Não se aplica.
Catherine Jacqueline Suzanne Gallois
Versão em PDF cedida ao grupo ARQPOP pela autora.
GALLOIS, Catherine Jacqueline Suzanne. Sentidos e formas do habitar indígena: Entre a mobilidade e sedentarização: Estudo de caso entre os Wajãpi do Amapá. 2004. 187 f. Tese (Doutorado) - Curso de Planejamento Urbano e Regional, Pós Graduação, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2004.
Catherine J. S. Gallois é graduada arquiteta e urbanista pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (FAU-USP, 2001), onde também realizou curso de mestrado em Planejamento Urbano e Regional (IPPUR, 2004). Também tem aperfeiçoamento em caracterização e conservação da pedra ( ICCROM, 2009 e UFMG/IPHAN, 2014). É doutora em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade Federal Fluminense (2019). Foi docente do curso de graduação em Arquitetura e Urbanismo da Universidade Estácio de Sá e atualmente atua na superintendência do IPHAN no Rio de Janeiro elaborando pareceres e orientações técnicas para obras de conservação e restauro de bens tombados pelo IPHAN, entre outras competências.
Fonte: http://lattes.cnpq.br/0158695745997720
INTRODUÇÃO
Capítulo 1: Fronteiras e Terras Indígenas
Capítulo 2: Wajãpi Rena e Jisyrysyry: O espaço-tempo de uma família Wajãpi
Capítulo 3: Ocupação na Terra Indígena Wajãpi: os espaços-tempos dos grupos locais e das “aldeias centrais”
Conclusão
Bibliografia
Lista de Siglas
Apêndice
A tese tem como objeto de estudo as configurações socioespaciais associadas ao “habitar indígena” Wajãpi (grupo indígena que habita a região do Amapá) em condições de fronteiras – tanto políticas quanto culturais- e os sentidos e formas de habitar marcados pela mobilidade tradicional do modo de vida Wajãpi e a pela sedentarização provocada pelas políticas indigenistas implementadas no seu território indígena. Para compreender a organização territorial, é necessário compreender os modos de vida indígena, a começar pelo conceito de mobilidade vinculado à necessidade de buscar novos recursos quando o sítio ocupado se exaure. Esse tipo de organização territorial tradicional, denominada jisryrysyry, baseia-se em percursos realizados no interior de regiões sem contornos claramente definidos, onde cada grupo empreende suas trajetórias de forma autônoma. Nesse contexto, aldeias são sucessivamente abandonadas e refeitas em outros lugares, associadas a isto, a tradição da residência unixorilocal, em que cada novo casal mora na casa dos pais da esposa, depois no mesmo pátio, em seguida se afasta para outras aldeias e, por fim, cria novos assentamentos. Três elementos compõem a organização territorial Wajãpi: o pátio, jardim e lugar de convívio social; as roças, locais de cultivo; e as casas. Sobre casas, a autora deixa claro que suas estruturas, forma, e materiais se adaptam muito bem à mobilidade das famílias e à disponibilidade de matérias-primas, como cipós para amarrações de palha para cobertura. São abertas de todos os lados, e a proteção contra intempéries se dá através do prolongamento das coberturas em balanço, criando espaços semipúblicos de transição entre a área mais íntima e o pátio. Há três tipos de casa: a Casa Jura, de maior duração e tempo de permanência, com piso elevado, que nunca é usada como cozinha, tendo no máximo uma pequena área com algumas funções de cozinha; a casa yvy’o, térrea, que admite as mesmas configurações da Casa Jura porém sem elevação do piso; e a Casa Tapaina, habitação com caráter provisório, contendo apenas alguns piquetes e uma cobertura. Essas três estruturas podem ter funções diversas e possuem normalmente uma outra menor próxima, a casa de cozinha, sendo esta térrea. Construídas por seus próprios donos, as casas têm muitos aspectos construtivos em comum mas também particularidades, como as proporções das partes construtivas. Os telhados, por exemplo, são sempre em duas águas, mas em alguns casos uma das extremidades é arredondada, formando um semicírculo quando há matéria-prima para isso. A autora ressalta a importância da mobilidade para a recriação da floresta primitiva e de seus ecossistemas. O ciclo de vida de uma aldeia é determinado pelo ciclo agrícola de uma roça - em torno de 4 a 5 anos - e pela falta de determinadas espécies para caça e de matérias-primas necessárias à vida cotidiana, como