e caracterizará a “favela clássica” como lugar restrito e de práticas imorais, habitações dilapidadas, excesso de população, doença, pobreza e vício. O relatório da ONU mantém essa definição, mas sem o julgamento moral, acrescentando o acesso inadequado a agua potável e a condições sanitárias, além da insegurança da posse da moradia. Davis apresenta uma classificação das favelas conforme sua localização no núcleo metropolitano ou na periferia, distinguindo, nessas localizações, favelas formais e informais. As favelas “formais” das áreas centrais são cortiços, moradias públicas para aluguel, pensões, hospedarias, abrigos. As informais provêm de invasões e de ocupações de moradores de rua. Na periferia, as favelas “formais” resultam de aluguel particular ou de moradias públicas e as informais dos loteamentos clandestinos e invasões. Além dessas, acrescenta os “campos de refugiados”. Nesses contextos, os “locatários invisíveis”, isto é, aqueles submetidos ao processo de transformação da habitação informal em mercadoria são os mais frágeis. Sobre a pobreza dentro da cidade, além dos cortiços, Davis menciona a transformação de bairros burgueses em favelas e a ocupação residencial de cemitérios, telhados, barcos e poços de ventilação, entre outras. Nas periferias, ressalta o custo prévio das invasões, em termos de propinas pagas pelo “direito” de invadir, e a ocupação de terras de baixo custo e lugares de risco, questionando as “vantagens” da invasão em termos da diluição do custo de construção. Davis não é, de fato, um entusiasta da favela como solução. O terceiro capítulo apresenta uma periodização histórica das tendências principais da urbanização da pobreza mundial e o capítulo 4 aponta a diminuição do papel do Estado e a abdicação do seu papel na luta contra as favelas como consequência dos ajustes econômicos capitaneados pelo FMI e Banco Mundial. O crescimento da influência dessas organizações nos rumos da urbanização mundial seria também consequência, segundo Davis, do programa habitacional de baixo custo defendido por John Turner nos anos 1970, o qual teria ido ao encontro da sua postura neoliberal e criado um paradigma “anarquista-liberal” que afastou os governos do Terceiro Mundo do fornecimento habitacional. O elogio da favela é então definido como uma “cortina de fumaça” que autorizou a revogação de compromissos estatais. Davis critica violentamente os programas de melhoria de favelas por aceita-las como realidades eternas, traduzirem a injustiça de 1/4 da população urbana viver em 5% dos terrenos e encobrirem as causas da desigualdade, além a ausência de macroestratégias para resolver o problema. Critica ainda a concessão de títulos de propriedade como submissão dos favelados aos impostos, enfraquecimento da solidariedade e da luta por mudanças estruturais e como promoção da divisão de classes dentro da favela. Davis conclui que a mercadorização da moradia e da terra urbana em metrópoles demograficamente dinâmicas, mas sem empregos, reproduziria os ciclos viciosos de superpopulação e aluguel que formaram os slumsda era vitoriana. O capítulo 5 focaliza as disputas de classe pelo espaço urbano e o papel do Estado na transformação da terra em mercadoria. Aponta o papel da segregação urbana na maximização do lucro particular por meio de intervenções de melhoria urbana, gentrificação, eventos internacionais, campanhas de embelezamento, erradicação do comércio informal e criminalização das favelas. Essa “haussmanização contemporânea” reivindica o centro urbano de volta para as classes superiores que, contudo, já estariam de “malas prontas” para partir para os condomínios fechados de subúrbios exclusivos. Estaria, assim, ocorrendo uma reorganização do espaço urbano metropolitano com diminuição drástica do contato entre ricos e pobres, distinta da segregação social e da fragmentação urbana tradicional. O capítulo 6 aborda a localização das favelas em áreas insalubres e de risco físico e seu papel na ampliação dos riscos geológicos e climáticos. Estas são apontadas também como as principais vítimas de desastres naturais e outros acidentes, e como promotoras da devastação de áreas verdes e da poluição de mananciais. No capítulo 7, aprofunda-se a crítica aos Planos de Ajuste Econômico do FMI e o último capítulo trata das atividades informais na cidade. Na América Latina, avalia-se que o setor envolve 57% da população economicamente ativa, com porcentagens crescentes nas pequenas e médias cidades. A visão do setor informal como protocapitalismo e trampolim para inserção da pobreza no mercado é criticada, mostrando-se sua heterogeneidade e divisão em “pequena burguesia” e “proletariado” informal, este último invisível e submetido a redes de exploração e abuso. No epílogo, Davis conclui que o capitalismo completou sua triagem da humanidade, definindo os que lhe servem e os que não servem para nada. Estes formariam uma “massa permanentemente supérflua” e sem esperança de inclusão. A favela surgiria então como única solução permitida para “armazenamento” dessa “humanidade excedente”. O livro apresenta dados sobre o Brasil e um ensaio fotográfico sobre as favelas do país.