Não se aplica.
Anete Regis Castro Araújo
Biblioteca da Faculdade de Arquitetura da UFBA.
ARAÚJO, Anete Regis Castro. Apropriação do espaço: três sobrados no Pelourinho. Dissertação de Mestrado. Mestrado em Arquitetura e Urbanismo – Programa de pós-graduação em Arquitetura e Urbanismo, Faculdade de Arquitetura da Universidade Federal da Bahia, Salvador, 1989.
Anete Regis Castro de Araújo possui graduação em Arquitetura pela Universidade Federal da Bahia (1963), especialização em Building Conservation pela Architectural Association School of Architecture (1979), mestrado em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade Federal da Bahia (1989) e doutorado em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade Federal da Bahia (2003). Foi professora adjunta da Faculdade de Arquitetura da Universidade Federal da Bahia. Tem experiência na área de Arquitetura e Urbanismo, com ênfase em Fundamentos de Arquitetura e Urbanismo. Atuando principalmente nos seguintes temas: Arquitetura moderna, Espaço doméstico, Salvador, Estudos culturais, 1930-1949 e Gênero.
Informações obtidas em: http://lattes.cnpq.br/6619569106171679
1. Introdução
2. Aspectos teóricos e metodológicos
3. Capítulo I – Antecedentes históricos
4. Capítulo II – Nas sacadas dos sobrados da velha salvador
5. Capítulo III – Relações sociais e apropriação do espaço
6. Conclusão 7. Notas 8. Bibliografi
Com o propósito de compreender a relação entre espaço projetado/construído e o espaço vivido pelos usuários, Araújo realiza esta pesquisa cujo objeto é o uso e a apropriação do espaço em três sobrados com função habitacional pluridomiciliar no Pelourinho, os quais sofreram intervenções restaurativas do Instituto do Patrimônio Artístico e Cultural da Bahia (IPAC). A investigação se dividiu entre o trabalho de campo (realizado de junho de 1986 a outubro de 1987) e a redação do texto. A autora problematiza as dificuldades que os arquitetos enfrentam na elaboração de projetos de restauro com finalidade habitacional em Centros Históricos, uma vez que a formação acadêmica e, consequente, a prática profissional abordam apenas o aspecto físico, baseado em dados quantitativos. Ou seja, sem considerar as substituições e transposições realizadas no espaço habitado pela ação dos atores sociais no processo de apropriação resultante do choque entre modelos culturais existentes na sociedade. Dessa forma, Araújo aponta como imprescindível a exigência de novos horizontes metodológicos que englobem o campo da antropologia, no sentido de enfatizar abordagens qualitativas do universo do trabalho relativo a habitações pluridomicialiares. A partir dessas observações, a autora lança questões norteadoras da pesquisa, como estas: “Como têm sido apropriados os espaços projetados nas habitações pluridomicialres no Centro Histórico?” e “O que tem levado os moradores a optarem por modificações nos espaços e nos usos destinados para determinados fins no projeto arquitetônico?” (p.2). É importante ressaltar que a tutela do IPAC após a ocupação dos sobrados não permite que os moradores alterem, sem consulta, os espaços internos das habitações. Assim, as modificações introduzidas pelos moradores são poucas e pontuais. Os critérios de seleção dos sobrados analisados enfatizaram aspectos diversificados, como a possibilidade de se extrair lições aplicáveis a casos mais gerais, como: soluções (espaciais e funcionais) propostas semelhantes x usos e apropriações diferenciados; diversidade tipológica significativa de um dos sobrados quanto à planimetria; heterogeneidade dos moradores (quanto à composição familiar, faixa etária, atividade econômica, tempo de moradia e local de origem); heterogeneidade relativa do nível de renda e heterogeneidade na densidade de ocupação dos três sobrados. A dissertação aborda os conceitos de apropriação e de uso, apontando que são determinados pelas práticas cotidianas dos usuários no espaço. Por sua vez, o espaço é definido como suporte físico para as práticas sociais intermediadas pelos elementos simbólicos de uma dada cultura, e também – e fundamentalmente- como um recurso do qual os homens se apropriam, transformam, constroem e utilizam. Para autora, o espaço deixa de ser priorizado em sua dimensão física, passando a ser o lugar onde se expressam sistemas sociais diferentes, não podendo ser apreendido isoladamente, mas apenas em relação aos seus usuários e suas práticas. Os levantamentos foram realizados utilizando a técnica da observação semiparticipante, sendo grande parte das informações colhidas através da observação direta. Assim, foram coletados um corpo de dados e documentos etnográficos, incluindo mapas, plantas, fotos gravações e entrevistas. Essa etapa da pesquisa se deu segundo duas trajetórias, no sentido de organizar a coleta de dados e tentar sistematiza-los, ao mesmo tempo em que novas voltas ao campo eram efetuadas. A dissertação é dividida em três capítulos. O primeiro trata do contexto histórico-social dos sobrados em relação à cidade e ao bairro, ao mesmo tempo em que enfatiza a sua configuração espacial. O segundo expõe o resultado da pesquisa de campo e está dividido