Neste artigo, Arecchi aborda as perspectivas e ambiguidades que tangem o processo de autoconstrução em países em desenvolvimento no continente africano, focalizando a Argélia. O autor avalia a forma com a qual este processo construtivo têm sido organizado, sendo uma alternativa eficiente e viável na busca pela independência econômica e social de países em desenvolvimento, mas que precisa ser implementado de forma cuidadosa no que diz respeito às políticas públicas, à participação de empresas e organismos internacionais e de técnicos, de modo que a autoconstrução não gere um ciclo de dependência econômica e tecnológica destas comunidades em relação a outrem. Em sociedades ocidentais hiperindustrializadas, a autoconstrução e a bricolagem representam uma alternativa em direção à autossuficiência que permite ao homem controlar seu próprio ambiente construído. Contudo, em países como a Algéria, que ainda não se encontram em um estágio avançado de industrialização, a autoconstrução é muitas vezes vista como um sintoma tradicional de pobreza e a sua proposta como processo construtivo pode soar neocolonialista e antagonista da modernização. Arecchi defende que a autoconstrução é uma maneira de desenvolver consciência e ajuda mútua em uma comunidade, embora, muitas vezes, no continente africano seja difícil de se obter coesão popular devido às diferenças étnicas, religiosas e culturais existentes entre a população. A ajuda mútua, contudo, pode ser observada a partir de três origens distintas descritas pelo autor: a coesão popular atingida mediante oposição comum à opressão de um poder já estabelecido; a participação popular guiada e organizada por empresas e organismos internacionais ou cooperações bilaterais; a proposta governamental de regimes progressistas que veem na autoconstrução e na autossuficiência produtiva uma forma de se atingir o desenvolvimento nacional. Este último, contudo, pode fazer a população se sentir forçada a aceder à autoconstrução ao invés de haver de fato uma mobilização popular em prol de um interesse comum, o que é danoso para a sua implementação enquanto programa governamental. Arecchi defende que a autoconstrução enquanto política deve ser avaliada no que tange seus benefícios sociais e econômicos a partir da consideração da vida do camponês (e sua capacidade de dedicar tempo e força produtiva para trabalhar também em sua própria casa), e a possibilidade de gerar emprego especializado e fonte de renda. Desta maneira, a ampla mobilização social em projetos de autoconstrução promove benefícios sociais e econômicos, com formas de envolvimento e cooperação variadas, sem constituir de mais um fator de exploração das capacidades produtivas da população através de trabalho gratuito e não especializado. O autor também coloca em pauta a relação entre o uso de materiais locais e a autoconstrução, suas conotações e possibilidades tecnológicas. Arecchi defende que o estudo das tecnologias tradicionais permite que a autoconstrução assistida obtenha resultados eficientes que não poderiam ser atingidos pelo que foi chamado de autoconstrução de subsistência. Além disso, o aperfeiçoamento de técnicas tradicionais e materiais que podem ser obtidos no local evita o gasto com a importação de materiais e equipamentos de construção civil de outros países. Contudo, a crença coletiva de que o progresso advém da industrialização (e o consequente status econômico e social desta escolha) impulsiona a preferência pela importação de materiais e técnicas em detrimento das soluções tradicionais. No processo de autoconstrução assistida, uma das maiores dificuldades existentes está na mudança da relação entre técnico e usuário e na adoção de uma linguagem pelos primeiros que possa ser facilmente compreendida e internalizada pelos últimos. Além disso, os projetos devem ser adaptados às condições locais de modo que seja possível a sua administração e manutenção com o mínimo de importações possível, através da capacitação de artesãos e técnicos que saibam aplicar e difundir melhorias tecnológicas. Este sistema de produção local que abrange a elaboração do projeto, o uso de equipamentos, materiais e mão de obra local faz com que o país tenha certa independência dos demais em níveis tecnológicos, sociais e econômicos, além de permitir que as comunidades dominem o processo de produção de seus próprios habitats, o que potencializa o desenvolvimento social do país.
DAVIS, Mike. Planeta Favela. Tradução de Beatriz Medina – São Paulo: Boitempo, 2006.
Eixos de análise abordados:
Conceitos e métodos
Construção autogerida em meio urbano: espaços e técnicas
Dados sobre o autor(es) e obra:
Mike Davis (1946), urbanista americano, é professor no Departamento de História da Universidade da Califórnia (UCI), em Irvine, e especialista nas relações entre urbanismo e meio ambiente. Ex-caminhoneiro, ex-açogueiro e ex-militante estudantil, Davis é colaborador das revistas New Left Review e The Nation, e autor de vários livros, entre eles Ecologia do Medo, Holocaustos coloniais, O monstro bate a nossa porta (pela Editora Record), e Cidade de quartzo: escavando o futuro em Los Angeles. A obra em exame foi publicada pela primeira vez em 2006, pela editora Verso de Londres, sob o título Planet of slums. A edição brasileira possui posfácio de Ermínia Maricato e ensaio fotográfico de André Cypriano.