lenha e a disponibilidade de materiais de construção. Ou seja, a disponibilidade de recursos e o esgotamento ambiental nas proximidades da aldeia são os critérios que definem a necessidade de mudança e abertura de novas roças em locais com bons solos e quantidade e qualidade de caça e materiais de construção. O processo de sedentarização dos Wajãpi começou com a construção da rodovia Perimetral Norte (BR-210), em 1970, que adentra seu território por 30kms. Essa história também é marcada pela intrusão de garimpeiros em 1973/74. Com o amplo programa de pacificações implementado pela FUNAI para a construção da rodovia, assim como para a proteção dos indígenas contra epidemias trazidas pelos garimpeiros, institui-se um processo de dependência e sedentarização crescente, associado a um processo de transformação de identidade e cosmovisão, que envolveu o processo de mudança do que significa território Wajãpi. Os locais de instalação de Postos Indígenas de Atração (PIA) da FUNAI, onde também foram instalados escolas e postos de saúde, foram denominados de ‘aldeias centrais’, e constituíram polos de atração de famílias indígenas em busca de proteção ou apoio. Nesse momento, outros fatores começaram a ser importantes na escolha dos locais das novas aldeia, como a proximidade à essas ‘aldeias centrais’, assim como às regiões de fronteira, que passaram a ser ocupadas para evitar a invasão da terra demarcada. Isso culminou em um modelo de sedentarização, que contrasta com a mobilidade da ocupação tradicional. Deve-se comentar, entretanto, que esse processo de sedentarização implicou graves impactos na cultura Wajãpi e na manutenção da floresta primitiva que, depois de muito tempo de utilização do mesmo solo, este se torna infértil e a floresta já não se recompõe nesse local. Houve também mudanças nas matérias-primas utilizadas na construção de casas nas aldeias centrais velhas, devido ao esgotamento dos materiais tradicionais na região, o que levou à substituição por outros menos resistentes, com menor eficiência e durabilidade, como as telhas brasilit, assim como a utilização de espécies vegetais antes proibidas. Além destes aspectos, os problemas da sedentarização se tornaram visíveis na quantidade de lixo produzida e alastramento de doenças nos grupos locais. Apesar disso, essa ainda é a tendência da maior parte dos Wajãpi, e poucas famílias estão engajadas no processo de mobilidade tradicional, assim como poucos grupos estão de fato fiscalizando os limites da terra indígena por estarem concentrados nas proximidades das aldeias centrais. Considerando as condições de fixação em aldeias centrais velhas (aldeias cuja ocupação se deu por mais tempo do que o ciclo tradicional de ocupação), ressalta-se que algumas famílias passaram a ocupar novas aldeias, onde há disponibilidade de recursos, ocupando também, alternadamente, a aldeia central velha, onde há acesso a políticas assistenciais. Desejam, portanto, estar próximas às políticas assistenciais, mas entendem também que esse processo de fixação desconstrói sua própria identidade. Essa consciência contribuiu para a construção de uma estratégia de concentração e descentralização da ocupação, assim como definição de locais estratégicos para implantação de aldeias centrais, que permite atender a todas as regiões do território indígena e às aldeias secundárias. Assim, famílias podem ter acesso mais rápido à infraestrutura das aldeias centrais e viver e manter suas roças em aldeias periféricas. Esse modelo, porém, nada tem a ver com a ocupação territorial tradicional Wajãpi. A autora comenta ainda as dificuldades enfrentadas nesse processo de planejamento coletivo da organização territorial, visto que os Wajãpi consideram também aspectos de identidade histórica de ocupação de cada grupo em determinado território e, uma ‘aldeia central’ e sua região não coincidem exatamente com a região de ocupação tradicional de um grupo local. Isso implica em uma nova noção de região baseada em fronteiras, diferente daquela definida pelos percursos, de quando praticavam sua territorialidade de forma autônoma. Além disso, a organização coletiva tornou-se necessária já que agora há um território definido para todos os grupos Wajãpi. Ou seja, a territorialidade já não se dá de forma autônoma.
Edmara Paiva Santana
Márcia Sant'Anna