SÁ, Cristina. Formas e Símbolos em Aldeias Indígenas Brasileiras. In: Projeto – revista brasileira de arquitetura, planejamento, desenho industrial e construção, n° 57, novembro 1983. São Paulo: Projeto Editores Associados Ltda., p.51-56.
Eixos de análise abordados:
Saberes tradicionais e espaço arquitetônico
Tecnologia tradicional no território e na edificação: vigências e usos contemporãneos
Território e etnicidade
Dados sobre o autor(es) e obra:
Cristina Cunha da Costa e Sá possui graduação em Arquitetura e Urbanismo (FAU-UFRJ, 1970), Graduação em Arqueologia (UNESA, 1979), Especialização em Arqueologia (Museu Nacional-UFRJ, 1980), Mestrado em Estruturas Ambientais Urbanas (FAU- USP, 1982), Doutorado em Arquitetura, na área de concentração em Estruturas Ambientais Urbanas (FAU - USP, 1988). Professora aposentada da UFJF- Universidade Federal de Juiz de Fora – MG é pesquisadora da área de História e Teoria da Arquitetura e Urbanismo, com trabalhos publicados que tratam principalmente das relações entre Espaço, Cultura e Sociedade, estudando seus processos de transformação a partir de levantamentos de campo em áreas indígenas, assentamentos de pescadores, favelas e áreas urbanas de baixa renda. Tem experiência em levantamentos de áreas de habitação vernácula, visando sua preservação e utilização enquanto patrimônio cultural e ambiental, assim como no treinamento de equipes para realização de levantamentos técnicos documentais e de campo.
Artigo que estuda a forma espacial como tradução simbólica da sociedade, com boas ilustrações dos esquemas correspondentes, por meio da comparação entre tribos ligadas ao tronco linguístico Macro-Jê e os Karajá e Bororo que falam línguas isoladas desse tronco. Da família linguística Jê são destacadas as tribos centrais dos Xavante e Xerente e, do norte, os Timbiras Ocidentais (Apinayé) e Timbira Orientais (Krahó, Rankokamegra-Canela, Apanyakra-Canela, Dikobye e Krikati). A aldeia tradicional Karajá se configura como uma fileira de casas voltadas para o rio, com circulação principal nesta área e um caminho secundário, perpendicular ao rio, rumo à casa dos homens. Santa Isabel do Morro, uma das poucas aldeias Karajás atuais, embora se pareça com um povoado comum – com duas fileiras de casas paralelas ao rio e uma rua central entre as fileiras – é, propriamente, uma duplicação da fileira Karajá, na medida em que todas as casas se orientam para o rio e não para a rua central. Nas aldeias Bororo as casas se dispõem em círculo, com a casa dos homens no centro e um pátio de dança ao lado. Os setores radiais do círculo são divididos em clãs, cada um com três subdivisões. Na aldeia Bororo de Meruri, a distribuição espacial dos clãs se mantém, ainda que num arranjo em linha reta constituído pelos missionários salesianos. Já as tribos Jês centrais se organizam em arcos. Na aldeia tradicional Xerente, os clãs se distribuem ao longo do arco, com aqueles que têm reciprocidade na vida cerimonial da tribo postos em oposição frontal, enquanto o centro do arco é ocupado por um pátio de reuniões. O arco na aldeia tradicional Xavante volta-se para o rio, desenvolvendo-se os rituais no seu eixo de simetria, com a casa dos meninos não-iniciados nas suas extremidades. A distribuição das casas se dá em função de alianças políticas. No centro da aldeia, o local de reunião dos homens maduros e, afastado deste, o de reunião dos jovens iniciados. As aldeias atuais de Aparecida e São Marcos apresentam traços do esquema tradicional. Apesar de Aparecida ser uma linha reta, com casas orientadas para o rio, e São Marcos um grande círculo, ambas seriam interpretadas como arcos de círculo, como ilustra o local de reunião dos homens no eixo de simetria e, em São Marcos, na interseção dos eixos formados pelas aberturas do círculo. Nas tribos Timbira, a aldeia se estrutura como um grande círculo de segmentos de residências, com caminhos partindo destas ao centro ou pátio de reuniões. Os Krahós e Canelas mantêm essa disposição. Embora tenha formato retangular, a aldeia Apinayé de São José é interpretada como o círculo tradicional e mesmo representada graficamente de tal maneira. A autora destaca que uma mesma forma geométrica costuma ser interpretada de distintas maneiras por cada tribo e que há diferença entre a disposição geométrica real das construções e a sua auto-imagem. Em todos os casos, essa representação da forma espacial se mostrou mais importante que a forma concreta, com implicações na maneira como a aldeia cresce.