A obra denuncia a favelização e a precarização das condições de trabalho e vida nas cidades do chamado Terceiro Mundo como consequência, entre outros fatores, dos Planos de Ajuste Econômico impostos pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) e Banco Mundial para solucionar as crises das dívidas externas dos países em desenvolvimento. Davis não se debruça especificamente sobre a arquitetura desses assentamentos, mas aporta informações importantes sobre sua espacialização, demografia e tendências de desenvolvimento contemporâneo, além de sobre a história do conceito de favela. No primeiro capítulo, informa sobre o processo de urbanização contemporâneo, caracterizado por mega e hipercidades e crescente urbanização do campo. Na Ásia haveria uma relação quase clássica entre crescimento industrial e migração urbana, mas na Índia, América Latina e África, o crescimento urbano se daria em situações de desindustrialização, falta de desenvolvimento e aumento da produção agrícola como resultado das políticas de ajuste macroeconômico e desregulamentação agrícola desenvolvidas pelo FMI e do Banco Mundial, que sufocaram toda atividade rural fora do agronegócio e empurraram essa população para as cidades nos anos 1980 e 1990, fazendo-as funcionar como “lugares de reprodução da pobreza” que têm a favelização como principal modo de urbanização. Davis baseia-se no relatório, de 2003, do Programa de Assentamentos Humanos da ONU, denominado The Challenge of Slums, que é analisado no capítulo 2, onde também se apresenta a evolução histórica do termo slum. O sentido de “lugar de degradação humana” surge em meados do século XIX e caracterizará a “favela clássica” como lugar restrito e de práticas imorais, habitações dilapidadas, excesso de população, doença, pobreza e vício. O relatório da ONU mantém essa definição, mas sem o julgamento moral, acrescentando o acesso inadequado a agua potável e a condições sanitárias, além da insegurança da posse da moradia. Davis apresenta uma classificação das favelas conforme sua localização no núcleo metropolitano ou na periferia, distinguindo, nessas localizações, favelas formais e informais. As favelas “formais” das áreas centrais são cortiços, moradias públicas para aluguel, pensões, hospedarias, abrigos. As informais provêm de invasões e de ocupações de moradores de rua. Na periferia, as favelas “formais” resultam de aluguel particular ou de moradias públicas e as informais dos loteamentos clandestinos e invasões. Além dessas, acrescenta os “campos de refugiados”. Nesses contextos, os “locatários invisíveis”, isto é, aqueles submetidos ao processo de transformação da habitação informal em mercadoria são os mais frágeis. Sobre a pobreza dentro da cidade, além dos cortiços, Davis menciona a transformação de bairros burgueses em favelas e a ocupação residencial de cemitérios, telhados, barcos e poços de ventilação, entre outras. Nas periferias, ressalta o custo prévio das invasões, em termos de propinas pagas pelo “direito” de invadir, e a ocupação de terras de baixo custo e lugares de risco, questionando as “vantagens” da invasão em termos da diluição do custo de construção. Davis não é, de fato, um entusiasta da favela como solução. O terceiro capítulo apresenta uma periodização histórica das tendências principais da urbanização da pobreza mundial e o capítulo 4 aponta a diminuição do papel do Estado e a abdicação do seu papel na luta contra as favelas como consequência dos ajustes econômicos capitaneados pelo FMI e Banco Mundial. O crescimento da influência dessas organizações nos rumos da urbanização mundial seria também consequência, segundo Davis, do programa habitacional de baixo custo defendido por John Turner nos anos 1970, o qual teria ido ao encontro da sua postura neoliberal e criado um paradigma “anarquista-liberal” que afastou os governos do Terceiro Mundo do fornecimento habitacional. O elogio da favela é então definido como uma “cortina de fumaça” que autorizou a revogação de compromissos estatais. Davis critica violentamente os programas de melhoria de favelas por aceita-las como realidades eternas, traduzirem a injustiça de 1/4 da população urbana viver em 5% dos terrenos e encobrirem as causas da desigualdade, além a ausência de macroestratégias para resolver o problema. Critica ainda a concessão