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Simpósio sobre Arquitetura Popular no V ENANPARQ 2018
Simpósio sobre Arquitetura Popular no V ENANPARQ 2018
Igatu / Chapada Diamantina-Ba, 2016.
Espigueiros. Portugal, 2017.
Espigueiros. Portugal, 2017.

Apresentação

A proposta de pesquisa

A arquitetura popular, como campo de estudos que envolve edificação, assentamento e construção de territórios e paisagens, tem sido notoriamente deixada de lado pela área de arquitetura e urbanismo por se referir a produções realizadas fora dos seus circuitos formais, tendo como referência saberes e práticas de amplo domínio popular. Este relativo abandono tem implicado a ausência desse tema na formação de arquitetos e urbanistas no Brasil, assim como o desconhecimento da arquitetura que compõe grande parte das cidades brasileiras, da produzida por povos indígenas e da que resulta da contribuição dos descendentes de africanos, europeus e asiáticos que, em levas sucessivas a partir do século XVI, contribuíram para a formação da nossa sociedade. Contudo, o interesse pelo tema tem crescido nas últimas décadas, embora trabalhos mais abrangentes, realizados por arquitetos, ainda sejam poucos no país.

A ausência de aproveitamento dos conhecimentos e técnicas de domínio popular no projeto arquitetônico e no assentamento urbano contemporâneo alimenta também preconceitos na áreas da construção civil e da saúde pública relativos à durabilidade, à segurança construtiva e à salubridade da produção baseada nessas técnicas e conhecimentos, assim como o seu aproveitamento em políticas habitacionais mais adaptadas às distintas realidades regionais do Brasil. A ideia, por exemplo, de que as construções que utilizam a terra como material básico propagam por si só, e não devido a problemas de execução, doenças como o mal de Chagas é uma demonstração eloquente dessa visão preconceituosa. A marginalização das técnicas construtivas tradicionais e de domínio popular tem ainda promovido o risco de desaparecimento de modos e formas de construir e de organizar o espaço, além da desvalorização desses conhecimentos, o que alimenta o desinteresse no seu aprendizado. A proposta de pesquisar a arquitetura popular, seus espaços e saberes pretende então contribuir para fomentar na Bahia e no Brasil um processo de reversão desse quadro.

O objetivo desta proposta é, portanto, conhecer melhor os processos de construção, criação e introdução de inovações, assim como os de transmissão e aprendizado, inerentes à arquitetura e ao assentamento popular, com vistas à valorização dos conhecimentos, competências e expressões que envolve, à salvaguarda das tradições que encerra e à ampliação das oportunidades do seu uso contemporâneo. Em termos mais especificamente acadêmicos, visa a contribuir para o desenvolvimento conceitual e metodológico do campo, para a ampliação de pesquisas nessa área e para o aperfeiçoamento da formação em arquitetura e urbanismo por meio da criação de disciplinas que tratem desta temática. São também outros objetivos, ampliar o conhecimento histórico sobre as raízes da arquitetura popular e das técnicas construtivas tradicionais existentes no Brasil, agregar e envolver pesquisadores e estudantes em torno do tema.

 

Focos

Numa aproximação inicial, o campo da arquitetura e do assentamento popular está sendo abordado nesta proposta segundo os seguintes eixos de pesquisa, análise e reflexão:

