BARRETO, Jônatas Nunes. Implantação de infra-estrutura habitacional em comunidades tradicionais: O caso da comunidade quilombola Kalunga. Orientador: Rafael Sanzio Araújo dos Anjos. 2006. 121 p. Dissertação (Mestrado em Arquitetura e Urbanismo) - Universidade de Brasília, Brasília, 2006.
Eixos de análise abordados:
Conceitos e métodos
Território e etnicidade
Dados sobre o autor(es) e obra:
Jônatas Barreto é graduado em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade de Brasília (1984) e possui Mestrado em Arquitetura e Urbanismo pelo Programa de Pós-graduação da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo dessa universidade (2006), e MBA em Gerenciamento de Projetos na Construção Civil, pelo Instituto Brasileiro de Tecnologia Avançada (IBTA), São Paulo (2013). Tem experiência na área de restauro de edificações e logradouros históricos, com trabalhos realizados para a Unesco, IPHAN e Programa Monumenta, em várias cidades históricas brasileiras.
Conceitos, Procedimentos Metodológicos e Fundamentos Históricos
A Comunidade Quilombola Kalunga
Dados sobre a Infraestrutura Habitacional da Comunidade
Conclusões e recomendações
Resumo :
A dissertação tem como foco a implantação da infraestrutura habitacional no Quilombo Kalunga, em Goiás. Para isso, o autor divide o texto em quatro capítulos, sendo o primeiro correspondente a uma contextualização de conceitos, metodologias e fatos históricos. Nele, o autor levanta o caminho percorrido para conceituar a palavra Quilombo, com dados sobre o seu surgimento e desdobramentos contemporâneos. Trata ainda da identidade étnica da população negra e da discussão em torno do termo Comunidade Tradicional. No tocante à espacialidade, explica como irá se apropriar dos conceitos de Paisagem, Tipologia e Infraestrutura Habitacional, com a intenção de utilizar esses termos não apenas no viés físico, mas também levando em conta as influências socioculturais sobre eles. Por fim, o capítulo apresenta um breve panorama dos quilombos no Brasil, abordando desde as condições do seu surgimento até a sua resistência e reconhecimento atual.
No Capítulo Dois, o autor concentra as informações sobre o Quilombo Kalunga, trazendo, logo no início, mapas territoriais e o histórico das primeiras ocupações do local. Em sequência, discorre sobre o início dos estudos acadêmicos antropológicos sobre os Kalunga tema, nos anos 1970. Esses estudos teriam sido importantes no processo de tombamento e demarcação territorial do quilombo, pois a antropóloga Mari de Nasaré Baiocchi, responsável pela pesquisa, enviou ao Estado de Goiás a proposta que culminou na criação do Sítio Histórico e Patrimônio Cultural Kalunga. Com o andamento do processo de demarcação, a comunidade sofreu pressões vindas de fazendeiros que invadiram o território e expulsavam quilombolas do território com uso de violência e ameaças, o que se deu até o fim do processo. Barreto descreve então as diversas serras e rios que fazem parte desse território e que são essenciais para a forma como se organizam os lotes e casas. A comunidade se fragmenta em diversos povoados, acompanhando o relevo e, principalmente, a rede hidrográfica que banha o quilombo. No Capítulo Três, é mostrada uma visão espacial mais aprofundada. O autor descreve como as casas quilombolas se camuflam no relevo e na vegetação, o que é atribuído à necessidade de se ocultar dos olhos dos capitães do mato no início da formação da comunidade. Observa também que muitos dos povoados possuem um número muito baixo de habitações, o que caracteriza o o território quilombola por uma baixa densidade demográfica. Introduzindo a relação da casa com o lote, através de um diagrama circular, mostra-se a semelhança da organização territorial quilombola com a organização da etnia Zulu, em Moçambique, onde a casa do chefe de família ou da matriarca é centralizada, enquanto casas dos outros membros e as edificações de apoio, como currais e casas de farinha, a cercam. A partir dessa informação, o autor apresenta croquis de implantação de algumas casas do quilombo, mostrando, além do aspecto da organização centralizada, uma organicidade no tocante a caminhos e trilhas que saem do terreno e levam a lugares considerados importantes. Esses caminhos se diferem de estradas regulares, resultando em um traçado não linear que ainda é influenciado pelos acidentes geográficos e rios e trazem uma conformação única à tipologia habitacional Kalunga, que é considerada pelo autor um elemento que caracteriza o sítio histórico e deve ser preservado. Logo após, Barreto apresenta duas tipologias arquitetônicas identificadas no quilombo, que define como Tradicional e Hibrida. São chamadas de tradicionais, as casas construídas em taipa de mão ou adobe, sendo este também utilizado como vedação nas estruturas em madeira. Possuem também esquadrias de madeira e cobertura de palha de Pindoba ou Buriti. Já na tipologia híbrida, são consideradas as casas que passaram por alguma reforma utilizando materiais industrializados, como portas e janelas de metal e/ou cobertura em telha cerâmica. Enquanto o autor discorre sobre as características dessas tipologias, o texto é acompanhado de fotos e de um exemplo de planta baixa de habitação quilombola. A seguir, o autor mostra dados sobre o saneamento básico precário ou quase inexistente no quilombo. A maioria das casas não possui banheiro ou fossa séptica, além de água encanada e energia elétrica escassas. Essa situação deflagrou intervenções governamentais nas moradias e no espaço, mediante programas como o “Cheque Moradia” e a “Ação Kalunga”. O Cheque Moradia, corresponde a um crédito dado ao morador para a compra de material de construção em determinados locais, o que ocasionou edificações inacabadas e materiais comprados, mas não utilizados, pois o benefício não era suficiente para arcar com toda a obra. Já a Ação Kalunga foi organizada pelo Governo Federal em conjunto com o governo de Goiás. A ação destinava-se à elaboração de projetos habitacionais e de infraestrutura, visando à melhoria da qualidade de vida da comunidade e levando em consideração seus aspectos socioculturais. A ideia inicial era manter o uso do adobe e das tipologias existentes, utilizando-se os saberes tradicionais dos quilombolas para nortear a construção, em conjunto com saberes técnicos dos profissionais. Porém, o decorrer da obra e os prazos de prestação de contas impostos pela verba governamental, impossibilitaram as ações socioculturais planejadas para o engajamento da comunidade no projeto, o que resultou em diversos erros técnicos. O projeto estrutural das primeiras cinco casas teve que ser modificado, com a introdução de uma estrutura adicional de madeira, pois não foi atingida a resistência ideal dos adobes. Após essas dificuldades, decidiu-se pela mudança de material construtivo para tijolos de solo cimento, o que descaracterizou a comunidade e tornou a habitação mais difícil de ser apropriada e modificada pelo morador. Além disso, Barreto nos traz as mudanças na espacialidade advindas da implantação da rede elétrica, feita em formato de rua linear, que modificou a lógica orgânica tradicional de divisão de lotes, com novas casas seguindo o caminho linear formado pelos postes de energia. Em sua conclusão, Barreto discute o impacto da implantação da infraestrutura na paisagem tradicional e critica a falta de planejamento sociocultural por parte dos órgãos governamentais nesse tipo de projeto. Lista os pontos negativos dos programas executados e aponta soluções e melhores formas de adequar os projetos a territórios quilombolas. Por fim, relembra que o Quilombo Kalunga é um sítio histórico e que suas mudanças devem ocorrer levando esse fato em consideração, como ocorre em outros sítios dessa natureza.