de títulos de propriedade como submissão dos favelados aos impostos, enfraquecimento da solidariedade e da luta por mudanças estruturais e como promoção da divisão de classes dentro da favela. Davis conclui que a mercadorização da moradia e da terra urbana em metrópoles demograficamente dinâmicas, mas sem empregos, reproduziria os ciclos viciosos de superpopulação e aluguel que formaram os slumsda era vitoriana. O capítulo 5 focaliza as disputas de classe pelo espaço urbano e o papel do Estado na transformação da terra em mercadoria. Aponta o papel da segregação urbana na maximização do lucro particular por meio de intervenções de melhoria urbana, gentrificação, eventos internacionais, campanhas de embelezamento, erradicação do comércio informal e criminalização das favelas. Essa “haussmanização contemporânea” reivindica o centro urbano de volta para as classes superiores que, contudo, já estariam de “malas prontas” para partir para os condomínios fechados de subúrbios exclusivos. Estaria, assim, ocorrendo uma reorganização do espaço urbano metropolitano com diminuição drástica do contato entre ricos e pobres, distinta da segregação social e da fragmentação urbana tradicional. O capítulo 6 aborda a localização das favelas em áreas insalubres e de risco físico e seu papel na ampliação dos riscos geológicos e climáticos. Estas são apontadas também como as principais vítimas de desastres naturais e outros acidentes, e como promotoras da devastação de áreas verdes e da poluição de mananciais. No capítulo 7, aprofunda-se a crítica aos Planos de Ajuste Econômico do FMI e o último capítulo trata das atividades informais na cidade. Na América Latina, avalia-se que o setor envolve 57% da população economicamente ativa, com porcentagens crescentes nas pequenas e médias cidades. A visão do setor informal como protocapitalismo e trampolim para inserção da pobreza no mercado é criticada, mostrando-se sua heterogeneidade e divisão em “pequena burguesia” e “proletariado” informal, este último invisível e submetido a redes de exploração e abuso. No epílogo, Davis conclui que o capitalismo completou sua triagem da humanidade, definindo os que lhe servem e os que não servem para nada. Estes formariam uma “massa permanentemente supérflua” e sem esperança de inclusão. A favela surgiria então como única solução permitida para “armazenamento” dessa “humanidade excedente”. O livro apresenta dados sobre o Brasil e um ensaio fotográfico sobre as favelas do país.
TASCHNER, Suzana. Squatter Settlements and Slums in Brasil. In: ALDRICH, Brian; SANDHU, Ranvinder (orgs). Housing the Urban Poor. Policy and Practice in Developing Countries. Londres: Taschner, 1995.
VERNA, Gita. Sluming India: A Chronicle of Slums and their Saviors. Nova Délhi: Penguin, 2002.
ISBN ou ISSN:
0-8478-0797-5
Autor(es):
Enrico Guidoni
Onde encontrar:
Acervo da Profa. Marcia Sant’Anna.
Referência bibliográfica:
GUIDONI, Enrico. Primitive Architecture. Milan: Electra Editrice; New York: Rizzoli International Publications, 1987.
Eixos de análise abordados:
Conceitos e métodos
Saberes tradicionais e espaço arquitetônico
Território e etnicidade
Dados sobre o autor(es) e obra:
Enrico Guidoni (1939-2007) foi professor de História da Urbanística na Faculdade de Arquitetura da Universidade de Roma "La Sapienza” e também docente de História da Arte junto à Escola de Especialização em Restauro de Monumenti e, a partir de 1997, de História da Arquitetura Moderna. Foi membro da Comissão Internacional de História das Cidades e fundou as seguintes revistas "Storia della città", "Storia dell'urbanistica", "Studi giorgioneschi" e publicou "Atlante di storia urbanistica siciliana", "Roma. Storia, immagine, progetto", "Atlante storico delle città italiane", "Civitates", "L'architettura popolare in Italia" e “Archittetura primitive”, objeto desta ficha e lançado em 1975 na Itália pela Editora Electra. Em 1991 promoveu, com E. De Minicis, a iniciativa cultural "Museo della città e del territorio". Foi curador, para a Comuna de Modena (Biblioteca Poletti), dos ciclos de conferências intitulados "Percorsi di storia della città", entre 1995 e 1998. A obra em causa é composta, em parte, de artigos retrabalhados pelo autor e publicados anteriormente no Dizionario Enciclopedico di Architettura e Urbanistica (1968).
