Luís Saia apresenta nesse texto uma trajetória da casa brasileira com ilustrações extraídas da obra de Gilberto Freyre. Aponta que, nos primeiros séculos da colônia, a arquitetura brasileira seria sobretudo rural, desenvolvendo-se nesse meio com independência da metrópole. Os assentamentos litorâneos, por outro lado, tinham feição africana na moradia da escravaria, em casas humildes, de adobe e poucas partes de alvenaria, ao passo que as obras maiores eram de pedra trazida da Europa. Na arquitetura rural, houve a interpenetração da cultura e experiência dos portugueses, negros e indígenas na localização da casa-grande e da senzala e, principalmente, na estrutura das paredes de taipa de mão. Essa técnica espalhava-se por todo o Brasil nas casas-grandes e nas senzalas, nas vilas e é usada até hoje, quase que exclusivamente, nas casas dos caboclos. Mais ao Norte se manifestou a capacidade do indígena de usar os materiais à disposição na construção das choças dos seringueiros e dos mocambos. No Sul e no litoral vigorou a experiência portuguesa nas aglomerações semiurbanas, com necessidade de construções mais residentes. Sem uma tradição nativa anterior de moradias sólidas, empregaram-se os conhecimentos portugueses na sua estrutura plástica externa, com adaptações às condições mesológicas; no tratamento das peças; na orientação da planta, incorporando-se elementos da arquitetura oriental como os largos beirais, alpendres, pórticos, balcões, janelas rendadas, entre outros. A casa do trabalhador rural retrata a marcha tortuosa da escravidão na senzala, como moradia coletiva, para a liberdade relativa do caboclo em sua cabana, com sua família, sua criação, seu cavalo, assim descentralizando-se e espraiando-se pelo mato. Na formação do Brasil, duas figuras teriam sido importantes segundo Saia. O senhor de engenho, aglutinando os negros ao seu redor, e o padre, aproximando-se dos indígenas. Como a senzala em relação à casa-grande, o aldeamento dos indígenas agrupou-se em torno dos colégios, instalando-se nos altos. Embora nas suas linhas mantivesse a sobriedade da arquitetura clássica e de seus materiais, com paredes lisas, interrompidas pelas várias janelas, largos beirais e salas espaçosas, empregavam a mesma técnica da arquitetura rural, ou seja, a trama de galhos retos preenchida com a argila plástica. Esse padrão se repetiu quando o colono se interiorizou na penetração dos sertões, na expansão pastoril dos planaltos, na conquista das minas, dispersando-se a população mameluca e mestiça numa grande mobilidade pelo território, mas sem elaborar-se um estilo arquitetônico apurado nesse processo. Assim, o interior fixou os traços largos da habitação rural brasileira. Em contraparte, o mar engendrou a cidade, que cresceu de importância ao longo do tempo. No quarto século, cidades maiores, como Salvador, Recife e Rio de Janeiro, eram quase todas construídas pelo obreiro que vinha da metrópole, dando conta de necessidade de maior solidez, para funções de defesa. Fruto de um urbanismo instintivo, copiava, quando possível a experiência europeia. Mas ficou a marca do negro e do indígena na técnica de construção, na pequena habitação, no morro, tornando urbano o modelo da casa do caboclo, caracterizado pela sua forma de construção, disposição, cobertura, planta, resultando numa casa baixa, com largo beiral, janelas baixas e abertas. Houve, entretanto, um parêntese nas cidades de Minas, com o surgimento de soluções originais que faziam uma síntese do litoral com o interior.