Não se aplica.
José Agnello Alves Dias de Andrade
https://teses.usp.br/teses/disponiveis/8/8134/tde-17102018-120559/pt-br.php. Acesso em: 15 mar. 2021.
ANDRADE, José Agnello Alves Dias de."Tudo para onde eu chego tenho minha casa: mobilidade, parentesco e territorialidade Sateré-Mawé entre cidades amazônicas”. 2018. 436 f. Tese (Doutorado) - Curso de Antropologia Social, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2018.
Mestre (2012) e Doutor (2018) em Antropologia Social pela USP, pesquisador vinculado ao Laboratório do Núcleo de Antropologia Urbana da USP, atuou como colaborador de pesquisa no Centro de Estudos Ameríndios da USP (CESTA-USP), no Núcleo de Estudos Rurais e Urbanos (CERU-USP) e no Núcleo de Estudos e Pesquisas em Ambientes Amazônicos na Universidade Estadual do Amazonas (NEPAM-Parintins/AM). Suas principais áreas de pesquisa são antropologia das práticas de mobilidade, relações entre aldeias e cidades na Amazônia brasileira e modos de habitar indígenas em áreas urbanas.
INTRODUÇÃO
PARTE I
A Terezada e(m) Manaus -AM
“Aí foram se espalhando tudo!”
“A gente só conhece alguém de verdade quando vive junto”: Notas sobre sangue, força e jeito.
PARTE II
“A história do vovô é muito longa”: O pessoal do Marcos
O pessoal do Marcos e a aldeia Monte Selém
“Sair no mundo, contar os fatos”: Notas sobre andar e conhecer
PARTE III
Parar por Parintins: da “cozinha dos brancos” a “virar alguém na vida”
“Saímos da aldeia com uma visão: buscar o conhecimento”
Os filhos do Waraná: notas sobre “jeito indígena” e a “verdadeira liderança”
A “jornada” do pessoal do França: sobre “lideranças” no passado e no futuro
Considerações Finais
Bibliografia
Apêndice A – Genealogia e apoio à leitura da Parte I, a Terezada
Apêndice B – Genealogia de apoio à leitura da Parte II, o pessoal do Atuca
Apêndice C – Genealogia de apoio à leitura da Parte III, a Françazada
Apêndice D – Croqui de Barreirinha - AM
O autor apresenta uma etnografia sobre formas de habitar o espaço urbano de coletivos de parentes Sateré-Mawé nas cidades de Manaus, Parintins e Maués (AM). O povo Sataré-Mawé é apresentado como uma etnia ameríndia em contato com europeus e neobrasileiros há mais de três séculos e com as situações em que se encontram bastante heterogêneas: enquanto alguns se instalaram em núcleos urbanos, outros vivem isolados no meio da floresta, dentro e fora da Terra Indígena, e, entre esses paradoxos, encontram-se mais de 50 aldeias espalhadas com contato regular com a sociedade envolvente. São utilizados relatos das trajetórias de três núcleos familiares Satere-Mawé: França, Tereza e Marcos. O autor deixa explícito que, mesmo o grupo estando estabelecido em cidades, ainda se considera parte de diferentes aldeias tanto no ambiente urbano, quanto no ambiente rural. Dessa forma, apresenta como se deu a conformação e manutenção desses locais de habitação, procurando entender e demonstrar os múltiplos sentidos nos deslocamentos desses coletivos de parentes, os quais formam uma dinâmica de trajetórias entre seus multilocais de habitação em cidades e aldeias. É necessário compreender que há na concepção Satere-Mawé de parente os que o são de modo consanguíneo, e os que se fazem/conhecem/reconhecem parentes a partir da experiência do convívio coletivo ao longo do tempo e espaço. O autor enfatiza ainda a importância das narrativas das experiências vividas e contadas na forma de viver na atualidade e na manutenção da identidade das trajetórias, o que cria uma série de relações de pertencimento que são, normalmente, o motivo da mobilidade territorial. A ênfase no sentido de mobilidade Sateré-Mawé e na constituição de uma territorialidade estão associados à definição de uma multiplicidade de locais de parada estabelecidos de acordo com sentimentos de coesão, solidariedade e bem-estar coletivo entre os parentes e aspectos fundamentais das experiências de vida partilhadas entre eles. Essa multiplicidade pode ser reconhecida no contexto de um único núcleo familiar que possui casas em diversos locais de parada, mas também no contexto do apoio e abrigo fornecido por parte dos parentes espalhados por diferentes localidades. Dessa forma, o conceito de territorialidade não se limita à propriedade, mas à conexão com o local e com as pessoas que nele habitam, criando circuitos de deslocamentos que perpassam gerações. A