Appendix – Primitive Peoples and Their Architecture
Selected Bibliography
Index
Listo f Photographic Credits
Resumo :
O livro é definido como “exploração pioneira de um corpo de conhecimentos que introduz um novo tema na história da arquitetura” e que tem sido tratado principalmente por especialistas em outras disciplinas. Entende-se que a arquitetura desempenha um papel central na vida econômica, social, cultural das populações e reivindica-se que seja estudada não somente como transformações que o homem opera no seu ambiente físico, mas quanto ao seu uso, significado e interpretações, atitudes e explicações atribuídas por quem a produz. Para Guidoni, mais do que tecnologia ou emprego de recursos materiais, a arquitetura é um instrumento político e social que deve ser abordado com relação à sociedade que o produz e interpreta, e com relação às atividades econômicas e rituais com que convive. Defende que a “arquitetura primitiva” seja considerada um tema autônomo, com o seu próprio campo e metodologia, pois entende que tem sido tratada equivocadamente, criticando neste sentido os estudos de Fraser, Oliver e Rapoport. No primeiro, critica a análise a-histórica e centrada em conceitos espaciais elementares, a separação entre relações sociais e ordem espacial e a correspondência entre desenvolvimento econômico e complexidade arquitetônica. O conceito de “arquitetura vernacular” de Oliver é criticado por englobar manifestações arquitetônicas muito distintas, o que comprometeria qualquer pretensão metodológica. Além disso, ao privilegiar ambientes geográficos em vez de complexos históricos específicos, a abordagem de Oliver reduziria tudo a um problema de resposta arquitetônica a um dado ambiente, subordinando fatores histórico-sociais aos ecológico-formais. Guidoni identifica em Rapoport este mesmo tipo de ambiguidade e uma oscilação entre uma abordagem antropológica e outra que denomina de “atomização do sistema arquitetura-sociedade”. Aponta a contradição que haveria em Rapoport ao conceber a arquitetura como um produto de fatores socioculturais e, ao mesmo tempo, considerar clima, construção, materiais e técnicas como fatores modificadores dos primeiros. Entende que essa abordagem supõe um intercâmbio entre tradições arquitetônicas diferentes, ignorando a relação essencial da arquitetura com o território. Como solução, propõe estender a noção de arquitetura para o conjunto “território, assentamento e habitação”, desprezando-se as soluções técnicas isoladas como resultado de pressões ambientais. Para Guidoni, o papel da arquitetura na sociedade, como instrumento de poder e de governo, seria manter a ordem social. Por isso, advoga que o estudo da “arquitetura primitiva” seja orientado por fatos históricos e étnicos específicos. Sua abordagem é história e cultural, indicando o materialismo histórico como um ponto de vista a ser seguido quando se trata de conectar arquitetura e propriedade da terra ou modo de produção e estratificação social. Entende que meios e relações de produção condicionam as relações entre grupo e território e indivíduo e comunidade. Consequentemente, não apenas defende que a “arquitetura primitiva” tem especificidades, mas também que esta expressão difere de “arquitetura popular” ou “vernacular”. Para Guidoni, o termo “vernacular” tem um uso generalizado e pouco rigoroso, designando uma arquitetura produzida fora do registro culto e da arquitetura oficial. Define “arquitetura primitiva” como a expressão das atividades espaciais de uma sociedade pré-estatal que ocupa um território específico e preserva um alto grau de independência política e econômica com respeito às demais sociedades com as quais mantem contato. Já “arquitetura popular”, expressaria as atividades espaciais de um grupo que ocupa um território em subordinação política e econômica a um complexo estatal ou dentro de um sistema desigual de distribuição dos meios de produção. Expressaria então a dependência de uma sociedade em relação a outra, onde a primeira funciona de modo semiautônomo com relação a um centro de influência política e cultural distante. Por essa razão, seria possível encontrar traços primitivos na arquitetura popular, assim como outros importados de modo mais ou menos arbitrário e relacionados à relação mantida com a sociedade dominante. Guidoni recomenda a adoção de dois princípios fundamentais no estudo da “arquitetura primitiva”: aderência à uma perspectiva histórica global, sem perder de vista a unidade entre arquitetura e contextos políticos e sociais, e pesquisa de campo exaustiva, tomando-se como evidência a arquitetura de cada grupo que tenha um conjunto específico de crenças e tecnologias. Esses princípios conduziriam à uma metodologia válida, pois focaliza a “arquitetura do território”, a relação entre propriedade da terra e arquitetura, e os modos como a tradição é utilizada, em seus aspectos simbólicos e artísticos, pelo grupo responsável por sua conservação e renovação. O livro está organizado em amplas áreas geográficas de acordo com a proximidade étnica e linguística dos grupos pesquisados. A organização dos quatro capítulos está relacionada aos problemas postos pela “arquitetura primitiva” e, de modo amplo, aos estágios de desenvolvimento econômico e social dos grupos tratados. O primeiro capítulo não tem foco geográfico e objetiva explicitar os vínculos entre arquitetura e território em populações nômades e seminômades. O segundo focaliza povos das Américas, Sudoeste da Ásia e Melanésia, lidando, principalmente, com as relações entre agricultura, moradia e assentamento. O terceiro capítulo é dedicado à Polinésia e aos índios do Noroeste da América do Norte, tendo como tema estratificação, prestígio social e o desenvolvimento de técnicas construtivas avançadas, e ornamentações elaboradas. O quarto capítulo objetiva ressaltar, a partir de região específica na África Ocidental, a transição e diferenças entre aldeia e cidade a partir dos meios de controle político e social. O Brasil surge, no primeiro capítulo, por meio da descrição da organização do território, do assentamento e da arquitetura dos indígenas Nambiquara e Ianomami; e, no segundo capítulo, das casas comunais dos Tupinambá, Desana e Tucano. Os grupos Timbira, Bororo, Xavante, Carajá, Chambisa e Javahé também são mencionados e resenhados no Apêndice. A obra é fartamente ilustrada com fotografias, iconografias e desenhos sobre a arquitetura e assentamentos “primitivos”.