Biblioteca da Escola de Arquitetura da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG)
Referência bibliográfica:
MALHANO, Hamilton Botelho. “Bororo (Mato Grosso)”. In: OLIVER, Paul (edit). Encyclopedia of Vernacular Architecture of the World. Cambridge - UK: Cambridge University Press, 1997, p. 1.624-1.625.
Eixos de análise abordados:
Saberes tradicionais e espaço arquitetônico
Território e etnicidade
Dados sobre o autor(es) e obra:
Hamilton Botelho Malhano é arquiteto, etnólogo e museólogo, Mestre em História da Arte-Antropologia pela Escola de Belas Artes da Universidade Federal do Rio de Janeiro e Doutor em História Social pelo Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da mesma Universidade. Foi Diretor Adjunto do Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro (1994-1998) e conselheiro do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional - IPHAN, como representante do Museu Nacional da UFRJ. Integra o quadro docente da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da UFRJ desde 1997. Atuou como colaborador e ilustrador em várias publicações etnológicas e possui obras publicadas sobre artesanato e arquitetura vernacular.
O verbete informa que os Bororo fazem parte do grupo linguístico Macro Gê e seus assentamentos se caracterizam por habitações em círculo formando uma grande praça central. A casa dos homens é construída no centro desse espaço em uma linha imaginária leste/oeste e que divide a aldeia em duas partes. Esta construção tem duas entradas localizadas no eixo norte/sul. As habitações das oito frações tribais, ou clãs, são arranjadas em pares de quatro em cada metade da aldeia. Cada clã é subdividido em sub-clãs ou famílias, e cada família em vários lares, rigorosamente localizados no espaço. Os Bororo perderam seu sistema construtivo tradicional e utilizam um de caráter “regional”. Sua habitação atual é um retângulo de 45 m², com fachadas fronteira e traseira na dimensão maior onde ficam localizadas as duas únicas entradas. A entrada voltada para o centro da aldeia é a social e a dos fundos a privativa. Tradicionalmente, não há divisões internas, mas atualmente já são observados alguns compartimentos. A estrutura da construção consiste em três linhas de pilares de madeira, sendo a do centro mais alta e onde repousa a cumeeira. A cobertura e paredes são de palha trançada. Os espaços internos são divididos por meio de jiraus e esteiras dos casais que habitam a casa. O centro da habitação é comunal, como o centro da aldeia, e lá é feito o fogo para cozinhar, aquecer e espantar insetos. Cada unidade social e o lugar onde sua casa é construída é parte da estrutura social e espacial. Para os Bororo, cada aldeia é o centro do território e do universo. O verbete é ilustrado com um diagrama da organização espacial dos Bororo.
VIERTLER, R. B. As aldeias Bororo, alguns aspectos de sua organização social. In: Revista do Museu Paulista, s. Etnologia, V 2, São Paulo, 1976.
ISBN ou ISSN:
052156422 0
Autor(es):
Celina Borges Lemos
Onde encontrar:
Biblioteca da Escola de Arquitetura da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG)
Referência bibliográfica:
LEMOS, Celina Borges. “Timbira (Goiás, Mato Grosso)”. In: OLIVER, Paul (edit). Encyclopedia of Vernacular Architecture of the World. Cambridge - UK: Cambridge University Press, 1997, p. 1.635-1.636.
