A autora ressalta, neste texto, as especificidades e diferenças que existem entre o saber científico e os saberes tradicionais, mas também suas semelhanças e, especialmente, as “pontes” que podem ser feitas entre essas formas de conhecimento em prol de sua própria vitalidade e em benefício da humanidade. Uma primeira diferença que aponta entre os dois tipos de saber diz respeito à aspiração de universalidade e de verdade absoluta que caracterizam o saber científico, em contraste com a multiplicidade, o caráter local e a inclusão de divergências que caracterizam os saberes tradicionais. Embora enquanto prática, a ciência hegemônica seja impactada por injunções sociais, culturais, políticas e econômicas, ela se desenvolve dentro de um regime único articulado a protocolos acordados pela “comunidade científica”. Os saberes tradicionais, por sua vez, não têm essa pretensão e são desenvolvidos segundo tantos regimes quantos sejam os povos que os produzem. Entre o saber científico e o tradicional podem ainda ser listadas diferenças em termos de enquadramento num campo, de especialidade, de modo de produção e transmissão, de circulação e da geração de direitos e deveres. Apesar disso, a autora defende que podem ser comparados, uma vez que são formas de procurar entender e agir sobre o mundo, além de repousarem sobre as mesmas operações lógicas. Ou seja, são perfeitamente coerentes dentro do seu próprio regime de conhecimento, conforme foi demonstrado por Lévi-Strauss em O pensamento selvagem (1962). Este autor também apontou que no conhecimento científico predominam as “unidades conceituais”, ao passo que no tradicional, o conhecimento se estrutura a partir de “unidades perceptuais” ou “qualidades segundas” como cheiros, cores, sabores etc. A autora se insurge contra uma visão estática de saber tradicional que o toma apenas como um patrimônio a ser preservado. Defende, em consonância com a Convenção da Biodiversidade (1992), seu caráter dinâmico e aberto a inovações, ressaltando as contribuições efetivas que pode dar (e efetivamente já deu) ao saber científico. Ou seja, afirma que a ciência tradicional constitui “um potencial de renovação dos próprios paradigmas” do saber científico, sendo para ele uma fonte de benefícios e de inovação. Seria necessário, entretanto, romper com os preconceitos para com os conhecimentos tradicionais e para com os “modelos locais” de interpretação do real e de intervenção que produz. Para que o saber tradicional possa ser apropriado positivamente, a autora aponta a necessidade de dispositivos para sua valorização e proteção, inclusive em termos de propriedade intelectual. Estes, contudo, devem ser específicos e operar fora dos princípios de confidencialidade e de formação de monopólio que regulam a apropriação e difusão do saber científico. Ressalta que o Brasil, como “país megadiverso” e “equipado cientificamente” de modo suficiente, tem uma posição privilegiada, mas vem perdendo a oportunidade de instaurar “um regime de colaboração e intercâmbio respeitosos com suas populações tradicionais”.