TURNER, John F. C. «Uncontrolled urban settlement: problems and policies».In: Urbanization: development policies and planning, International social development review, n. 1. New York: United Nations, 1968, p. 107-128.
Eixos de análise abordados:
Conceitos e métodos
Construção autogerida em meio urbano: espaços e técnicas
Dados sobre o autor(es) e obra:
John Turner (1927) nasceu em Londres e estudou na Architectural Association School of Architecture, graduando-se em 1954. Viveu no Peru entre 1957 e 1965, trabalhando para o governo peruano na promoção e formatação de ações comunitárias para a implantação de programas habitacionais baseados na autogestão e na autodeterminação em assentamentos populares e invasões urbanas. Viveu de 1965 a 1973 nos EUA, quando se associou ao MIT, em Cambridge, Massachussetts, EUA. Foi também pesquisador associado da Universidade Harvard. De volta a Londres, foi conferencista da Architectural Association and the Development Planning Unit, University College of London, até 1983. Mudou-se de Londres para a cidade de Hastings, em 1989, localizada na costa sul da Inglaterra, quando tornou-se o administrador do Hastings Trust, uma organização não-governamental dedicada ao desenvolvimento sustentável dessa cidade. Escreveu vários livros e artigos sobre habitação e assentamentos populares na América Latina, EUA, Ásia, África e Oriente Médio. Turner é uma das principais referências mundiais sobre o tema da habitação popular. A obra fichada corresponde ao número 8 da Revista Architectural Design, o qual foi organizado por Turner e trata exclusivamente da questão habitacional na América do Sul.
O artigo trata do processo de urbanização intensiva que ocorria na maioria dos países subdesenvolvidos nos anos 1960. O “assentamento urbano incontrolado” ou “informal” é visto como uma manifestação normal e sem precedentes desse crescimento urbano que decorre da busca de meios para sobrevivência. A construção desse tipo de “cidade” se daria de modo tradicional, apesar da sua forma distorcida decorrente de processos especulativos e da diminuição das possibilidades de assentamento. Invasões e outras formas irregulares de ocupação seriam respostas adequadas a esses processos, embora sejam piores do que poderiam ser. Conforme a renda dos habitantes, a localização e o potencial construtivo do sítio, o autor distingue três tipos de assentamentos informais: os “incipientes”, as “semi invasões” e os “provisórios”. Os primeiros ocorreriam principalmente em países em processo de urbanização e industrialização, teriam um desenvolvimento lento, tenderiam a ser ordenados e com planos regulares, revelando a existência de organização social e de “direitos” ligados ao processo de invasão, como nas “colônias proletárias” do México e nas “barriadas” peruanas. A semi-invasão seria caracterizada por famílias de renda média, localizada em subúrbios, com boas casas, e resultante do alto custo de terrenos e juros. Os “assentamentos provisórios”, enfim, seriam efêmeros e ocupados por desempregados ou subempregados que precisam estar próximos de locais de trabalho, portanto, em áreas de valor potencial alto onde padrões “modernos” ou organizados seriam incompatíveis com sua existência. Todos esses assentamentos seriam produtos e veículos de atividades essenciais para o processo de modernização, preenchendo funções econômicas e sociais, apesar das distorções postas pelas circunstâncias dentro das quais se produzem. Enfatizados os aspectos positivos dos assentamentos informais, Turner passa aos problemas que colocam. Os aspectos econômicos e físicos desses problemas têm a ver com os custos de integração, consolidação e provisão de serviços urbanos, a solução de entraves ao crescimento, os impactos no valor do solo, os custos de erradicação, a localização em terrenos inadequados e a pobreza dos agenciamentos. Os aspectos sociais e políticos dizem respeito à desigualdade social, à má distribuição de renda e à importância de que esses assentamentos não sejam vistos como guetos, de modo a se conter a violência urbana. Contudo, Turner entende que o desafio não é sua erradicação e sim torna-los habitáveis, sendo a garantia da posse o primeiro passo. Em seguida, o respeito à solução progressiva do problema habitacional, que vai do barraco ao sobrado de alvenaria, e a localização próxima a fontes de trabalho. Estes seriam os requisitos básicos que permitiriam a segurança e a poupança necessárias ao desenvolvimento habitacional. Para uma abordagem mais prospectiva, a disponibilidade de terrenos seria fundamental. No terço final do artigo, Turner se dedica a uma avalição das políticas em curso para esses assentamentos, distinguindo quatro ações básicas: relocação de assentamentos que atrapalham o crescimento urbano; melhoramento de assentamentos; acomodação daqueles que não têm interesse ou meios para construir para si próprios; alternativas iguais ou melhores para aqueles que têm os meios para construir em assentamentos informais. Cita experiências em países da América Latina, da Ásia e da África e conclui que a abordagem mais promissora é a da legislação governamental complementada pelo fornecimento de assistência técnica, estabelecendo-se a convergência entre ação governamental, necessidades reais e recursos da população. Por fim, Turner condena a visão paternalista do Estado como provedor, em favor de uma concepção do Estado como servidor e provedor de ferramentas.