Eixos de análise abordados:
Saberes tradicionais e espaço arquitetônico
Território e etnicidade
Dados sobre o autor(es) e obra:
Celina Borges Lemos possui graduação em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade Federal de Minas Gerais, mestrado em Sociologia pela Universidade Federal de Minas Gerais e doutorado em Ciências Sociais pela Universidade Estadual de Campinas. É professora associada da Universidade Federal de Minas Gerais. Concluiu em 2008 o pós doutorado na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo. Tem experiência na área de Antropologia Urbana, com ênfases em Fundamentos de Arquitetura e Urbanismo, Cultura Urbana, Conservação e Revitalização do Patrimônio. Tem realizado estudos voltados principalmente para os seguintes temas: arquitetura, artes, museologia, estilo, cultura, estética, centralidades, espaços públicos, serviços na contemporaneidade. Pesquisa atualmente a contribuição e o significado da Arquitetura Mineira entre os séculos XVIII e XXI, tendo por referencias principais as cidades históricas e Belo Horizonte.
A arquitetura tradicional dos Timbira, cujos grupos se localizam em Goiás e Mato Grosso, não difere muito daquelas de outras etnias indígenas. A habitação tem planta retangular e telhado com quatro inclinações, com duas portas nos lados maiores do retângulo, sendo a entrada principal voltada para o pátio central da aldeia. A casa tem estrutura de madeira, é coberta com palha e não há divisões internas. Alguns grupos Timbira também constroem outros tipos de habitação, influenciadas pela arquitetura vernacular rural, em adobe ou “barro”, cobertas com palha, sem divisões internas, mas com uma varanda na frente que é utilizada para cozinhar. Dentro há um jirau que serve de apoio, estante, mesa e outros usos, e o chão é coberto com esteiras. As habitações Timbiras são destinadas a famílias nucleares, que constituem a unidade social produtiva e de consumo, mas podem abrigar as famílias de filhas casadas. O assentamento ou aldeia Timbira é circular, com pátio central ligado às habitações por caminhos privativos. As casas formam o círculo mais externo e, atrás delas, há um outro caminho circular. O centro do círculo é um espaço público, político e simbólico, além de destinado a rituais e cerimônias. A expansão do assentamento somente é possível com a ampliação do círculo, pois representa a estrutura social desse povo e somente através da sua localização, seres humanos e objetos podem ser classificados. O controle da cosmologia também se dá por meio de um centro universal que está simbolizado pelo centro da aldeia. O verbete não contém fotos ou ilustrações.
Biblioteca da Escola de Arquitetura da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG)
Referência bibliográfica:
HUGH-JONES, Stephen. “Tukano (Vaupés)” In: OLIVER, Paul (edit). Encyclopedia of Vernacular Architecture of the World. Cambridge - UK: Cambridge University Press, 1997, p. 1.636-1.637.
Eixos de análise abordados:
Saberes tradicionais e espaço arquitetônico
Tecnologia tradicional no território e na edificação: vigências e usos contemporãneos
Território e etnicidade
Dados sobre o autor(es) e obra:
Stephen Hugh-Jones é especialista em Antropologia Social com pesquisas em narrativas orais, rituais, xamanismo e religião, relações de parentesco, antropologia da arquitetura, políticas culturais e movimentos indígenas e estudos linguísticos com foco na América Latina e trabalhos de campo na Amazônia colombiana. É pesquisador do King’s College, do Reino Unido.