territorialidade assume um papel de identidade e pertencimento marcado pela habitação multilocal e pela mobilidade. Nos deslocamentos, o parentesco surge como um aspecto fundamental, pois motiva visitas aos parentes espalhados. É por meio desses deslocamentos e da construção de laços afetivos que se faz, desfaz e refaz a condição de parentes e se estabelece os locais de parada, tanto os tangíveis, que implicam a construção de locais de habitação e constituem uma forma de conquista de territórios, quanto os intangíveis, que atuam na construção de uma memória coletiva. A constituição dos locais de parada cria aglomerados residenciais que são referenciais para a manutenção de uma convivência entre parentes daquele núcleo familiar. Nas casas estão presentes as memórias das trajetórias familiares e a persistência de laços entre tempo e espaço através das narrativas do passado na perpetuação do jeito indígena de solidariedade e generosidade. Assim, são criados circuitos heterogêneos de deslocamentos entre cidades e aldeias e entre coletivos de parentes, que conectam diferentes tempos e espaços. Fica explícita, então, a relação entre ter parentes e ter casas espalhadas, o que pode se referir tanto a cidades diferentes quanto a áreas ou aldeias dentro do mesmo espaço territorial. Esses aglomerados ficam sujeitos a processos de dispersão e aglomeração, de acordo com as práticas de mobilidade Sateré-Mawé. Percebe-se que a prática de andar junto é tão comum quanto a prática de espalhar para evitar desentendimentos que possam afastar a condição de parentes. Portanto, é comum que grupos familiares se distanciem como forma de mediar desentendimentos e se reaproximem, reestabelecendo a condição de parentes. Além da curiosidade e da busca por oportunidades de trabalho e estudo, essas relações são importantes pois, ao voltar ao local das suas raízes, o Sateré-Mawé leva consigo o aprendizado adquirido. A ética relacional baseia-se na solidariedade e generosidade entre parentes, estabelece responsabilidades éticas e morais, sendo um marco referencial para o chefe da família, inclusive na tarefa de apaziguar conflitos. A generosidade ainda é entendida como símbolo do jeito de ser indígena em contraponto ao jeito mesquinho dos brancos. No que toca à estrutura espacial das aldeias urbanas, estão normalmente instaladas em áreas de vales, com grande densidade de distribuição de casas. Não há ruas, apenas alguns trechos em terra batida que dão acesso às casas, sem muitas opções de manutenção de quintais para cultivo ou criação de animais. As casas nas áreas de várzea ou terreno em maior aclive são suspensas em palafitas, acessíveis através de escadas em madeira; as demais são térreas, em alvenaria, com cobertura em telhas de fibrocimento e piso cimentado. As mais recentes são em paredes de madeira reaproveitada ou plástico e piso de chão de terra batida. As casas são organizadas em torno de um barracão em madeira, com cobertura em palha e piso de terra batida onde funciona o Centro Cultural e onde acontecem confraternizações e manifestações sociais. Também é o local de hospedagem para os parentes que ainda não construíram suas próprias casas e estão de passagem. Há também um campo de futebol e, no caso das aldeias localizadas fora das cidades, ainda é possível verificar casas de farinha e áreas de cultivo. No caso da comunidade I’apirehyt, há uma cerca de bambu para delimitar o terreno da aldeia em relação à avenida. Essa cerca define o espaço de uso coletivo, a “Casa de Tupana”, um pátio em terra batida que funciona como uma feira, e o Centro Cultural. Das comunidades apresentadas, a que mais se assemelha às características da arquitetura indígena tradicional é Sahu-Apé, uma aldeia que retrata a inserção indígena na rota de turismo próximo a Manaus. Nesta, as edificações apresentam bom estado de conservação e qualidade dos materiais de construção. Em seu terreno há um barracão para atividades coletivas, como cultos religiosos, campo de futebol e centro cultural, além de uma área para eventual dormitório de parentes e visitantes. Há outro barracão onde funciona a cozinha. Nesse local há refeições coletivas e se abre para um pátio cercado por barracas de madeira e palha com diversas funções, como moradia e exposição de artesanato, além de servir de hospedagem turística.
Edmara Paiva Santana
Márcia Sant'Anna