OLIVER, Paul. “Learning from Asante”. In: OLIVER, P. Built to meet needs: cultural issues in vernacular architecture. Oxford: Architectural Press, 2006, pp 47-54.
Eixos de análise abordados:
Conceitos e métodos
Saberes tradicionais e espaço arquitetônico
Dados sobre o autor(es) e obra:
Paul Hereford Oliver nasceu em Nottingham, Inglaterra, em 1927. É historiador da arquitetura e escreve também sobre blues e outras formas de música afro-americana. Foi pesquisador do Oxford Institute for Sustainable Development da Oxford Brooks University, de 1978 a 1988, e Associated Head of the School of Architecture. É conhecido internacionalmente pelos seus estudos sobre arquitetura vernacular, em especial, como editor da Encyclopedia of Vernacular Architecture of the World (1997) e pelo World Atlas of Vernacular Architecture (2005). A enciclopédia reúne pesquisas e estudos sobre arquitetura vernacular em todas as regiões do mundo, sendo a principal referência sobre o tema com esta abrangência até o momento. O texto em exame é datado de 2000 e está publicado na coletânea em referência, na parte dedicada às culturas humanas e seus contextos.
Resumo :
Neste artigo, Oliver utiliza sua pesquisa sobre o povo Ashanti, de Gana, na África, para demonstrar o erro de percepção do estudioso que consiste em tomar o ambiente cultivado por ambiente natural e a transmissão cultural por mero comportamento. Menciona sua surpresa ao verificar que o que pensou ser uma floresta primária tropical na região onde vivem os Ashanti era produto da ação desse povo, constituindo, na realidade, suas fazendas. A floresta original havia sido queimada e a área utilizada por gerações com plantações de árvores frutíferas e outras plantas tropicais foi dando ao espaço um aspecto de mata, onde o mato rasteiro também era mantido para proteger o solo e impedir que o sol o danificasse. Assim, o que lhe pareceu um fenômeno natural era, na verdade, produto do profundo conhecimento ecológico dos Ashanti sobre seu ambiente e sobre seu solo. Recorda Amos Rapoport em seu livro House, Form and Culture (1969), no qual, pioneiramente, apontou que a compreensão de padrões de comportamento é essencial para a compreensão da forma construída e que a forma, uma vez construída, afeta também o comportamento e o modo de vida. Cita também Human Aspects of Urban Form (1977), obra em que Rapoport busca entender a forma urbana ou o ambiente construído como produtos de “aspectos” humanos. A partir dessas referências e de sua perplexidade com o ambiente construído pelos Ashanti, é que Oliver decidiu realizar um estudo comparativo entre as aldeias desse povo, focalizando o que gerava as plantas das edificações e sua organização no espaço. Neste estudo percebeu que o mesmo equívoco que cometera com relação à percepção do ambiente poderia ser cometido com relação ao “comportamento” dos Ashanti: da mesma forma que na “floresta” tudo era cultivado, plantado e tratado, nada no “comportamento” das pessoas na aldeia ou no meio urbano era gratuito ou casual. De modo análogo, nada no espaço da aldeia era casual e deixava de ter relação com a autoridade ou com o culto aos ancestrais ou espíritos. Assim, conclui que estudar o ambiente edificado ou cultivado apenas em termos de “comportamento” e “meio ambiente” seria muito vago, pois essas noções são aplicadas a aparências externas e seriam apenas “sintomas” de produtos mais fundamentais da cultura e do contexto. Observa ainda que o “ambiente” sintetiza apenas aspectos físicos do espaço que envolve um fenômeno cultural que pode ter implicações muito mais profundas em termos de tempo, expressão cultural, condições e vínculo com outros ambientes já vivenciados pela cultura estudada. Assim, propõe substituir os termos “comportamento” e “ambiente” por “cultura” e “contexto” no estudo da arquitetura vernacular.