O verbete trata da arquitetura dos indígenas Tukanos que vivem na bacia do Vaupés entre Brasil e Colômbia. Sua casa tradicional, a maloca, abriga várias famílias de irmãos casados, mas é encontrada agora apenas em áreas remotas. É separada dos vizinhos por várias horas de caminhada e construída em clareira, perto de um rio e de uma roça de mandioca. É sempre retangular, mas há grupos do Sul que constroem uma extensão em uma das extremidades em forma de abside e outros que constroem casas circulares. As malocas são dotadas de apoios verticais duplos que suportam vigas paralelas. Sobre a peça que une os dois pilares, uma espécie de pontilhão vertical apoia a cumeeira. As malocas maiores podem ter até sete desses apoios e as menores quatro. O espaço central é mais público e os próximos às paredes, privados. O telhado de palha tem águas que vão quase até o chão e beirais que avançam nas empenas. As extremidades são vedadas com palha trançada ou tábuas de madeira pintadas com animais míticos. A porta principal está voltada para o leste, pertence aos homens e dela sai o caminho que leva ao rio. No interior, há área reservada para visitantes, rituais e preparo da coca, onde também dormem os homens solteiros. A área em torno dos quatro apoios centrais é sagrada e abriga as danças. Nela, suspenso por um cipó, fica o cesto dos ornamentos rituais, considerado o coração da maloca e do grupo. No lado oposto, fica o fogo noturno e, atrás, no chão de terra batida, o recipiente de madeira que guarda o caxiri ou “cerveja de mandioca”. A extremidade oeste, a da porta das mulheres, é usada para tarefas domésticas e abriga o grande prato de cerâmica para fazer beiju, além dos utensílios para cozinhar e processar mandioca. Durante certos rituais, uma esteira a divide da área masculina. As famílias ficam alojadas em compartimentos delimitados por esteiras ao longo das paredes maiores, com pequenas portas externas. Nesses espaços, as redes ficam em torno do centro que abriga jirau e arcas. O pátio fronteiro, coberto pelo beiral do telhado, é extensão do espaço da casa e também usado para dança. A casa Tukano é um mediador simbólico entre o corpo do indivíduo, o grupo e o cosmo. Representa um útero feminino ao qual se penetra pelo leste e também um ancestral masculino, cujo esqueleto é a estrutura da casa, cuja pele e cabelo é sua cobertura e cuja cara pintada volta-se para o leste. O céu, apoiado por montanhas, é representado pela cobertura e pelos pilares que, assim, abrigam o centro cósmico. Cada maloca corresponde a um clã e sua orientação leste/oeste e divisão hierárquica baseada no gênero provê o modelo das casas sobre palafitas ao longo dos rios da Amazônia. As casas circulares do Sul, como as do povo vizinho Yukuna, podem ser vistas como transformações da maloca retangular. O verbete é ilustrado com fotografias.
ALHO, Getúlio Geraldo R. Três Casas Indígenas: pesquisa arquitetônica sobre a casa em três grupos - Tukano, Tapirapé e Ramkokamekra. São Carlos: USP, 1985. 91 p. (Dissertação de Mestrado).
BEKSTA, Casimiro. A Maloca Tukano-Desana e seu simbolismo. Manaus: Univ. do Amazonas, 1984. 126 p. (Dissertação de Mestrado)
HUGH-JONES, Stephen. “The maloca: a world in a house”. In: CARMICHEAL, E. et al, The Hidden People of the Amazon. London: British Museum Publication, 1985.
HUGH-JONES, Stephen. “Clear descent or ambiguous houses? A re-examination of Tukanoan social organization”. L'Homme, Paris: École des Hautes Études en Sciences Soc., v. 33, n. 126/128, p. 95-120, abr./dez. 1993.
LAMUS, Luis Raul Rodriguez. “La arquitectura de los Tukano”. Rev. Colombiana de Antropología, Bogotá: Inst. Colombiano de Antropologia, v.7, n.17, p.251-69, 1958. SANTOS, Antônio Maria de Souza. Etnia e urbanização no Alto Rio Negro: São Gabriel da Cachoeira-AM. Porto Alegre: UFRS, 1983. 154 p. (Dissertação de Mestrado).
ISBN ou ISSN:
0101-1766
Autor(es):
Renato Delarole
Onde encontrar:
Acervo Daniel J. Mellado Paz
Referência bibliográfica:
DELAROLE, Renato. "A casa tupi-assurini: significado e construção". In: Projeto - revista brasileira de arquitetura, planejamento, desenho industrial e construção, n.57, novembro 1983. São Paulo: Projeto Editores Associados Ltda.
