A obra compila e disponibiliza conhecimentos produzidos no mundo inteiro sobre tradições construtivas vernaculares, cobrindo a arquitetura produzida, no passado ou no presente, por autoconstrução ou por construção comunitária, mas considerando apenas a que permaneceu em uso no século XX. A Enciclopédia tem três volumes, sendo o primeiro dedicado às Teorias e Princípios que informam o campo e os demais às Culturas e Habitats estudados. Essa organização decorre de uma concepção dual dessa arquitetura, que a articula tanto a aspectos ambientais, tecnológicos e materiais, quanto à estrutura social, sistemas de crenças e padrões de comportamento. Utiliza-se a expressão “vernacular” para designar a produção que é objeto desta obra porque, ao remeter ao “dialeto” local ou regional, indicaria a existência de uma “linguagem construtiva” comum, contemplando suas variações e refletindo sua diversidade. Denomina-se de “popular” apenas a arquitetura suburbana que se desenvolve no século XIX, a qual não está incluída nesta enciclopédia porque seria feita “para o povo” e não “pelo povo”. Já a arquitetura das invasões e assentamentos informais urbanos contemporâneos é considerada e denominada de “neovernacular”, devido à sua relação com tradições vernaculares, embora assinalada como distinta da que constitui o foco da obra. Seriam características comuns da arquitetura vernacular: articulação com situações socioculturais, econômicas, tecnológicas e ambientais; construtores que são detentores de tradições; observação de regras consuetudinárias ou vinculadas à concepção cosmológica; expressão de valores comunitários e da visão espiritual e material do grupo na construção. Com base nessas reflexões, a enciclopédia oferece a seguinte definição: “Arquitetura vernacular compreende as moradias e outras construções dos povos. Relacionadas a seus contextos ambientais e recursos disponíveis, são geralmente construídas pelos próprios donos ou pela comunidade com a utilização de tecnologias tradicionais. Todas as formas de arquitetura vernacular são construídas para atender a fins específicos, acomodar valores, economias e modos de vida das culturas que as produzem” (xxiii). Os estudos precedentes sobre arquitetura vernacular são historiados na Introdução da obra, ressaltando-se o seu surgimento no século XIX, a aquisição de um caráter mais sistemático com o avanço da arqueologia e da etnografia e com sua associação, na Europa, à questão da nacionalidade. No século XX, são ressaltados os amplos estudos realizados em Camarões (1954), Romênia (1958) e Portugal (1961) que, entre outras contribuições, anteciparam as novas abordagens de meados desse século. O marco seguinte seria a exposição “Arquitetura sem Arquitetos”, realizada por Rudofsky em 1964, pois promoveu uma “consciência popular” sobre o tema. Destaca-se ainda o trabalho de historiadores, antropólogos, geógrafos, planejadores e membros de organizações humanitárias que realizaram levantamentos e registros. A variedade de objetivos, abordagens e métodos empregados nesses estudos seria decorrência desta diversidade de olhares. Na segunda metade do século XX, o interesse pela arquitetura vernacular cresceu, o que animou a criação de organizações de defesa na Inglaterra, França, Alemanha e Escandinávia, e a realização de conferências internacionais sobre o tema. Apesar disso, publicações específicas continuaram poucas e o conhecimento produzido muito lacunar. A abordagem da enciclopédia não é nacional e sim cultural e ambiental. Observa-se que classificações decorrentes de materiais utilizados, sistemas estruturais, formas produzidas, tipos e estilos não funcionam numa perspectiva mundial, sendo mais consistente uma classificação fundamentada em aspectos culturais. As divisões geopolíticas são abandonadas, adotando-se a noção de “regiões” que refletiriam afinidades arquitetônicas e culturais. Oferece-se então um “mapa cultural” do mundo organizado a partir do compartilhamento entre grupos humanos de determinadas tradições arquitetônicas e construtivas. O exame do modo como as tradições construtivas brasileiras estão agrupadas, entretanto, demonstra as falhas dessa abordagem. O Brasil está incluído nas “regiões culturais” denominadas “Amazônia” e “Brasil Sul”. A primeira compreende o Norte, o Nordeste e parte do Centro-Oeste do país, além de áreas na Bolívia, Peru e Colômbia. Justifica-se esta delimitação pelo comportamento “igualitário e politicamente autônomo” dos indígenas, pelo seu “repertório comum de cultivos e estilos artísticos”, por “características linguísticas, mitológicas e de parentesco”, além da existência de um “padrão em termos de organização e uso do espaço e traços comuns no que toca a valores e significados simbólicos associados às casas e assentamentos” (1619-20). Os verbetes mais interessantes são, portanto, os relativos a assentamentos e construções indígenas localizados no Brasil. Embora com traços geográficos e culturais flagrantemente distintos, o Nordeste brasileiro também está incluído nesta “região”, com verbetes sobre construções rurais sertanejas, locas, casas de pescadores e mocambos urbanos, além de casas grandes, sobrados e assentamentos urbanos do período colonial. A “região” Brasil Sul, por sua vez, inclui o Uruguai, o Sul, o Sudeste e partes do Centro-Oeste do Brasil. O traço comum assinalado seria a presença de uma cultura miscigenada derivada do contato entre indígenas, europeus e africanos, o que se refletiria na arquitetura da “região”. Dessa miscigenação surgiram como manifestações vernaculares assentamentos urbanos, sobrados, casas bandeiristas, fazendas “tropicais”, a arquitetura “caiçara”, “caipira” e “favelada”, além daquela dos índios Guaranis e dos imigrantes europeus e asiáticos vindos no século XIX. As “regiões culturais” nas quais o Brasil está incluído, portanto, dão uma medida da homogeneização que o conceito realiza ao forçar uma articulação cultural e ambiental entre tradições construtivas muito distintas. A enciclopédia resulta do trabalho de inúmeros pesquisadores e é fartamente ilustrada com fotografias, mapas e desenhos. Além dos verbetes relativos às tradições construtivas nos vários contextos culturais abordados, contém, no primeiro volume, textos interessantes sobre as principais abordagens e conceitos utilizados no campo; a relação entre traços culturais e atributos construtivos; materiais, técnicas e processos de construção; ornamentação e significados simbólicos; tipologias, usos e funções.