BOURDIEU, Pierre. “Anexo: A casa ou o mundo invertido”. In: BOURDIEU, P. O senso prático; tradução de Maria Ferreira. Petrópolis, RJ: Vozes, 2009, pp 437-462.
Eixos de análise abordados:
Conceitos e métodos
Saberes tradicionais e espaço arquitetônico
Dados sobre o autor(es) e obra:
Pierre Félix Bourdieu (1930-2002) foi um dos sociólogos franceses mais importantes do século XX. Era filósofo de formação e dedicou-se também à antropologia. Bourdieu foi um pioneiro na delimitação e consolidação de conceitos como os de capital simbólico, social ou cultural e ainda de habitus e campo. Enfatizava em suas investigações o papel da prática na dinâmica social, no estabelecimento de relações de dominação e na construção de visões de mundo. Sua investigação sobre a sociedade cabila data dos anos 1950 e a ela se vincula o texto em exame. Este foi publicado pela primeira vez em Echanges et communications – Mélanges offerts à C. Lévi-Strauss l’occasion de son 60e anniversaire. Paris/La Haye: Mouton, 1970, p. 739-758. O que consta da publicação utilizada nesta ficha é, segundo o autor (BOUDIEU, 2009, P. 437), uma versão “ligeiramente modificada” do original.
Resumo :
Bourdieu descreve a casa dos cabilas, da Argélia, relacionando espaço arquitetônico e universo sócio-cultural. Essa descrição, ilustrada com planta baixa e lay out, analisa a organização do interior da casa e as relações de oposição e complementaridade que mantém com o mundo exterior e com a cosmologia cabila. Bourdieu demonstra que esta casa mais do que produto de injunções ambientais, climáticas ou econômicas, é produto das práticas sociais e da cultura desse povo. Observa que a compreensão do sentido do elemento espacial depende do entendimento das práticas estruturadas com relação a ele e aponta como nessa casa se expressa o sistema simbólico que opõe homens e animais, homens e mulheres, o dentro e o fora, seco e úmido, dia e noite, “fecundante” e “fecundável”. Essas mesmas oposições são estabelecidas também entre a casa e o mundo exterior. Nesta escala, a casa é associada às atividades biológicas (comer, dormir, procriar, dar à luz) e ligadas ao feminino, enquanto a vida pública e o trabalho no campo, que ocorrem no exterior e dos quais a mulher está excluída, são masculinos. Assim, a casa seria um “microcosmo organizado com as mesmas oposições que ordenam o universo”. Em suma, o “mundo da casa” se opõe ao resto do mundo segundo os mesmos princípios que o organizam e ordenam os domínios da existência. A oposição entre a casa e o exterior é marcada pelo limiar constituído pela porta de entrada, daí os vários ritos e interditos ligados a esse elemento que protegem o lar de ameaças externas e equilibram esses mundos opostos. A orientação da casa é então de suma importância. A parede da porta principal é edificada no leste e a parte mais alta, correspondente à extremidade onde fica o fogão, no norte. Dessa forma, o movimento de sair da casa é sempre feito em direção à luz, ao bom e ao bem, assim como a parede oposta à entrada principal, onde fica o tear e ocorre a vida social, está sempre também banhada pela luz. As ações cotidianas dentro da casa se realizam, portanto, também de acordo com a boa orientação, favorecendo a fecundidade e prosperidade. Essa ordem espacial coloca a casa como o inverso positivo do mundo exterior, pois a face interna da parede oeste funciona como a luz ou o leste interior e a oposta (do lado leste), que corresponde ao lugar de repouso, como o oeste interno. Analogamente, a parede norte corresponde ao sul pelo lado interior e a extremidade sul, onde fica o estábulo, ao norte interno. Em suma, exterior e interior da casa são espaços simétricos obtidos por semi-rotação do eixo do limiar. Este constitui a fronteira mágica que reúne os contrários e inverte o mundo de modo que os espaços de dentro e de fora sejam igualmente favorecidos quanto “aos movimentos do corpo e aos trajetos sociais”. Esses espaços são, contudo, hierarquizados, pois a orientação da casa, lugar do feminino, é definida pelo exterior, ou seja, a partir do ponto de vista masculino.