Eixos de análise abordados:
Saberes tradicionais e espaço arquitetônico
Tecnologia tradicional no território e na edificação: vigências e usos contemporãneos
Território e etnicidade
Dados sobre o autor(es) e obra:
Renato Delarole é fotógrafo e jornalista. Foi colaborador do Centro Ecumênico de Documentação e Informação (CEDI), na documentação fotográfica dos povos indígenas. Viveu quase três anos entre os assurinis do Xingu, documentando sua vida social e cultural. Trabalha na Universidade de Campinas.
As informações foram obtidas no próprio texto fichado.
Resumo :
Artigo breve, com bom número de fotos mostrando o processo construtivo da casa tupi-assurini. Tais casas têm forma abobadada, a partir de planta retangular. São, contudo, casas de grandes dimensões – algumas de 60 metros de comprimento, com 12 metros de largura e 10 metros de altura. Antes do contato com os homens brancos, cada casa abrigava famílias extensas ou grupos locais, e constituía uma aldeia, unidade quase autônoma, que se relacionava com as demais em trocas econômicas, rituais e matrimoniais. Agricultores e sedentários, os assurinis dão muita importância à arquitetura, que é mais resistente e elaborada do que a da maioria das demais tribos, e constitui atividade da qual participam todos os membros do grupo. Após o contato com o homem branco, essa situação mudou. Os assurinis concentraram-se todos em uma só aldeia, com várias casas, cada uma abrigando uma família ou grupo local. No entanto, uma delas, a maior, é a tawiwe ou aketé, símbolo da unidade social e da reorganização sócio-política. Ela possui função de espaço cerimonial e de sepultura dos mortos. Dessa construção todos os assurinis participam. Segundo o autor, existe entre os assurini uma forte correspondência entre o edifício e o corpo humano. As varas de madeira curvadas, que vão do chão à cumeeira, são chamadas de dzerokynga, termo também usado para as “costelas” humanas. Outras partes da construção recebem outras correspondências analógicas, como os esteios em pares, base da estrutura da casa, chamados de azorá, nome dado também ao outro cônjuge no casamento poligâmico. Cada uma das partes da estrutura possui regras precisas de colocação, posição e encaixe, e se faz com tipos determinados de madeira. As partes são presas por dois tipos de cipós. A cobertura é feita de folhas do broto de babaçu. As etapas da construção são ritualizadas, reforçando a tese do autor sobre a correspondência com o corpo humano. O primeiro maço de folhas a cobrir a casa é levado e posto por pajés e arrumado de modo a representar pinymbaia, a cobra. Como símbolo do ato sexual, ela gera a edificação que abrigará em suas entranhas a tribo, sendo também o seu túmulo.
Biblioteca da Escola de Arquitetura da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG)
Referência bibliográfica:
COSTA, Carlos Zibel & LADEIRA, Maria Inês. “Guarani (Argentina, Bolivia, Brazil s; Paraguay, Uruguay)”. In: OLIVER, Paul (edit). Encyclopedia of Vernacular Architecture of the World. Cambridge - UK: Cambridge University Press, 1997, p. 1692-1693.
Eixos de análise abordados:
Saberes tradicionais e espaço arquitetônico
Território e etnicidade
Dados sobre o autor(es) e obra:
Carlos Roberto Zibel Costa é arquiteto, designer, artista e professor. Graduou-se na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (1973), e obteve mestrado em Arquitetura e Construção na EESCUSP (1983) e doutorado em Estruturas Ambientais Urbanas na FAUUSP (1989). É professor no Curso de Design e no Curso de Arquitetura e Urbanismo da USP (Graduação e Pós Graduação e Professor Doutor Livre Docente - MS5, em dedicação integral na Universidade de São Paulo. É pesquisador sênior e vice-coordenador científico do Núcleo de Pesquisa em Tecnologia da Arquitetura e Urbanismo da USP (NUTAU). É autor de inúmeras publicações nacionais e estrangeiras, entre as quais Além da Formas: uma introdução ao pensamento contemporâneo no design, nas artes e na arquitetura (Editora Annablume/ FAUUSP). Participou do livro Kairos - A Bird Orbiting Planet Earth de Emanuel Pimenta ( Charleston, SC: EDMP, 2011) e da Encyclopedia of Vernacular Architecture of the World, editada por Paul Olivier (Cambridge, UK: Cambridge University Press, 1997).