em duas partes, isto é, trata separadamente as unidades habitacionais em si e as áreas de utilização coletiva nos sobrados. Primeiramente, neste capítulo, a autora apresenta os moradores (idade, trabalho, costume, origem, parentescos e relações, entre outras informações) com a indicação gráfica das unidades em que cada família mora, representando a forma de ocupação do espaço pelos usuários e as modificações feitas durante o tempo da pesquisa. Nesse momento, a dissertação é ricamente ilustrada com plantas-baixas acompanhadas da indicação dos objetos encontrados e que representam as formas de habitar em cada unidade. Na segunda parte, Araújo relata as relações existentes nas áreas coletivas (pátio, corredores, escadas e cozinhas situadas nas áreas coletivas), como também os conflitos e relações de parentesco e amizades existentes. O terceiro capítulo corresponde à interpretação e análise conclusiva da pesquisa. Para uma caracterização analítica da apropriação dos espaços, além de considerar as especificidades histórico-sociais do bairro, Araújo afirma que se deve também compreender a localização dos agentes desses espaços na estrutura da sociedade, reflexo de sua condição econômica dentro de um contexto mais global, como também o seu estilo de vida, o qual é definido simbolicamente. Utilizando os estudos de Berger (1973), aponta que é através da estratificação, da mobilidade e do controle social que se pode localizar o indivíduo na sociedade, e que esta localização é o modo pelo qual ele é informado daquilo que pode fazer e o que pode esperar da vida. O consumo é muito presente na organização material das unidades habitacionais, que buscam uma diferenciação individual em relação à massa comum para evitar transmitir uma imagem mais pobre ou menos moderna. Os objetos apresentam um conteúdo simbólico e ritual que preside a sua escolha, ultrapassando o seu significado prático. Identifica-se o gosto pelo móvel antigo (reconhecimento da classe alta como possuidora do “verdadeiro” bom gosto) e por objetos que revelam o sincretismo religioso. Além da análise dos objetos e do tipo de mobiliário de maior incidência nas unidades, que estão relacionados principalmente à renda, idade e trajetória de vida do morador, a questão de como eles estão dispostos no espaço também foi avaliada. A disposição dos objetos no espaço rege-se, segundo a autora, por dois modos essenciais: “saturação e redundância” por um lado e “simetria e hierarquia” por outro. Não se dispensa o mobiliário completo dos ambientes mesmo que no cotidiano, praticamente, não sejam utilizados. As unidades habitacionais estão sempre saturadas e, uma vez que a situação financeira permite, os móveis aumentam de tamanho e os objetos de número, surgindo então a redundância. A simetria não é característica muito acentuada na disposição dos móveis e objetos nas unidades estudadas, apresentando-se, sobretudo, de modo centralizado. Esta centralidade, no entanto, é mais adotada quando os móveis representam “status”, pois, em interiores mais simples, a tendência é encostar todos os móveis na parede. A hierarquia da mobília é clara, com destaque para a TV e para o altar ou lugar dos santos nas salas, e para a bateria de panelas na cozinha. No aspecto referente ao estilo de vida, a caracterização pode ser feita através da observação das necessidades básicas, da família, da privacidade e da sociabilidade. Estas observações são rebatidas nos espaços internos, dominado pelas mulheres, que são marcados, na maioria das unidades, pela ordem e limpeza. No que se diz respeito à funcionalidade dos cômodos, são marcados pela diversidade funcional, apresentando uma grande flexibilidade de uso (por exemplo, o quarto que é também sala). Quantos às áreas coletivas, apresentam diversidade de funções às vezes formalmente irreconciliáveis, mas desenvolvidas com muita naturalidade. Já a rua se apresenta como um espaço de sociabilidade, sendo local de encontro e não apenas de circulação. Araújo finaliza concluindo que uma ótica adequada para o tratamento da preservação dos Centros Históricos se dá mediante a identificação dos modos de apropriação e ocupação dos espaços na vida de seus habitantes e usuários, priorizando-se a compreensão dos fatos sociais dentro do contexto cultural específico ao qual pertencem. É, portanto, do resultado do estudo da relação entre a organização social e a morfologia espacial que se compreenderá a dinâmica urbana nos Centros Históricos. Além disto, a autora aponta a relevância da pesquisa realizada, visto que os estudos etnológicos clássicos raramente analisam as mudanças espaciais que invariavelmente ocorrem nos espaços habitados. Enfatiza que o “espaço original”, projetado pelos profissionais de arquitetura, serve apenas como base da nova organização, portanto, além da necessidade de conhecimento técnico para o ato da projetação, é preciso um maior contato do especialista com os usuários dos espaços agencia, no sentido de corrigir tendências típicas da formação do próprio arquiteto restaurador e intervenções equivocadas
comprovadas na prática profissional.
Ana Luíza Teixeira Silva
Marcia Sant’Anna