EYCK, Aldo van. La Interioridad del Tiempo. In: JENCKS, Charles e BAIRD, George. El Significado en Arquitectura. Rosario/ Madrid: Hermann Blume, 1975.
Eixos de análise abordados:
Saberes tradicionais e espaço arquitetônico
Território e etnicidade
Dados sobre o autor(es) e obra:
Aldo van Eyck (1918-1999), importante arquiteto holandês, foi membro do CIAM – Congresso Internacional da Arquitetura Moderna - e fundador do Team 10. Seus textos sobre os Dogon representaram uma atenção precoce à arquitetura vernacular e colaboraram na sua incorporação na literatura acadêmica. Os textos em exame foram publicados originalmente entre 1966 e 1967, e depois coligidos na obra fichada. O livro Significado en Arquitectura é uma coletânea de textos diversos. Na subseção reservada a Van Eyck e intitulada La Interoridad del Tiempo, o arquiteto holandês apresenta um texto homônimo de 1966, outros quatro sob título Un Milagro de Moderación, de 1967, e Un diseño que es sólo gracia; norma abierta; que perturba el orden alegremente; que vence a la necesidad, e Cesto-Casa-Poblado-Universo, além de Algunos comentários sobre un recorrido significativo; um ensaio de Paul Parin (El pueblo Dogon/ 1); um ensaio de Fritz Morgenthaler (El pueblo Dogon/ 2). Estes textos aparecem intercalados.
Sumário obra:
La Interiodad del Tiempo, de Aldo van Eyck (1966)
Un Milagro de Moderación, de Aldo van Eyck (1967)
El Pueblo Dogon/ 1, de Paul Parin
Un diseño que es sólo gracia; norma abierta; que perturba el orden alegremente; que vence a la necesidad, de Aldo van Eyck
El Pueblo Dogon/ 2, de Fritz Morgenthaler
Algunos comentarios sobre un recorrido significativo, de Aldo van Eyck
Resumo :
Em La Interioridad del Tiempo, Aldo van Eyck compara a sociedade Dogon com a ocidental. Naquela, o passado se torna presente e este ganha profundidade temporal. Essa consciência de que o passado existe no presente, sem implicar em um retorno, seria um remédio contra uma série de males: o historicismo sentimental, o modernismo, a utopia, o racionalismo, o funcionalismo e o regionalismo. Em todos estes, estaria o vício patológico da mudança, separando o passado e o futuro, em decorrência da falta de espessura do presente. O autor faz ainda uma crítica ao etnocentrismo, defendendo que, diante da variedade de culturas e sociedades possíveis dentre as quais a ocidental é uma apenas, cada cultura é singular e válida. Em Un Milagro de Moderación, o autor fala de seu interesse pelos Dogon, durante a Segunda Guerra Mundial, que foi despertado pela obra de Marcel Griaule e que o fez viajar à África. Trata também do caráter imemorial das silenciosas aldeias do deserto, presentes como eram a 5.000 anos atrás. Paul Parin, em El Pueblo Dogon, faz uma descrição deste, narrando sua origem mítica, e como esta reflete a importância, prática e simbólica, da umidade e dos fluidos. Descreve sua distribuição ecológica e estrutura social e a correspondência entre artefatos e cosmos. Observa que existe entre os Dogon melhor adaptação individual e menos conflitos e hostilidade que entre os ocidentais. No entanto, com menos êxito quanto à saúde e bens de primeira necessidade. Ainda assim, o paraíso Dogon era similar à vida terrena em quase todos os aspectos, vista como existência idêntica ininterrupta. Aldo van Eyck, em Un Diseño que Es Solo Gracia; Norma Abierta; Que Perturba el Orden Alegremente; Que Vence la Necesidad, Aldo van Eyck defende que o mote da cidade como casa grande e da casa como cidade pequena encontra validade entre os Dogon, pois este povo articula em escalas crescentes o cesto, a casa, o povoado e o universo. Esse tema é melhor explicado em Cesto-Casa-Poblado-Universo, por meio de proporções simbólicas. Nos povoados, cada parte, apesar de autônoma, era traçada segundo o mesmo modelo de totalidade. O arranjo, no final, assemelha-se às colinas de terra em cultivo, sendo também o povoado uma representação da natureza. O texto El Pueblo Dogon, de Fritz Morgenthaler, narra uma reveladora trajetória dentro de um povoado Dogon. Aldo Van Eyck, em Algunos Comentários sobre un Recorrido Significativo, parte do texto anterior, salientando o entrelaçamento do homem Dogon com o meio.