Maria Inês Ladeira é Doutora em Geografia Humana pela Faculdade de Filosofia Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo - FFLCH / USP -, mestre em Antropologia Social pelo Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - PPGCS / PUC -, graduada em Artes pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo - ECA/USP. Coordenadora do Programa Guarani do Centro de Trabalho Indigenista - CTI -, organização não governamental, onde atua na área de Antropologia desde a sua fundação em 1979, com projetos e ações voltados ao reconhecimento de direitos territoriais indígenas e à conservação ambiental de Terras Guarani nas regiões sul e sudeste do Brasil, bem como em pesquisas e incentivos a ações de referências culturais.
Os Guaranis que vivem no Brasil são divididos em três subgrupos: Nhandeva, Kayova e Mbya. Esta divisão decorre de diferenças dialetais e de práticas ritualísticas. Os Nhandeva e Mbya vivem no sul e sudeste do Brasil e suas aldeias se espalham do Rio Grande do Sul ao Espírito Santo. Os assentamentos se localizam ao longo da costa, devido ao mito da Terra sem Males, localizada no leste. O território Guarani se estende até Mato Grosso e à Argentina, Paraguai e Bolívia. Apesar das dificuldades de encontrar materiais tradicionais, os Guaranis buscam preservar suas tradições construtivas. Contudo, usam materiais plásticos para divisórias e telhas cerâmicas, dentre outros materiais, adaptados à solução arquitetônica tradicional. A relação com o sagrado tem sido fundamental para a preservação do modo de ocupação do território, do agenciamento das aldeias e da construção da casa da reza (opy). A casa Nhandeva se caracteriza pelo espaço interno generoso. Já os Mbya são econômicos, pois suas constantes mudanças fazem com que suas casas sejam temporárias e durem apenas o tempo de plantar e colher o milho. As aldeias Guarani são organizadas em famílias extensas, tendo o centro marcado pela casa da reza. Esta pode estar perto ou coincidir com a casa do chefe. Nas aldeias costeiras, a encosta é ocupada e as casas se voltam longitudinalmente para o leste. A casa da reza fica, em geral, no ponto mais alto. Dessa forma, toda a aldeia pode avistar o mar. A atual casa Guarani abriga apenas uma família e se relaciona com outras do grupo familiar por proximidade. A cozinha fica no fundo da casa e a união das áreas externas forma uma espécie de praça vinculada a este grupo. A praça principal da aldeia está localizada a leste ou ao norte da opy. Esta tem planta retangular, eventualmente, com um semicírculo em uma das extremidades, cobertura de palha com duas águas e duas portas alinhadas segundo os eixos leste/oeste ou leste/norte. A estrutura é de madeira com apoios articulados às vigas da cobertura por cipós. O barro para vedação pode ser aplicado diretamente sobre a estrutura vertical de madeira ou sobre uma trama de paus delgados [taipa]. Nas cerimônias importantes, toda a aldeia se reúne nesta casa. Devido a seus vínculos mitológicos e ritualísticos, as madeiras mais utilizadas são o cedro e a palmeira, cuja folha fornece a palha dos telhados e também os troncos para a estrutura vertical. A planta retangular das casas permite o seu crescimento ao longo do eixo principal e muitas adições podem ser realizadas. As aberturas para o leste, oeste e norte nem sempre são portas, podendo ser aberturas parciais ou totais. Não há divisões internas e quando estas ocorrem são feitas com tecido ou esteiras. Nas casas de reza nunca há divisões internas e as paredes externas existem para abrigar os rituais das intempéries. O espaço Guarani depende de sua relação com a floresta e corresponde a uma reconstrução cultural dela.