  1. Conceitos e métodos utilizados ou propostos nesta área de estudos a partir de sua formação no século XIX, ainda no âmbito das ciências sociais, até o surgimento dos trabalhos realizados por arquitetos e urbanistas e o desenvolvimento dos estudos contemporâneos de caráter multidisciplinar.
  2. Saberes tradicionais e espaço arquitetônico, como relação que permite não somente entender a diversidade das formas e as características espaciais da arquitetura popular, mas, sobretudo, a compreensão dos papéis, funções e significados dos espaços.
  3. Tecnologia tradicional no território e na edificação: vigências e usos contemporâneos é um eixo que envolve tanto a constituição e configuração de territórios rurais e urbanos, como as técnicas utilizadas na construção de edifícios. Além da investigação das permanências, transformações e adaptações ocorridas nessas tecnologias, uma ênfase especial é posta na identificação dos seus usos contemporâneos, pois esse aspecto é essencial para a eliminação dos já mencionados preconceitos relacionados à sua durabilidade, segurança e salubridade.
  4. Construção autogerida em meio urbano: espaços e técnicas remete aos temas da autoconstrução e da construção planejada e coordenada pelo próprio morador, sem envolver, necessariamente, a sua participação como mão-de-obra. Este eixo considera os espaços produzidos nas escalas arquitetônica e urbana e, ainda, as técnicas organizacionais e construtivas que são mobilizadas nesses processos.
  5. Território e etnicidade, por fim, é um eixo que investiga o vínculo constitutivo entre arquitetura e cultura, particularmente no que toca à constituição de territórios e paisagens por meio da ação de grupos étnicos ou de grupos sociais que se constituem  a partir da elaboração de uma ideia de pertencimento étnico comum. Este eixo busca dialogar com o caráter pluriétnico e multicultural que também caracteriza o Brasil, focalizando a arquitetura e o assentamentos produzidos por comunidades indígenas, afro-descendentes ou de descendência européia e asiática.

As possibilidades de estudo e a variedade de temas contidos no campo da arquitetura e do assentamento popular, contudo, são muito mais amplos. Os eixos de análise, reflexão e pesquisa priorizados no momento de modo algum esgotam essas possibilidades e outros poderão ser estabelecidos à medida que os estudos avancem e outras questões surjam. Além de orientarem a proposição de projetos específicos de pesquisa, esses eixos destinam-se também a orientar a abordagem e a leitura das fontes documentais e bibliográficas que compõem o Guia de Fontes sobre Arquitetura Popular – primeiro produto do trabalho coletivo do grupo de docentes, pesquisadores e discentes da Faculdade de Arquitetura da Universidade Federal da Bahia (FAUFBA) comprometidos com esta proposta de pesquisa. O guia é resultado de um projeto aprovado pelo Edital 02/2011 – PRODOC-UFBA, da Pró-Reitoria de Pesquisa, Criação e Inovação (PROPCI) e da Pró-Reitoria de Pós-Graduação (PROPG) da UFBA, bem como do inestimável apoio técnico prestado pelo Centro de Processamento de Dados (CPD) desta universidade.

 

Desdobramentos e perspectivas

Embora ainda em seus primeiros passos, a proposta de investigar e refletir sobre a arquitetura e o assentamento popular, seus espaços e saberes, já vem mobilizando alguns pesquisadores no sentido do envio de colaborações para o Guia de Fontes sobre Arquitetura Popular, assim como parcerias institucionais. Por meio de convênio estabelecido entre a Faculdade de Arquitetura da UFBA e o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), uma pesquisa articulada ao eixo “tecnologias tradicionais no território e na edificação”, com foco nas técnicas construtivas tradicionais existentes na Chapada Diamantina, Bahia, terá início no segundo semestre de 2014, vinculada ao Programa Mestres e Artífices do Iphan. Trata-se de um trabalho de inventário que, além dessas técnicas, documentará mestres, oficiais, artífices, usuários e espaços produzidos, tendo como base a metodologia do Inventário Nacional de Referências Culturais do Iphan (INRC). Esta experriência já se beneficiará de informações contidas no Guia de Fontes sobre Arquitetura Popular e, ao mesmo tempo, o alimentará com novos contéudos bibliográficos e documentais. Nos próximos anos, espera-se que outras pesquisas, vinculadas aos distintos eixos de análise e reflexão aqui propostos, possam ser iniciadas contribuindo-se, assim, para o avanço da produção de conhecimento neste campo e também para a divulgação de novos estudos a partir do guia de fontes que se disponibiliza agora.